A leitura do jornal da Sonae, apesar de condicionada por saber que interesses secunda por obrigação de submeter-se a quem paga as despesas, não deixa de permitir a constatação de como o projeto político de quem nos diz governar é o de destruir as bases de um importante papel do Estado em tudo quanto mais importa aos eleitores. Mesmo que, por agora, e segundo as sondagens, os prejudicados ainda continuem a dar benefício da dúvida a quem a não merece.
Os números são devastadores e revelam a dimensão do colapso programado do sistema de cuidados. Há 832 idosos internados em hospitais com alta clínica à espera de vaga em lares. Alguns aguardam há mais de quatro anos. A taxa de internamentos inapropriados aumentou 20% entre 2023 e 2025.
As admissões em lares caíram de 2175 em 2021 para 923 em 2024 - uma queda de 38%. Até 22 de outubro de 2025, apenas 697 admissões foram registadas. A lista de espera para cuidados continuados atinge 2300 utentes. E as consequências são trágicas: 21 idosos morreram no Hospital de São João enquanto aguardavam transferência.
O prolongamento dos internamentos aumenta o risco de infeções e agravamento da saúde. Os hospitais ficam bloqueados com doentes que não precisam de estar ali mas não têm para onde ir. E a resposta do governo? Cortar no Plano de Recuperação e Resiliência. O número de novas camas planeadas foi reduzido de 7400 para 3550. A redução de vagas em equipamentos sociais agrava ainda mais a situação.
Ana Paula Martins continua no cargo. Montenegro continua a falar de "reformas" e "modernização". E 832 idosos continuam presos em hospitais, ocupando camas que outros doentes precisam, à espera de uma vaga que pode nunca chegar. Ou que só chegará quando já for tarde demais.
Paulo Prudêncio expõe a dimensão da catástrofe educativa. O orçamento para a educação caiu de 8 mil milhões de euros para 7,4 mil milhões em 2025 e 7,7 mil milhões em 2026. O PIB da educação deve cair para cerca de 2,8% e pode aproximar-se de 2% até ao final da década - níveis que nos remetem para décadas atrás.
Os números da profissão docente revelam uma bomba-relógio: desde 2001, entre 3500 e 4000 professores aposentam-se anualmente, enquanto apenas 2000 novos professores entram no sistema. A matemática é simples e brutal: o sistema está a sangrar professores e ninguém faz nada para estancar a hemorragia.
A qualidade do ensino está a ser comprometida. Professores sobrecarregados, serviços extraordinários atribuídos como norma, turmas cada vez maiores. E enquanto a escola pública definha, o investimento privado dispara. O número de colégios internacionais aumentou de 9 em 2010 para 18 em 2021, com investimentos significativos de grupos privados. Escolas privadas com altas propinas destacam-se, aumentando a disparidade no acesso a tecnologias educacionais.
O investimento financeiro das famílias tornou-se crucial, gerando um efeito de bola de neve nas desigualdades. Quem pode pagar tem acesso a educação de qualidade. Quem não pode fica preso numa escola pública deliberadamente destruída, com professores exaustos e recursos minguados.
Glória Rebelo completa o retrato da destruição. 34% dos portugueses consideram deixar o país. Entre os jovens de 18 a 24 anos, a percentagem sobe para 73%. Leram bem: três em cada quatro jovens querem emigrar.
O mercado de trabalho é considerado pouco atrativo, especialmente para jovens licenciados. Estudam, licenciam-se, e depois percebem que em Portugal os salários não chegam para pagar renda, que a precariedade é norma, que a meritocracia é uma ilusão. E fazem as contas: com a mesma qualificação ganham o triplo em qualquer país europeu. A escolha é óbvia.
A inovação está estagnada. Como não estaria, se os cérebros fogem? Como pode um país inovar quando exporta sistematicamente os seus jovens mais qualificados e fica com uma população envelhecida, sem renovação geracional nas empresas, nas universidades, na função pública?
Juntemos as três peças do puzzle: idosos abandonados em hospitais à espera de morrer, educação pública destruída para beneficiar privados, e jovens qualificados a fugir em massa. O resultado é um país condenado ao declínio demográfico, económico e social.
Não é acidente. Não é incompetência. É destruição deliberada. É projeto político executado com método: destruir o público, precarizar o trabalho, expulsar os jovens, abandonar os velhos. E depois queixarem-se da baixa natalidade e do envelhecimento. A hipocrisia é tão grande quanto a crueldade.
E os prejudicados, segundo as sondagens, continuam a dar benefício da dúvida a quem os está a destruir. Até quando?

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