terça-feira, 18 de junho de 2013

GRANTA: «Esboço para um livro» de Ryszard Kapuscinski

Eu pecador me confesso  nas muitas omissões com que tenho preenchido a vida de simpatizante das causas progressistas: à exceção de textos avulsos ou de extratos aqui e ali, nunca dediquei ao escritor polaco Ryszard Kapuscinski a atenção por ele merecida. Porque se costumamos consumir, quase sem sentido crítico, as versões «ocidentais» dos grandes acontecimentos do nosso tempo, quase somos impelidos a emitirmos escrúpulos por quem tem a «mácula» de se ter sempre assumido como jornalista de um país então subordinado a uma ideologia supostamente comunista.
O primeiro volume da excelente edição portuguesa da revista «Granta» permitiu reiterar a vontade de procurar outros livros sobre as muitas viagens feitas por Kapuscinski nas mais diversas latitudes, com destaque para aquelas aonde surgiram líderes e movimentos dispostos a tentarem demonstrar a possibilidade de vir a existir um outro mundo mais justo e igualitário.
Embora escrito em 1987, «Esboço para um Livro» retrata a experiência do autor, quando entrou clandestinamente no antigo Congo belga para assistir aos acontecimentos relacionados com a sua independência e, depois, com toda a conspiração ocidental destinada a, através desse inenarrável canalha que foi Mobutu, depor e assassinar Patrice Lumumba.
A morte deste lendário dirigente africano até poderá tê-lo livrado da revelação da sua verdadeira natureza - que se revelaria depois noutros líderes cuja passagem da guerrilha para o exercício do poder explicitou uma personalidade nada consonante com a admiração por eles genuinamente sentida anteriormente (Mugabe, Agostinho Neto, Nino Vieira) - mas a verdade é que o nome de Patrice Lumumba ficaria para sempre conotado com o de um político idealista vitimado pela gula neocolonialista das grandes potências ocidentais.
Mas onde o esboço de Kapuscinski  se revela mais interessante é na explicação para o fracasso político de Lumumba. Num país com a dimensão da Índia e uma densidade populacional muito baixa teria sido necessária a visita prolongada do novo dirigente político por todas as aldeias de forma a evitar a propagação de ideias falsas a seu respeito, expandidas pelos seus inimigos. Ora, além de vestir à ocidental - com a camisa de colarinhos impecavelmente engomados e de gravata - Lumumba terá julgado bastante a divulgação das suas ideias junto das populações masculinas imigradas do campo para a capital, percorrendo os então mais de quinhentos bares existentes em Albertville. Ele era um só com capacidade para, no seu tom lento e persuasivo, convencer da justeza das suas ideias. Pelo contrário, os colonialistas e os cúmplices de Mobutu, ou de outra execrável criatura chamada Tchombé (reclamado então por Salazar como «grande amigo dos portugueses»), tinham muitos enviados às aldeias a agitarem o papão comunista representado pelo efémero chefe do primeiro governo do Congo independente.
E assim tombou para a órbita ocidental um dos principais países africanos, com tudo o que isso significou enquanto base para pôr em causa outras tentativas de criar realidades progressistas noutros países do cone sul do continente (Tanzânia, Zâmbia).
Pudesse a Guerra Fria ter poupado África a um estado de permanente clima de guerra civil e talvez se tivesse chegado a um estádio de desenvolvimento em que se evitassem os poderes absolutos de líderes crapulosos e se verificassem condições para sociedades mais consonantes com os valores do progresso. Com o assassinato de Lumumba, ficou evidenciada a tendência do ocidente para assegurar o acesso às riquíssimas matérias-primas da região sem garantir a devida compensação aos povos a quem elas são espoliadas...


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