Pode pecar por exagerada a previsão de estarmos perante o prenúncio do grande prenúncio aristotélico de cada ação suscitar uma reação de sinal contrário e de força equivalente, mas os resultados desta terça-feira nos Estados Unidos, somados aos das eleições presidenciais irlandesas de semanas atrás pode significar o obscurecer do fulgor das direitas ocidentais e o regresso em força das ideias de esquerda mais consequentes.
Zohran Mamdani venceu as eleições para governador de Nova Iorque com 50% dos votos, superando Andrew Cuomo por mais de 8 pontos percentuais. A vitória representa uma mudança significativa no panorama político americano e traz uma lição crucial para a esquerda democrática em todo o mundo.
Mamdani assumiu-se sempre, orgulhosamente, como socialista - num país onde parecia proibido sê-lo. Nunca teve medo de ser apelidado de radical, nem se esforçou por parecer moderado, essa nova doença da social-democracia. A sua campanha focou-se nas questões que realmente importam às pessoas: o custo de vida, a habitação, a crítica ao trumpismo. Prometeu congelar rendas, gratuidade nos transportes e maior acesso a creches. E ganhou.
Como sublinha Pedro Nuno Santos, esta vitória é um raio de luz e de esperança “para aqueles que à esquerda ainda acreditam que o caminho não está em nos parecermos com a direita. A obsessão com o centro e a moderação torna-nos desinteressantes, desnecessários e afasta-nos de quem queremos representar e defender”.
A vitória de Mamdani não é caso isolado. Os democratas conseguiram recuperar terreno em estados como Nova Jersey e Virgínia. Mikie Sherrill e Abigail Spanberger foram eleitas governadoras, melhorando significativamente a votação entre eleitores hispânicos e afro-americanos em condados suburbanos. Em Nova Jersey, Sherrill venceu com apoio significativo da comunidade hispânica, que representa 42% da população do condado de Passaic.
As questões económicas foram centrais nestas eleições. 65% dos eleitores em Nova Jersey e 63% na Virgínia estão insatisfeitos com o rumo do país sob Trump. A economia e o custo de vida foram os principais temas de preocupação. O próprio Obama reconheceu a frustração dos eleitores com a inflação e os altos preços.
É aqui que reside a lição fundamental. Como afirma Pedro Nuno Santos, a social-democracia tem de ser capaz de se reinventar, mas para isso precisa de fazer a sua autocrítica. “Ao longo de décadas, fizemos coisas extraordinárias que mudaram a vida de muita gente. Mas não podemos ignorar que chegamos ao presente com demasiadas famílias em dificuldades.
São demasiados os que beneficiaram pouco do crescimento económico, apesar do seu trabalho. Demasiados os que lutam todos os dias para que o salário chegue ao fim do mês. Demasiados os que fazem das tripas coração para pagar a renda ou a prestação da casa. Demasiados os que se levantam de madrugada para apanhar autocarros à pinha para ir trabalhar em troca de um salário que mal chega para viver. Demasiados jovens sem capacidade económica para se autonomizarem, apesar de terem estudado e de trabalharem.
Enquanto olharmos para esta realidade e nos limitarmos a responder com as coisas fantásticas que fizemos, sem assumir que as nossas políticas não foram suficientes para mudar a vida destas pessoas, nunca voltaremos a ter a sua confiança. Nem seremos capazes de reinventar as nossas políticas”.
A vitória de Mamdani mostra que há outro caminho. Quando a esquerda assume sem complexos a sua identidade, quando fala diretamente dos problemas concretos das pessoas, quando propõe soluções ousadas em vez de moderação gestionária, consegue mobilizar e vencer.
A Proposta 50 na Califórnia, aprovada com mais de 60% dos votos, permite que os democratas redesenhem os círculos eleitorais, potencialmente aumentando a sua representação no Congresso. É uma resposta a algo semelhante que estava a ser promovido por Trump noutros estados. Mas mais importante que os truques eleitorais é a mensagem política.
Os tempos não são favoráveis à esquerda em lado nenhum do mundo, com exceção de algumas bolsas de resistência. Mas o caminho não pode ser a desistência da esquerda e do socialismo democrático. “Os de cima não têm razões para estar zangados, a vida não lhes corre mal. Mas o povo, que confiava na social-democracia para o defender, tem.”
Nova Iorque acaba de nos mostrar que quando respondemos a essa zanga com políticas claras, corajosas e assumidamente de esquerda, o povo volta a confiar. A lição está dada. Resta saber quem a quer aprender.

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