O “acaso” de haver “novo” governo nesta altura

 

1. No rescaldo das eleições de 10 de março Pedro Nuno Santos não tem garantido vida fácil aos comentadores televisivos, que se pelavam por uma refrega fratricida dentro do Partido Socialista. A união evidenciada teve ontem um momento particularmente desafiante, quando quiseram ouvir em Carlos César um desapego ao legado, que Montenegro herda e se prepara para desbaratar.

Ao contrário do que alguns quiseram “interpretar” o problema não terá sido o de gastar o excedente orçamental para satisfazer as reivindicações de diversas corporações que uniram esforços para derrubar o governo porque, para elas e para as que logo se lhes associariam, não bastaria um poço sem fundo para de lá retirar os biliões de euros com que pretenderiam ver-se bafejadas. A questão estará em virmos a saber como se organizou um golpe de Estado precisamente para apossar-se de tal excedente a partir de um parágrafo de um comunicado, e como um presidente, que nunca foi de todos, mas só de uma fação, escusou-se a empossar um novo governo legitimado na maioria absoluta.

2. É um paradoxo dos nossos tempos: como é que gente com vidas tão complicadas, só suavizadas por soluções tão complexas, pode deixar embalar-se pelo discurso simplista, mentiroso, vigarista de um partido de que nunca colherá qualquer benefício? E, ao mesmo tempo, como podem as esquerdas encontrar respostas eficientes para essa efetiva quadratura do círculo?

3. Tom Holland, historiador inglês, que anda a promover a edição portuguesa de mais um estudo sobre a história do antigo Império Romano, lembra o óbvio: um aparente momento alto de uma civilização pode tornar-se distópico num breve instante. Existem sempre bárbaros disponíveis para porem em causa os ganhos entretanto alcançados por quem, erroneamente, os julgara irreversíveis.