sábado, 8 de janeiro de 2011

Os impasses da democracia

Num artigo do «Nouvel Observateur», o filósofo francês Marcel Gauchet considera que 1974 é um ano de viragem na sequência do choque petrolífero do ano anterior e da terceira vaga de democratizações na Europa do pós-guerra com a Revolução dos Cravos a servir de ponto de partida emblemático.
Segundo ele a crise de crescimento da democracia tem a ver com a convicção de constituir a democracia o único tipo de regime aceitável. E hoje temos de reconhecer a menorização progressiva da democracia, quer ao nível da deliberação, quer da decisão…
No mesmo debate, Pierre Rosanvallon reconhece ter havido uma crise permanente da democracia desde o fim do século XIX, ou seja desde a generalização do sufrágio universal na Europa, já que sempre suscitou expectativas frustradas. Hoje existirá um distanciamento cada vez maior entre o tempo eleitoral e o tempo governamental: enquanto no primeiro se tem de seduzir, mostrando capacidade para ir ao encontro das expectativas imediatas nem que se tenha de, para isso, moldar a realidade, no momento seguinte entra-se na lógica do «Perhaps, we cannot», enfatizando as dificuldades e os constrangimentos ao ideal.
Para o mesmo Rosanvallon o maior problema actual tem a  ver com o enfraquecimento do Estado, quer pelos ataques contra ele proferidos pelos marxistas, que o acusam de estar ao serviço dos poderosos, quer dos liberais para quem ele só defende os interesses corporativos dos burocratas.
Retomar a defesa do serviço público é para este filósofo uma tarefa urgente.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Foi há doze anos que estive na China pela última vez depois de aí ter vivido durante cinquenta e tal dias no ano anterior.
Nessa altura a sua realidade tornou-se-me mais complexa do que a visão ilusória colhida anteriormente nos meus anos de simpatias maoístas. Mas a leitura desse imenso império pela edição mais recente do «Nouvel Observateur» ainda é muito mais contundente nos aspectos negativos do que tranquilizante nos de merecimento de um regime só ciomunista de nome, porque totalmente rendido aos preceitos do capitalismo selvagem.
Para quem não se conforma com a definitiva condenação da herança ideológica dos ensinamentos de Marx, a realidade chinesa é um fascinante laboratório de análise. Porque ali falharam estrondosamente algumas das propostas mais operacionais da ideologia em causa, dando azo ao autoritarismo nepotista de uma clique privilegiada sobre a grande maioria dos explorados. Justifica-se a tal respeito esta interrogação: em que momento se verificou o desvio para a caricatura do que deveria ser uma utopia levada à prática?
E, em alternativa: como será possível recolocar nos carris um comboio tão descarrilado do seu curso inicial?


Foi há doze anos que estive na China pela última vez depois de aí ter vivido durante cinquenta e tal dias no ano anterior.
Nessa altura a sua realidade tornou-se-me mais complexa do que a visão ilusória colhida anteriormente nos meus anos de simpatias maoístas. Mas a leitura desse imenso império pela edição mais recente do «Nouvel Observateur» ainda é muito mais contundente nos aspectos negativos do que tranquilizante nos de merecimento de um regime só ciomunista de nome, porque totalmente rendido aos preceitos do capitalismo selvagem.
Para quem não se conforma com a definitiva condenação da herança ideológica dos ensinamentos de Marx, a realidade chinesa é um fascinante laboratório de análise. Porque ali falharam estrondosamente algumas das propostas mais operacionais da ideologia em causa, dando azo ao autoritarismo nepotista de uma clique privilegiada sobre a grande maioria dos explorados. Justifica-se a tal respeito esta interrogação: em que momento se verificou o desvio para a caricatura do que deveria ser uma utopia levada à prática?
E, em alternativa: como será possível recolocar nos carris um comboio tão descarrilado do seu curso inicial?



