sexta-feira, 14 de junho de 2013

LIVRO: «Soldats. combattre, tuer, mourir» de Sönke Neitzel e Harald Welzer

Em 1995 a opinião pública alemã ficou chocada com as fotografias apresentadas numa exposição itinerante sobre a Wehrmacht. Numa delas via-se um membro dos comandos especiais Einsatzgruppen a disparar contra a testa de um civil ajoelhado à beira de uma fossa já cheia de cadáveres, num dos muitos massacres de centenas de milhares de judeus antes da exterminação em ritmo industrial perpetrada depois nos campos da morte.
Comprovava-se - para quem ainda tivesse dúvidas! - a participação dos soldados do exército regular no genocídio enquanto, ao mesmo tempo, surgiam historiadores de uma nova geração decididos a superarem as mistificações até então dominantes e a elucidarem a verdade do ocorrido.
O livro de Sönke Neitzel e de Harald Welzer prossegue tais revelações baseadas nos milhares de páginas de transcrições das conversas entre soldados alemães, quando estavam aprisionados pelos britânicos, que não se coibiam de as gravar secretamente.
Julgando-se a sós tais prisioneiros recordavam, sem ponta de remorso, os massacres de judeus em que haviam participado. Mais: até se divertiam a contar como formavam filas de velhos judeus barbudos e de mulheres com os bebés ao colo, encaminhando-os ordeiramente até ao local aonde iam sendo eliminados. Ou como tinham obrigado a jovem e bela estudante judia a servir-lhes de criada, antes de a violarem coletivamente e liquidarem na manhã seguinte.
A explicação antropológica proposta pelos autores ao comparar estes comportamentos criminosos com os verificados no Vietname ou no Afeganistão não são, ainda assim, convincentes.
É verdade que a violência ilimitada demonstrada pela Wehrmacht está presente em todas as guerras modernas e que a cultura prussiana inculcou no soldado alemão uma ética de obediência justificativa de todos os excessos. Sendo-lhe atribuída a profissão de matar, ele vai pretender orgulhar-se do trabalho bem executado.
Essa ética inspira a tais prisioneiros julgamentos muito diferenciados em relação aos adversários: desprezo pelos franceses por não terem ousado combater; mistura de respeito e de ódio pelos britânicos por nunca se terem rendido; e uma admiração inegável pela combatividade e espírito de sacrifício dos russos.
Mas, porque não lhes assiste qualquer compaixão pelos judeus?
A crueldade deliberada desses soldados só pode ser explicada pelo condicionamento ideológico a que tinham sido sujeitos pelo regime hitleriano: um antissemitismo paranoico, uma mística comunitária quanto à superioridade do povo alemão e a euforia pelos primeiros êxitos militares terão explicado essa superação de quaisquer tabus morais.
Daí que muitos desses massacres tenham ocorrido nos primeiros meses da campanha da Rússia, quando as vitórias se sucediam a um ritmo avassalador, e se tenham reduzido, quando o rude inverno de Estalinegrado confrontou o exército alemão com as suas insuspeitadas limitações.
No «Doutor Fausto» Thomas Mann afirmava que o Holocausto iria esmagar o povo alemão sob o peso de uma vergonha de que não voltaria mais a recuperar.
Foi Willy Brandt quem iniciou o esforço dos governos alemães por garantirem um arrependimento do respetivo Estado pelos crimes cometidos à sua sombra. Algo a que os austríacos ou os japoneses nunca se atreveram.
Mas, ainda existe muita gente na Alemanha de hoje a querer negar evidências sobre o comportamento hediondo dos seus antepassados.


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