sábado, 30 de abril de 2022

Um cerco que não é propriamente um convite para jantar

 

1. Keir Giles é um analista do think tank Chatham House, que diz em voz alta aquilo que os políticos ocidentais têm escamoteado e procurado envolver em toscos eufemismos: passa-se na Ucrânia uma guerra por procuração entre os países da Nato e a Rússia. Ou seja, mesmo sem a ter declarado, nem buscado apoio nas instituições constitucionais, o governo português está em guerra aberta com a Rússia. Com todas as consequências, que isso possam envolver, para além das que já sentimos agora nos nossos bolsos. E tanto mais de recear quanto trata-se de uma guerra em larga escala e por tempo indeterminado, porque ninguém parece agora interessado em negociações.

2. Embora seja-nos vendida a narrativa segundo a qual são os russos quem não facilitam o corredor humanitário para que os civis saiam de Mariupol ninguém parece ouvir verdadeiramente com a devida atenção o pedido insistente do comandante local do batalhão Azov, que exige acompanhá-los para livrar-se a si e aos seus da condição de prisioneiros de guerra. Nesta altura parece evidente que os civis da cidade estão a sofrer as amarguras de quem se vê refém de quem os conserva à força no complexo industrial onde têm por certa a fome e as doenças.

Parece evidente que, acaso pensassem nos interesses dessas mulheres e crianças os militares ali cercados deveriam libertá-los e colocarem-se sob a alçada dos sitiantes apenas exigindo o acompanhamento das Nações Unidas para terem a garantia de serem efetivamente tratados de acordo com as regras da Convenção de Genebra. Porque alguém pode acreditar que os russos fossem tão crédulos, que os libertassem dali para logo os enfrentarem, dias depois, noutra qualquer das frentes de batalha? Como diria alguém, a guerra não é propriamente um convite para jantar, como parecem almejar os famigerados elementos do batalhão Azov. 

2 comentários:

  1. Jorge Rocha, poupe-nos o cinismo (você não é nenhum ingénuo, pelo que não resta outra hipótese). Acha mesmo que a ONU ou quem quer que seja consegue garantir que os ucranianos serão tratados de acordo com as Convenções de Genebra? Por um Governo que mente com todos os dentes que tem na boca e ataca Kyiv no momento em que Guterres lá está, só para o humilhar e dizer que se está nas tintas para a carta das NU?

    Eu sei, esta coisa da guerra é uma chatice, mais valia que os ucranianos se rendessem logo para podermos voltar à vida de antigamente a fazer negócios com a Rússia. Vá lá, seja honesto e admita que é mesmo isso que deseja...

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