Um capitalismo sem remissão

Já sabemos que com as crónicas do Miguel Sousa Tavares no Expresso se cumpre a lei de Pareto ao contrário, ou seja, em que dois em cada dez textos valem a pena ser lidas. Com o sucede esta semana com aquele que se intitula «Este Capitalismo Não Tem Remissão».
Depois de dizer que, à excepção da China, nenhuma das economias mundiais relevantes está livre das consequências das aventuras criminosas do sector financeiro, ele conclui: Antes de mais nada esta é uma crise de valores éticos, de valores de vida em sociedade. E mal vai o mundo se não há uma geração de líderes políticos com capacidade e coragem de fazer frente a este bando de abutres que suga o trabalho, o esforço e os sonhos de tanta gente que é vítima da sua ganância sem limite. Esse é o combate inadiável, sem o qual nenhum sacrifício do presente faz sentido.
E, na mesma edução, outro cronista, Daniel Oliveira lembra para quem anda tão distraído, que disso não se tenha apercebido, que as democracias em que vivemos são um cenário em que fingimos que escolhemos quem finge que decide.

domingo, 2 de janeiro de 2011

A ciência na negação da existência de deus

As ciências, por mais avançadas que sejam, ainda não inventaram nada. O que têm feito é descobrir o que Deus criou.
É de admitir que o responsável por esta frase - o cardeal lisboeta D. José Policarpo - sinta o drama de chegar ao fim da vida a ver desmoronado todo o edifício de certezas em que tem assentado a sua crença mística num deus omnipotente, omnipresente e omnisciente. Ou a sua cegueira fundamentalista lhe iniba sequer a capacidade para se colocar uma pergunta tão óbvia como o é esta: estarei enganado em acreditar numa ficção criada pelos homens para se defenderem da sua ignorância?
A verdade  é que, lançadas aceleradamente no século XXI, as ciências vão dando explicações cada vez mais aprofundadas sobre todas as grandes questões ligadas à nossa existência, transformando a metafísica numa quimérica impossibilidade matemática. E sempre pondo-se em questão, virando-se do direito e do avesso, para testar todas as possibilidades. O que nos leva a uma ideia cada vez mais contrária à nossa necessidade de ver tudo sob o prisma de haver sempre um princípio e um fim: o Big Bang pode nunca ter existido a uma escala universal, porquanto a nível cósmico, sempre terão existido estrelas, planetas, cometas e outros corpos celestes, eles sim sujeitos como nós, ao nascimento e à morte...

domingo, 26 de dezembro de 2010

Convite para jantar?

Na mesma revista Philippe Sollers voltava a Sun Tzu e à sua prodigiosa arte da guerra, para evocar alguns dos ensinamentos fundamentais a assumir no confronto anunciado com os nossos inimigos de hoje: Capaz, pareça incapaz; se pronto para o combate, não o deixe assim entender; se está próximo, pareça distante; se distante pareça bem mais próximo; atraia o adversário pela promessa de uma vantagem; apanhe-o na armadilha fingindo uma barafunda; se ele se concentrar, defenda-se; se ele está muito forte, evite-o; se em cólera, provoque-o; se humilhante, excite essa convicção; se bem disposto, fatigue-o, se unido, semeie nele as divisões.
Não sobram dúvidas que, à frente do Partido Comunista Chinês, Mao Zedong foi um fiel executante desta filosofia guerreira. Que os seus actuais sucessores se esforçam por continuar a imitar. E, como aspiramos aos mesmos sucessos, será bom interiorizarmos, que a guerra contra o capitalismo não é, de facto, um convite para jantar e exige um sentido estratégico, que não exclui os golpes baixos. Até porque as classes dominantes não se privam de os aplicar sempre que podem...

Resgatar a linguagem para vencer o conformismo


No «Nouvel Observateur» da primeira semana do mês, o cronista Jean Claude Guillebaud tem uma abordagem muito curiosa sobre a presente crise sofrida pelos povos europeus. Recorrendo ao poeta Friedrich Hölderlin, que olhava para as revoltas do seu tempo e constatava que os povos estavam sonolentos, mas o destino fizera com que não chegassem a adormecer, ele subscreve Wittgenstein quando este propunha que lutássemos contra a forma como a linguagem andava a enfeitiçar a nossa inteligência.
Essa linguagem tem a ver com o discurso verbal assumido pelos poderes políticos e mediáticos das nossas democracias, que procuram interiorizar um comportamento conformista em todos quantos têm tido razões de sobra para os combater.
A forma de resistir aos ditames dos mercados passa por resgatar a linguagem dessas fórmulas habilidosas com que se pretendem claroformizar os povos e devolver-lhe as palavras de ordem de rejeição deste insuportável estado das coisas.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Economicismo e falta de visão

