segunda-feira, 29 de maio de 2023

As questões que Mário Dionísio continua a sugerir

 

Excelente evocação a de Mário Dionísio por António Araújo no Público deste fim-de-semana a pretexto da publicação do quarto volume do seu diarístico Passageiro Clandestino.

Escrito antes da notícia da morte de Eduarda, a filha do escritor-pintor, e sua devotada sacerdotisa no templo a ele dedicado numa das encostas do castelo de Lisboa, o artigo anota a existência de dois ritmos distintos nos textos, que Dionísio ia produzindo: um mais lento quando pensava nos rumos da Revolução, outro mais rápido quando narrava as vicissitudes inerentes aos cargos para que ia sendo nomeado, ou regressava à zona de conforto representada pelas aulas no Liceu Camões, os serões na casa da Rua Elias Garcia ou o retiro em Ranholas.

Questão interessante a levantada no dia 15 de março de 1977, quando as ilusões suscitadas pelo 25 de abril tendiam para a retoma do destino medíocre, que se adivinhava na previsível tomada do poder pela direita sácarneirista. Efeito de quatro séculos de Inquisição e de meio século de fascismo? Provavelmente, que assim continua a acontecer neste primeiro quartel do século XXI.

Araújo lança, porém, uma dúvida pertinente: não seria esse obscurantismo religioso e a ascensão de Salazar e seus sucedâneos no poder (Cavaco e Passos Coelho como exemplos mais óbvios, que incluiriam um Marcelo com superior inteligência e sofisticação) a consequência de uma geografia, que nos condenou a vivermos sempre na periferia e num país de solos pobres, que impeliria à emigração dos mais ousados, quiçá mais talentosos?

Questão oportuna numa altura em que vemos Fátima encher-se de acéfalos peregrinos e as televisões a darem gás a essa gesta salazarenta...

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