Muitos de nós já sabemos tanto sobre o nazismo, que um filme como Quem Escreverá a nossa História? (Roberta Grossman, 2018) pouco acrescenta. Muito do material de arquivo aqui utilizado também o foi noutros documentários sobre o tema. Mas, numa altura em que o veneno extremista tem demasiada força por toda a Europa, lembrar esse tempo de extermínio em prol de uma suposta “raça superior” continua a ter atualizada pertinência.
Há, em primeiro lugar, a questão igualmente abordada num livro de Simone Veil recentemente publicado entre nós: porque hesitaram tantos judeus em buscarem abrigo seguro noutras latitudes, iludindo-se com a possibilidade dos sinais premonitórios da ameaça não passarem disso mesmo? Porque esperaram até ao momento em que já não poderiam escapar ao garrote, que em seu torno se apertaria?
Depois valorize-se o esforço dos historiadores e outros intelectuais estimulados para colaborarem no projeto do comunista Emanuel Ringelblum, que, já no contexto do encarceramento dentro do gueto de Varsóvia, decidiu manter um registo detalhado do que cada um sentia nesses dias de desespero e cheiro a morte, quanto mais não fosse para legar às gerações vindouras a memória das pessoas em vias de serem aniquiladas. O Arquivo Oyneg Shabes, de que falta encontrar boa parte dos caixotes providencialmente enterrados antes de todos os edifícios do gueto serem reduzidos a cinzas e escombros, dá rosto e voz a pessoas concretas, doravante resgatadas da mera condição de integrarem uma estatística de vítimas com o seu quê de impessoal.
O documentário serve para lembrar outras duas evidências incómodas: se temos um rol importante de filmes e fotografias sobre o Holocausto foi porque os alemães os produziram em abundância com objetivos de propaganda e não tiveram tempo para os fazer desaparecer, quando a derrota se lhes tornou inevitável. Por outro lado não houve apenas passividade ou heroísmo nos que morreram no gueto, ou dele foram levados para os fornos crematórios: a Grande Deportação nem sequer foi concretizada pelos alemães, que se limitaram a darem ordens aos guardas judeus para perseguirem e enfiarem os seus vizinhos nos comboios destinados a Treblinka. Uma demonstração de como, tal como hoje no Estado de Israel, não faltavam então judeus sem escrúpulos, apenas interessados em salvaguardarem os seus interesses, mesmo que à custa dos seus semelhantes.
Para Rachel Auerbach, uma das poucas sobreviventes do grupo incumbido de garantir a criação de documentação para memória futura, o resgate dessa tragédia funcionaria sempre como a tarefa prioritária de todo o resto da sua vida.
Seja bem (re)aparecido. Espero que esteja tudo bem consigo.
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