Os nossos jornalistas, mesmo os que parecem reunir nos seus neurónios, maior tendência para a sensatez, caem amiúde na doença infantil destes tempos revoltos: o economicismo. Assim, a subdirectora do Jornal de Negócios, Helena Garrido, escreve hoje nas suas colunas:
Temos de ter uma economia mais parecida com o bambu - que se adapta, sem partir, às violentas tempestades dos tempos modernos - e muito menos igual a uma rígida coluna de cimento que insiste em não se ajustar, e assim se condena à destruição. 
Está bem, podemos dar de barato esta tese. Mas fica a questão: então e as pessoas no meio disto tudo? São peças descartáveis ou contratáveis segundo as circunstâncias?
No fundo Helena Garrido limita-se a acompanhar a tendência das autoridades europeias, que parecem umas baratas tontas em torno de uma crise, que não parecem ter competências para a vencerem. No «Diário de Notícias» comenta o ex-embaixador Manuel Maria Carrilho: o grande problema da Europa não é hoje financeiro ou orçamental, como muitas vezes se diz e a maioria dos líderes - por paradoxal que isso possa parecer - gostaria que fosse. Não, o grande problema da Europa é eminentemente político e resulta, como há dias explicava Helmut Schmidt, da falta de visão e de vigor das suas actuais lideranças.


quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

e pur si muove

E se calhar até nem é de estar tão desencantado com a falta de iniciativa da esquerda para combater as políticas de direita, que tanto mal nos têm feito nos últimos anos. Em Atenas há políticos de direita a quase serem linchados na rua, em Itália a vitória de Pirro de Berlusconi no Parlamento põe Roma a ferro e fogo, enquanto manifestantes protestam contra os banqueiros em frente ao Parlamento Europeu. Não esquecendo os movimentos de protesto pela prisão de Julian Assange.
Como diria Galileu, afinal move-se. E esperemos que, mais do que contra os políticos, que se limitam a ser marionetes dos interesses de quem verdadeiramente está por trás de toda esta conjuntura, os movimentos de contestação, violentos ou pacíficos, passem a incidir sobre os banqueiros em particular e os empresários em geral.
A direita tem de sentir que, por muito que o queira, os explorados não se deixarão vergar com a facilidade com que ela esperava...

E se calhar até nem é de estar tão desencantado com a falta de iniciativa da esquerda para combater as políticas de direita, que tanto mal nos têm feito nos últimos anos. Em Atenas há políticos de direita a quase serem linchados na rua, em Itália a vitória de Pirro de Berlusconi no Parlamento põe Roma a ferro e fogo, enquanto manifestantes protestam contra os banqueiros em frente ao Parlamento Europeu. Não esquecendo os movimentos de protesto pela prisão de Julian Assange. Como diria Galileu, afinal move-se. E esperemos que, mais do que contra os políticos, que se limitam a ser marionetes dos interesses de quem verdadeiramente está por trás de toda esta conjuntura, os movimentos de contestação, violentos ou pacíficos, passem a incidir sobre os banqueiros em particular e os empresários em geral. A direita tem de sentir que, por muito que o queira, os explorados não se deixarão vergar com a facilidade com que ela esperava...

