terça-feira, 4 de novembro de 2025

Isto está tudo ligado!

 

A degradação do país avança em múltiplas frentes, e os sinais acumulam-se dia após dia. Ana Paula Martins continua no cargo apesar da morte de mais uma grávida e do caos generalizado no Serviço Nacional de Saúde.

A ministra queixou-se de "lideranças fracas" na gestão hospitalar para justificar mudanças que realizou em 46% dos hospitais mas a ironia é cruel: os maiores problemas vêm precisamente das suas próprias escolhas. São frequentes os fechos de urgências de obstetrícia, os partos em ambulâncias sucedem-se, mas nada a remove do lugar para onde o princípio de Peter a elevou, muito acima das suas competências.

Cipriano Justo alerta para o facto de Marcelo Rebelo de Sousa ter proposto mudanças que comprometem a universalidade do SNS, abrindo caminho à privatização. A ideia de um "acordo de regime" para o setor de saúde sugere a retirada do SNS de áreas de atuação, o que é manifestamente inconstitucional. A revisão da Lei de Bases da Saúde ainda oferece soluções que não foram exploradas, mas o que se prepara é a liquidação do serviço público, disfarçada de consenso responsável entre PS e PSD.

A crise habitacional segue o mesmo padrão de destruição programada. O governo prepara-se para vender terrenos destinados à construção de habitação acessível, agravando deliberadamente a crise. A própria Comissão Europeia critica as medidas do governo, sugerindo ações mais radicais. Mas o executivo de Montenegro prefere entregar o solo público a privados que lucram com a escassez, em vez de o usar para alojar famílias com rendimentos modestos.

E por trás de tudo isto, a normalização do discurso xenófobo e racista. Como denuncia Amílcar Correia, o primeiro-ministro e outros líderes do PSD têm promovido um discurso nacionalista que confunde nacionalidade e imigração. A retórica da "reengenharia demográfica" e do "Portugal mais português" reflete a tentativa de restringir a Lei da Nacionalidade, instilando a ideia de que imigrantes devem "voltar para as suas terras". A Assembleia da República contribui para a circulação deste discurso sem qualquer condenação social efetiva.

Até Pedro Norton, figura insuspeita, confessa o incómodo com a aproximação entre o PSD e o Chega. Reconhece que este e outros partidos populistas operam mais no campo da psicologia do que da ideologia, explorando medos e frustrações. O populismo não ancora em valores ideológicos, mas em emoções e irracionalidades. E a forma como o governo aborda a discussão da nacionalidade tem-se alinhado perigosamente com essa retórica.

As consequências desta degradação coletiva não são abstratas. Dados recentes do Eurofound indicam que, após décadas de queda, as mortes por suicídio voltaram a subir ligeiramente na União Europeia. Portugal surge com indicadores preocupantes: 40,1% das mulheres reportam problemas de ansiedade. A melhoria das condições de vida e de trabalho, associada a uma maior acessibilidade aos cuidados de saúde mental, tinha contribuído para reduzir estes números. Mas agora, com a destruição dos serviços públicos e o agravamento da precariedade, a tendência inverte-se. Quase metade das pessoas avalia negativamente os cuidados de saúde mental existentes.

Saúde, habitação, xenofobia institucionalizada, degradação da saúde mental - tudo se liga. Não são crises separadas, mas faces do mesmo projeto: a destruição do que é público e solidário, a entrega aos interesses privados, a normalização do ódio como instrumento de gestão política. E enquanto a catástrofe se desenvolve, a oposição é convidada a negociar os termos da capitulação.

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