terça-feira, 18 de novembro de 2025

As narrativas que nos vendem

 


Há dias em que a leitura da imprensa revela um padrão comum: a construção de narrativas falsas que servem interesses específicos ou alimentam preconceitos confortáveis. Hoje é um desses dias.

No «Público», Amílcar Correia estabelece o paralelo histórico que desmascara o Governo de Montenegro. Há 12 anos, Passos Coelho alterou o Código do Trabalho sob pressão da troika, com o desemprego nos 17,7%. A greve geral desse período levou ao célebre episódio do "irrevogável" de Paulo Portas. Agora, em 2025, as duas centrais sindicais voltam a unir-se motivadas por uma nova reforma laboral.

Montenegro considera a greve "incompreensível" e acusa PCP e PS de instrumentalização, ignorando convenientemente que a UGT tem ligações históricas ao próprio PSD. O contraste entre as duas agendas laborais dos mais recentes governos não podia ser mais claro: a Agenda do Trabalho Digno do PS reforçava direitos, combatia a precariedade, ampliava licenças; a Agenda Trabalho XXI da AD retira direitos, favorece empregadores, facilita despedimentos, penaliza sobretudo mulheres com filhos menores.

Como afirma Mário Mourão da UGT: "os patrões nunca tiveram uma coisa tão boa para eles". E surge num contexto de quase pleno emprego, mas com mais de metade dos trabalhadores a ganhar menos de 1000 euros. Ademais, não só a alteração não constava do programa eleitoral como a designação "Trabalho XXI" é enganadora por não representar progresso, mas retrocesso deliberado sem uma crise financeira como desculpa.

Do outro lado do Atlântico, na COP30 de Belém, assiste-se a uma narrativa igualmente fraudulenta. O Libération expõe como os lobbies da captura e armazenamento de CO₂ marcaram forte presença com 531 representantes, promovendo estas tecnologias como solução inevitável para limitar o aquecimento global. Argumentam que, dado o fracasso na redução de emissões, será preciso retirar carbono da atmosfera e armazená-lo, prometendo inovação, empregos e "crescimento verde".

Mas os cientistas mantêm sérias reservas. Reconhecem que tais técnicas podem ser necessárias como complemento, mas alertam para grandes incertezas quanto aos seus efeitos e eficácia. Não se sabe se o planeta arrefecerá da mesma forma que aqueceu, nem se o armazenamento será seguro a longo prazo. E há impactos irreversíveis - degelo dos glaciares, extinção de espécies - que não podem ser revertidos por engenharia. O objetivo prioritário continua a ser a redução das emissões, não a fé em soluções tecnológicas milagrosas.

O paralelo é evidente: em ambos os casos, vendem-nos promessas que servem interesses privados enquanto adiam ou impedem as verdadeiras respostas. Na COP30, os lobbies petrolíferos querem continuar a emitir prometendo capturar depois. Em Portugal, o patronato quer continuar a precarizar prometendo "modernização". É a mesma mentira: tecnologia mágica e mercado livre resolverão tudo, não é preciso mudar nada de fundamental.

Ainda no Libération, um terceiro exemplo de narrativa fabricada: o mito dos jôhatsu, os supostos desaparecimentos voluntários em massa no Japão. O sociólogo Hiroki Nakamori desmonta os números exagerados pela imprensa ocidental. Há 80-90 mil casos de desaparecimento reportados anualmente, mas metade é resolvida no próprio dia, 70% em menos de uma semana. Muitos envolvem idosos com doenças cognitivas. A ideia de que os japoneses desaparecem por vergonha é um estereótipo ocidental alimentado por casos mediáticos mal compreendidos.

É um exemplo perfeito de como construímos narrativas exóticas sobre outros, ignorando dados concretos. Preferimos o mistério oriental à realidade banal. Tal como preferimos acreditar nas promessas da captura de carbono em vez de reduzir emissões, ou nas virtudes da flexibilização laboral em vez de garantir direitos.

O padrão é claro: em todos os casos, a narrativa falsa serve um propósito. Disfarça interesses económicos de progresso tecnológico. Transforma destruição de direitos em modernização. Alimenta exotismo em vez de compreender realidades. A ilusão é sempre mais confortável que a realidade que exige mudanças difíceis.

Mas tanto no trabalho como no clima, a realidade não negoceia. E o tempo esgota-se para quem insiste em viver de ilusões vendidas como soluções. 

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