Um mafioso adorado pelo Ocidente

Hashim Thaci acaba de ganhar as eleições no Kosovo, estado artificial criado pelos Estados Unidos, pela Alemanha e pelos aliados destes no conflito dos Balcãs para estilhaçar a antiga Jugoslávia, esse sim um país donde emergiram alguns conceitos ideológicos, que valeria a pena voltar a ponderar (a autogestão em economia socialista, por exemplo).
Thaci sempre foi um herói para os anticomunistas ferrenhos, em contraponto a um Milosevic, que foi diabolizado, mesmo quando se rendera aos agressores do seu país no inqualificável Tratado assinado em Daytona.
Agora o Conselho Europeu, num insuspeito relatório emitido sob a sua égide, esclarece-nos melhor sobre as «qualidades» deste herói: chefe mafioso, controla o tráfico de droga, de prostituição e de órgãos no pequeno território, convertido por ele em plataforma de irradiação do seu poder por toda a Europa.
Quando as autoridades ocidentais se preocupam, com razão, na transformação de alguns estados africanos em verdadeiras organizações criminosas, devem olhar com maior perspicácia para este tipo de aliados, que ajudaram a emergir e se transformaram em monstros ameaçadores…
No mínimo exija-se que Hashim Thaçi conheça o mesmo destino do antigo ditador Noriega...

A decadência dos States

Paul Krugman produziu trabalhos sobre economia, que lhe valeram o Prémio Nobel, mas que lhe não bastam para se fazer ouvir pelos seus compatriotas. E o que ele diz merecia bem ser ouvido para impedir uma lenta degradação, que a América vai conhecendo à conta da retórica anti-impostos assumida pela direita nas últimas décadas.
A viragem terá acontecido com Ronald Reagan e a concepção friedmaniana de que cada dólar gasto em impostos é um dólar desperdiçado porque os gestores públicos são incompetentes e despesistas.
Trinta anos depois o resultado é uma América aonde os Estados estão falidos partindo o alcatrão das estradas de forma a transformá-los em gravilha por não terem dinheiro para a sua manutenção, em que a iluminação pública é praticamente desligada e em que programas educativos são abandonados por falta de verbas para os manter. E, ao mesmo tempo, os republicanos forçam Obama a abandonar o projecto de pôr os ricos a pagarem o mesmo nível de impostos a que estavam sujeitos na época de Clinton.
Acusando o Presidente de «socialista», a direita republicana conseguiu fazer-se ouvir através da Foz News e de um conjunto de outras televisões e rádios, que repetem sempre a mesma mentira de forma a convencer os eleitores de que se trata de uma verdade: poupar os ricos ao pagamento de impostos liberta-os de verbas, que irão investir para criar empregos e gerar mais riqueza.
Trata-se de uma falácia cuja tradução na realidade é nula. O nível de desemprego vai crescendo e a maioria da população está privada de apoios de educação e de saúde, que a poderia libertar da condenação à pobreza em que já está mergulhada.
A América necessita rapidamente de uma Revolução, que Obama não quis ou não pode levar por diante. Porque o capitalismo selvagem, na sua forma mais hedionda, já se está ali a revelar como a fonte de infelicidade da maioria dos seus cidadãos.
Embora não se adivinhe nenhuma vaga de fundo destinada a alterar este estado de coisas, as condições para ela surgir crescem dia-a-dia.

sábado, 11 de dezembro de 2010

A Direita entre a autoridade e o seu vazio ideológico

Numa das suas crónicas para o «Jornal de Negócios», o artista plástico Leonel Moura reconhece duas verdades insofismáveis:
Muda-se de país, mas a direita continua a mesma: a autoridade está sempre à frente da felicidade e não se consegue ter uma conversa racional com gente que pensa e se comporta com base no fanatismo religioso e irracional.
E embora haja uma verdadeira islamofobia por parte da direita política de vários países ocidentais, só por miopia ela demora a concluir o quanto de consonância existe entre a sua versão autoritária dos comportamentos socialmente aceites com a perspectiva proibicionista dos regimes árabes mais conservadores. Sobretudo em tudo quanto diz respeito à sexualidade. Por isso, quer na negação dos direitos dos homossexuais, quer na aceitabilidade do aborto enquanto meio de afirmação de uma paternidade responsável, essa direita preconceituosa está de mãos dadas com os mais fanáticos dos talibãs.
***
É uma pena que Schumpeter tenha razão, quando constata que os eleitores continuarão a julgar a política pelos resultados de curto prazo. O que significa sujeitarem-se a todas as formas de manipulação das consciências, que de forma mais ou menos demagógica, é propalada pelos agentes políticos.
É claro que as campanhas em prol dos velhinhos e dos agricultores, propagandeada por Paulo Portas em feiras, é de um primarismo tão óbvio, que dificilmente captará votos nas camadas mais urbanas.
E também, mesmo protagonizando um autêntico vazio de ideias, Pedro Passos Coelho procura valer-se da regra de repetição milhentas vezes da mesma mentira («Governo esgotado») para aparentar o protagonismo de uma alternativa, na realidade, inexistente.
Nesta altura os eleitores estão obcecados pelos aspectos mais imediatos da sua sobrevivência para atenderem a grandes conceitualizações sobre o momento histórico em que vivemos. Aquele em que o capitalismo já não encontra forma de se reivindicar e manter a lógica de exploração em que assenta, mas em que ainda não surgiu uma visão consistente de um projecto alternativo.
Arriscamo-nos a passar de eleição para eleição para mais do mesmo sem conseguirmos sacudir as limitações, que nos tolhem.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Coragem e Ambição

