sábado, 27 de agosto de 2022

A urgência de aterrar em Gaia

 

Não me encontro totalmente no pensamento de Bruno Latour em quem me desagrada a relativa secundarização, que faz do marxismo. Mas não deixo de lhe encontrar pertinência no julgamento da época da queda do muro de Berlim em 1989 como o do desencontro da História humana com a que deveria ser a direção seguinte. Sendo já evidente a relevância dos riscos ambientais por que iria passar o planeta nos anos seguintes, faria todo o sentido pensar essa aparente convergência de mundos desavindos de acordo com a  alteração dos modelos de produção orientando-os no respeito da necessária sustentabilidade dos ecossistemas. Em vez dessa lúcida perceção do que estava em jogo operou-se uma absurda negação, traduzida na ascensão da fraude neoliberal, que conseguiu, em três décadas, acelerar exponencialmente a aproximação da ameaça distópica, tornando previsível a possibilidade de um  próximo apocalipse.

Ser moderno passou a equivaler-se a consumir muito, seguir as modas, esquecer quaisquer preocupações com a equidade distributiva dos rendimentos coletivos. Os yuppies e seus sucedâneos converteram-se no absoluto contrário do que deve ser a máxima aspiração do ser humano: buscar a realização como pessoa dentro de um tipo de civilização sustentável.

Hoje cresce em muitos a convicção da inviabilidade de conjugar capitalismo, mais ou menos reformista, com a continuidade da civilização humana. Daí que se discutam conceitos como economia circular, decrescimento e outros modelos de organização social, que viabilizem a contenção do aquecimento global dentro de parâmetros aceitáveis para manter a esperança num futuro viável para as gerações vindouras. Porque, a manterem-se as propostas da generalidade das forças políticas ainda dominantes, é para o abismo que, irreversivelmente, nos encaminhamos.

Dissociando-se das posteriores divagações lunáticas do criador do termo (James Lovelock), Latour propõe que voltemos a aterrar em Gaia, agindo a contrario de tantas civilizações antigas, que viram chegar os sinais da sua destruição e não os souberam contrariar a tempo.

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