domingo, 24 de dezembro de 2023

A frustração irremediável de um narcisista

 

Se algo consola na crise política, que levou à demissão do governo de António Costa é a provável frustração de Marcelo Rebelo de Sousa perante o lugar dele conservado pela História enquanto Presidente da República.

No seu narcisismo ele ter-se-á imaginado enaltecido pelo estilo de proximidade junto de quem se deixou “selfizar” até à exaustão. Enquanto Mário Soares e Jorge Sampaio, quiçá mesmo Ramalho Eanes, ficarão recordados pelo que representaram antes, durante, e mesmo depois dos seus duplos mandatos, os de Marcelo ficarão como um vazio sem direito a sequer vaga nota de rodapé.

A vontade em derrubar os governos socialistas foi tão obsessiva que, das duas vezes em que decidiu fazê-lo, o resultado terá sido bem pior do que suportara até então. Da primeira vez saiu-lhe um governo de maioria absoluta contra o qual ficou inibido de conseguir maior eficácia nas quotidianas obstruções, da segunda ficará uma de duas hipóteses: seja um governo norteado pela convergências das esquerdas que tanto execra, seja a putativa alternativa de ter a extrema-direita a integrá-lo e dando-lhe o duvidoso mérito de ter propiciado o acesso ao poder de quem sabe sem qualquer outro talento, que o do fanatismo ideológico de efémera utilidade para quem verdadeiramente precisa de manter sólido o capitalismo com recurso a ilusões subtis, fáceis de digerir por quem as amarga, em vez de contra elas se insurgir quando constata o quão indigestas se revelem.

Não escapa a Marcelo a mediocridade congénita de Montenegro, que de pouco lhe serve para o projeto de uma refundação das direitas ao jeito das que imaginou possíveis, quando liderou o seu partido. Mas não lhe interiorizou as lições de então, quando se viu desfeiteado pela geração de gente sem qualidades, que o cavaquismo representou.

Na cegueira em desfeitear António Costa ele esqueceu-se da falta de talento comum aos capitalistas nacionais e às forças políticas deles serventuárias. Os empresários dos transportes e da grande distribuição, que financiam o Chega estão ao nível rasteirinho de um Ricardo Salgado, fértil em ganância e jogos de poder, mas incapaz de criar riqueza substantiva ao país. Nesse sentido Ventura, Montenegro e Rui Rocha são balões cheios de ar, que dão às esquerdas a vontade de usar o alfinete...

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