A frase é do filósofo Stuart Mill e encontro-a ao acaso numa leitura de jornais: ninguém pode ser um grande pensador se como pensador não reconhecer que o seu dever é seguir os ditames da sua inteligência. Sejam quais forem as consequências que a mesma o possa conduzir.
Ela surge no momento adequado para ser aferida em torno da personalidade de Julian Assange, por agora aprisionado numa prisão inglesa e em vias de ser extraditado para a Suécia, acusado de singulares agressões sexuais.
Até pode ser que essas violações ou assédios tenham acontecido, mas não deixa de ser significativa a relação causa/efeito entre a acção de divulgação de milhares de documentos secretos norte-americanos e a perseguição ao fundador da Wikileaks. Que dá para ponderar na hipótese provável de uma conspiração destinada a afastar este sério inimigo dos comportamentos mais criminosos do imperialismo norte-americano, lá isso dá!
Porque as histórias de alcova não desmentem o que os documentos em causa já demonstram: uma atitude de constante interferência e manipulação por parte das autoridades de Washington de forma a salvaguardarem os seus interesses financeiros e geopolíticos por todo o mundo.
Entre o poder imperial e o intrépido Astérix do nosso tempo não sobram dúvidas para quem se inclinam todas as nossas simpatias…
Por ora Assange sofre as consequências da sua inteligente militância em prol da transparência, condição fundamental de uma ética democrática…
Quanto aos seus detractores - que escolhem conscientemente o lado da trincheira aonde se situam - o seu mais estafado argumento é o da ambição de Assange. mas como dizia Joseph Conrad, toda a ambição é legítima, salvo  as que se erguem sobre as misérias e as crendices da humanidade.

sábado, 20 de novembro de 2010

Aonde fica o nosso Palácio de Inverno?

Há muita gente, que hoje se dedica nos cafés, nos fóruns televisivos ou nos mails da net a vituperar o governo de José Sócrates. Como se fosse ele o principal responsável de uma crise, que teve origem em bancos norte-americanos e na lógica capitalista da maioria dos governos mundiais.
Erram de alvo, claro está! E deveriam olhar com outra sagacidade para a realidade presente e para os sinais por ela transmitidos. Por exemplo sobre a ganância dos capitalistas nacionais, que estão completamente alheados de uma distribuição mais equitativa dos esforços presentes para inflectir a dívida soberana nacional.
Quando se vêem os accionistas da Portugal Telecom, da Portucel ou da Jerónimo Martins a anteciparem o pagamento de dividendos sobre um exercício, que só se concluirá em 31 de Dezembro para não pagarem os impostos devidos, estamos perante um verdadeiro escândalo, que justificaria forte reacção dos que mais são chamados a colaborar naquele esforço nacional.
Afinal, o Palácio de Inverno foi invadido por razões bem menos escandalosas…
Que a razão esclareça as confusas mentes, por ora dispostas a culpar quem afinal menos tem contribuído para agudizar as presentes dificuldades...



