domingo, 9 de maio de 2021

A irresponsabilidade das esquerdas francesas (e de algumas cá do burgo!)


Perante a alegria que as esquerdas lusas me deram em novembro de 2015, encontrando mínimos denominadores comuns para escorraçarem as direitas da governação - algo que sempre desejara ver e me desesperara de nunca acontecer! - não me resignarei à estupidez de não prosseguirem essa lógica de, mantendo as diferenças nos detalhes, não desistirem de se congregar no essencial. Por isso quão bem compreendo o grito de revolta, que Samuel Jequier lançou no «Libé» da semana transata ao acusar as esquerdas francesas de serem as mais imbecis de quantas se contam no mundo. Porque, dividida entre muitos candidatos a liderá-las, vão-se depauperando, desacreditando, abrindo caminho para a reeleição de Emmanuel Macron ou ... para a vitória de Marine Le Pen.

Daí que o artigo de Jequier merecesse leitura obrigatória quer para os partidos à esquerda do PS, e muito particularmente para os  petizes que bebem as instruções de Louçã como se fosse infalível Oráculo (viu-se o que isso deu em 2011!), quer para os que, dentro do partido do governo, lançaram hurras ao verem Jeremy Corbyn afastado da liderança dos trabalhistas britânicos e não saberão agora explicar como a “reorientação para o centro” deu os pífios resultados da última quinta-feira.

No texto em causa Jequier lembra quão mudados estão os tempos, tanto ou mais do que quando Bob Dylan o proclamava. Há a urgência climática a somar-se ao abanão da pandemia para agitar as consciências, que têm todos os motivos, e mais alguns, para se distanciarem do liberalismo, da globalização e do capitalismo financeiro. Como dizia Gramsci o mundo velho está a morrer, mas ainda não se antevê um outro, novo, a emergir sob a forma de novas políticas, que protejam a civilização humana e a poupem a inquietantes cenários apocalíticos, mediante uma alternativa sustentável e menos desigual.

Talvez as esquerdas nunca tenham sido tão imprescindíveis como agora, mas em vez de se mostrarem à altura da responsabilidade histórica, desgastam-se em futilidades, em sectarismos, em estratégias narcísicas. O mundo está a incendiar-se e elas andam distraídas, a contemplarem os próprios umbigos. Se poderiam ter diante de si as amplas avenidas de que Allende falava, preferem perder-se em becos sem saída.

Daí que Jequier considere as esquerdas francesas - mas também às nossas o qualitativo tende a fazer sentido! - como irresponsáveis. Porque desistem da vitória possível para ambicionarem ser as que perdem por menos. Contrariando a dinâmica social e a evolução para que poderia tender a História, agindo contra a vontade dos seus próprios eleitores.

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