terça-feira, 11 de novembro de 2025

A visibilidade como forma de resistência

 

O cinema, pelo menos o que me interessa!, tem tido muitas abordagens da forma como os humilhados por sociedades onde se sujeitam a privações económicas ou reconhecimentos pessoais, procuram dar a volta às suas frustrações. Na maior parte das vezes sem sucesso.

Em "Uma Noite com Adela" (2024), de Hugo Ruiz, Laura Galán interpreta uma trabalhadora da recolha de lixo do turno da noite em Madrid que se sente vazia, infeliz e perturbada. Filmado em plano-sequência, o filme acompanha a sua noite de vingança contra todos os que julga responsáveis por ela ser o que é: um desastre. É um thriller que, noutras épocas, teria apreciado pelas suas qualidades cinéfilas - que existem - mas que agora me causa incómodo pessoal ao vê-lo. Talvez porque a vingança, por mais competente que seja a interpretação de Galán (premiada com o Goya de Melhor Atriz Revelação em "Porquinha"), raramente restitui dignidade aos humilhados. Apenas perpetua o ciclo de violência numa sociedade que continua a não ver os invisíveis - aqueles que limpam as ruas enquanto outros dormem. O filme ganhou o prémio de Melhor Novo Realizador no Festival de Tribeca, mas deixa-nos com a amarga certeza de que a raiva, mesmo justificada, dificilmente constrói futuros melhores.

Bem diferente é a abordagem de Ousmane Sembène, o primeiro realizador africano, cuja obra constitui uma denúncia sistemática dos crimes do colonialismo francês. Em "Camp de Thiaroye" (1988), co-realizado com Thierno Faty Sow, Sembène aborda o massacre perpetrado pelos franceses contra soldados africanos que tinham lutado ao lado da França na Segunda Guerra Mundial e, no regresso, se revoltaram contra os impostos elevados e os direitos inferiores que lhes eram concedidos.

O filme ganhou o Grande Prémio Especial do Júri no Festival de Veneza, mas foi proibido de distribuição em França durante dez anos - prova eloquente de que a verdade histórica incomoda quem prefere esquecer os seus crimes. Sembène não filmava vinganças individuais, mas restituições coletivas de dignidade. Os seus humilhados não estão sozinhos: são povos inteiros a quem foi roubada a humanidade, e o cinema torna-se, nas suas mãos, arma de memória e resistência.

Depois há "Umberto D" (1952), de Vittorio De Sica, que mostra o sofrimento de um velho professor caído na mais extrema miséria. É dramaticamente um dos filmes mais fortes da filmografia de De Sica - o que causa perplexidade, considerando que o realizador se tornaria depois mais vocacionado para comédias ligeiras, mesmo que com Mastroianni e Loren.

Umberto Domenico Ferrari, interpretado pelo não-ator Carlo Battisti (um professor universitário de Florença), é um reformado que luta para pagar a renda atrasada à senhoria impiedosa. Só tem dois apoios: a criada grávida Maria e o cão Flike.

De Sica dedica o filme ao pai, mas a homenagem estende-se a todos os trabalhadores que o sistema transforma em números e depois descarta. O filme, uma das obras-primas do neorrealismo italiano, foi acusado pelo jovem Giulio Andreotti de dar "uma má imagem do país". De Sica respondeu que apenas contava a realidade.

Como em Sembène, como em Adela: os humilhados procuram dar a volta às frustrações, quase sempre sem sucesso. Mas o cinema, ao torná-los visíveis, já é uma forma de resistência. 



 



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