Realidades e mudanças

Havendo razões para duvidar da bondade das suas palavras, tendo em conta tratar-se de quem está ferido com as decisões políticas do Governo de José Sócrates, há que reconhecer alguma razão de ser às palavras de Manuel Maria Carrilho, quando ele escreve no «Diário de Notícias»: É imperativo agir, e a única saída de que o PS dispõe é a de um inspirado golpe de asa. De um golpe de asa que, nas actuais circunstâncias, só podia ser o de fazer com sucesso uma dupla operação - a de uma profunda remodelação que fosse acompanhada de um movimento de renovação de ideias, de pessoas e de estratégias, que voltasse a ligar o PS e o Governo com a sociedade civil, mostrando visão, energia e desprendimento. Ou seja, que se mostrasse capaz, não só de durar, mas também de governar - é esta a questão.
Ou também a Jorge Fiel, quando, no mesmo jornal, propõe um verdadeiro banho de realidade:  Brecht estava carregadinho de razão quando escreveu que só quando estamos imbuídos da realidade é que podemos mudá-la.

domingo, 14 de novembro de 2010

Atrás de tempos, tempos vêm...

Os artigos de opinião publicados nos jornais e os comentários televisivos continuam a  seguir a regra do costume: verbera-se a esquerda, quer a «incompetente» do Governo, quer a «irresponsável» do Bloco e do PCP, em proveito do elogio explícito ou implícito às «soluções» da direita: redução do défice mediante o corte austero em tudo quanto cheire a Estado Social.
Que esta «solução», aparentemente avalizada por sondagens, irá conduzir o país à catástrofe, acompanhando uma Europa apostada nas mesmas receitas, não existem grandes dúvidas. Mas a ganância dos banqueiros e demais títeres do capitalismo promete grandes tempestades com os ventos por eles semeados. Os episódios de contestação em França por causa da idade da reforma ou em Inglaterra  devidos aos aumentos abruptos das propinas escolares, são mera antecipação de uma agudização muito séria da luta de classes, expectável ao longo desta década.
Aparentemente forte, o capitalismo não deixa de ser um tigre de papel na conhecida fórmula maoísta. E o que possa vir a seguir não será pior em termos de distribuição de rendimentos do que a situação absurda a que chegámos…
O  efeito de contrabalanço, outrora atribuído à extinta União Soviética, terá de ser ganho pelos movimentos sociais de protesto contra este estado das coisas. E atrás de tempos, tempos vêm...

domingo, 7 de novembro de 2010

WIKILEAKS: UMA FERRAMENTA PROMETEDORA

Ao princípio era um site de hackers mais ou menos dispostos a praticar uma política de transparência de informações recolhidas ilicitamente na net. Mas em Julho deste ano uns bons milhares de documentos secretos do Pentágono relativos à guerra do Afeganistão tornaram o Wikileaks um inimigo de estimação do imperialismo. Ao ponto de o Departamento de Defesa norte-americano  ter proferido ameaças públicas e explícitas quanto à segurança dos seus militantes. Tornando pertinente a questão: tornar-se-ão os jornalistas em alvos militares legítimos?
O que Julian Assange e os seus colaboradores fazem é essencial para denunciar as práticas criminosas do Pentágono nos seus teatros de guerra. Como por exemplo autorizar o assassinato de suspeitos, que eram afinal jornalistas cujas objectivas fotográficas  foram confundidas com metralhadoras a partir do helicóptero que os metralhou.
Por mostrar essas metodologias  de agressões indiscriminadas a inocentes os jornalistas do site vivem numa semi-clandestinidade destinada a protegê-los das ameaças da contra-espionagem  inimiga.  E preparando-se para a guerra psicológica, que já se traduziu numa inacreditável acusação de abuso sexual a Julian Assange por uma suposta namorada de ocasião.
As novas tecnologias estão a possibilitar a continuação da guerra anti-imperialista por meios muito mais eficazes… e prometedores!

sábado, 6 de novembro de 2010

QUEM É O INIMIGO PRINCIPAL?

