sábado, 15 de junho de 2013

LIVRO: «Um Escritor Confessa-se» de Aquilino Ribeiro (10)

Em 1906, depois de regressar durante uns meses às terras beirãs para se libertar dos deveres militares, Aquilino Ribeiro regressa a Lisboa. Tem 21 anos e a vontade em se afirmar através das suas capacidades para a escrita.
Na anterior estadia na capital, depois de passado um ano no Seminário de Beja donde saíra definitivamente vacinado quanto á possibilidade de enveredar por carreira religiosa, ganhara (mal) o sustento com algumas traduções. Agora procura recursos através de artigos propostas a alguns dos jornais mais influentes da época.
Mas o que irá interessar o futuro escritor será o ambiente político, que fervilhava nos cafés, nos restaurantes e nas pensões por onde buscava alimento, dormida e aquisição acelerada de conhecimentos ideológicos ou tão só culturais.
A má fama da Casa Real era tão maioritária entre os amigos e conhecidos de Aquilino que será natural a sua integração na Carbonária. Enquanto ia afinando a escrita ou conhecendo quem era Mozart ou Beethoven, ele sentia a urgência na participação de uma revolução social para a qual sentia crescente a massa social de apoio.


Extrato:
Dizer que frequentar esta tertúlia serviu à minha formação artística e que assim entrei num sector em que era leigo, cumpro um dever de gratidão. Eu sabia lá quem era Mozart, Beethoven, que não fosse de ouvido? Ferreira da Silva executava-os ao piano, e a minha alma alava-se à zona que perde de vista a terra com as suas três dimensões, e o conceito que o homem comum tem das coisas, embrenhando-me no mundo do êxtase em que reside a misteriosa Beleza.
Com a parte girondina dos meus amigos bastava-me ceder ao instinto para nos encontrarmos todos em uníssono absoluto. Era ponto de fé, para lá do postulado, que a regeneração do País só poderia fazer-se derrubando a Monarquia. Espíritos modernos e homens de boa vontade entregavam-se a essa tarefa de corpo e alma. Os comícios monstros que baldeavam Lisboa para os terrenos vagos da Avenida D. Amélia, hoje Almirante Reis, eram sinais pujantes da vaga democrática e liberal que açoutava o trono.
A parte culta do País, na maioria, estava ganha à ideia republicana. Os propagandistas tinham feito obra sobretudo de demolição, e frutuosa como fora, só os censuravam os despeitados. Para se fazer um edifício novo onde só há ruínas e pardieiros, antes de mais nada está indicado que se deite abaixo e se removam os escombros. A casa lusitana estava velha e carcomida, e os mais culpados eram os reis.

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