Andam aí pela net umas anedotas, que por palavras ou por imagens, focalizam no primeiro-ministro a causa de todos os males da nação. E quem aposta na sua defesa passa por mentecapto, corrupto ou ingénuo.
Nada de novo sobre quem têm persistido durante os últimos anos um conjunto de falsidades, de insultos e de meias verdades, que visam desacreditá-lo.
Trata-se de táctica costumeira da direita, seja ela portuguesa, brasileira, norte-americana ou de qualquer outro lugar e de que Sócrates, Lula ou Obama constituem vítimas óbvias.
Deveria, sim, espantar que haja quem contribua para difundir esse tipo de mensagens, quando elas constituem um óbvio tiro no pé quanto aos seus próprios interesses de classe.
Que quem possua a riqueza económica e financeira, a ser preservada tanto quanto possível dos impostos decididos pelo poder político, se aposse de televisões e jornais para conseguir a difusão de um discurso opinativo como o que se vê actualmente nesses meios de (des)informação (todos os comentadores lêem pela mesma cartilha neoliberal!) não espanta.
Os Murdoch, os Belmiros e os Balsemões pagam a papagaios para instilarem a ideia de existir um único caminho para a gestão do país: a consolidação de uma ordem económica baseada na existência de uma ínfima minoria de detentores de capital, de uma maioria de gente a viver do seu cada vez mais desvalorizado e precário salário e uma outra minoria de pressão, constituída pelos desempregados, disposta a vender o seu esforço potencial por valores remuneratórios cada vez mais baixos.
O que está em causa é a agudização da exploração do trabalho pelo capital, e se o Partido Socialista pode, em determinada altura, ter servido os interesses dessa classe exploradora contendo as tentações revolucionárias de uma fatia significativa de portugueses, está em vias de ser marginalizado para dar espaço aos que, lestamente, querem reduzir o papel do Estado, única via de redução de impostos para quem já deles quer fugir como o diabo da cruz.
Sócrates e o Partido Socialista vivem o dilema existencial de decidirem o que fazer agora. Ou atirar a toalha ao chão e deixar o campo de batalha para o combate desigual entre as bem armadas forças políticas de direita e as fragilizadas forças da esquerda ou participar na decisiva batalha pela defesa efectiva do Estado Social, ou seja da garantia universal de direitos essenciais (pão, saúde, educação, em primeiro lugar) para todos.
Quem insiste em fazer de Sócrates e do Partido Socialista o inimigo principal, e se não pertence a essa classe social de grandes empresários e proprietários, só serve de idiota útil a essa gente. Porque, mais tarde ou mais cedo, continuará a pagar os mesmos ou mais impostos enquanto vê deles isentos quem mais tem. Aquilo que se recrimina hoje na Banca será expandido para os demais sectores empresariais. Como já sucede nos Estados Unidos, aonde a derrota de Obama nesta semana tem tudo a ver com esta guerra polarizada nos discursos políticos difundidos pelos meios de comunicação.
O que deveria preocupar os disseminadores dessas anedotas e mensagens politicamente orientadas para a tentativa de ganhar votos para a direita, é a falta de ideias concretas de melhoria da vida de todos os portugueses por Passos, Portas & Cª.
Que nos digam uma, apenas uma, proposta capaz de se traduzir em melhorias de qualidade de vida dessa maioria actualmente desesperada com cada vez mais mês ao fim do ordenado.
Se forem honestos consigo mesmos sabem que não conseguem nenhuma. Poderão arranjar mil motivos para dizer mal de Sócrates, mas serão incapazes de dizer uma única boa razão para justificar a capacidade da direita para fazer melhor.
Por isso mesmo, sabendo que a solução Passos seria bem pior do que a solução Sócrates para o futuro imediato dos cidadãos, Francisco Louçã anuncia no «Diário de Notícias» de ontem uma decisão, que terá feito refrear os entusiasmos de quem já se imagina sentado em cadeiras ministeriais daqui a seis meses: uma votação de censura não passará com o acordo do Bloco de Esquerda. Porque, como aí afirma, o Governo de José Sócrates está agora a reduzir os salários e a atacar os apoios sociais. Passos Coelho quer fazer isso, está a fazer isso, e quer fazer mais: quer vender uma parte do SNS e uma boa parte da Segurança Social.
Que os ventos de mudança venham de dentro ou de fora (quanto tempo se aguentarão Merckel, Cameron, Sarkozy ou Berlusconi à frente dos respectivos países?), a solução passará sempre por mais justiça social, por mais equidade na distribuição da riqueza e por apostas no crescimento económico na base de novas tecnologias.
Sócrates está a tentar fazê-lo, Passos promete ir na direcção contrária...