sábado, 12 de março de 2011

Mediocridade perigosa

Em dia de manifestação da chamada Geração Rasca fica evidente a falta de pontaria ideológica desses jovens cujos cursos não garantiram empregos, que não os precários e mal remunerados. É que virando as suas críticas contra o Governo em particular, e a classe política em geral, eles esquecem uma evidência demonstrada ainda durante a semana em curso: durante o ano transacto, os mais ricos de Portugal enriqueceram superlativamente, exactamente na mesma dimensão em que a maioria empobreceu. Replicando, aliás, o que sucedeu um pouco por todo o lado.
E, no entanto, as críticas de Soares dos Santos ou de Belmiro de Azevedo ao actual estado das coisas são levadas a sério, quando afinal são eles os maiores beneficiários do crime social actualmente em curso em todo o mundo capitalista.
Quando é que veremos esse protesto canalizado verdadeiramente contra a cupidez desses milionários, que enriquecem graças aos salários de miséria pagos a trabalhadores sem quaisquer direitos?
Por agora há que reconhecer a justeza da análise de Baptista Bastos, quando relaciona os perigos iminentes de explosões sociais com a curteza de vistas dos actuais contestatários: a mediocridade puxa à mediocridade, e como a mediocridade já por aí assentou fundos arrais, a coisa está cada vez mais perigosa.
Noutro registo e no mesmo órgão de informação (Jornal de Negócios de 11/3/2011), Fernando Sobral anuncia uma extinção anunciada: a classe média que cresceu após a entrada na União Europeia está agora a provar o sabor da dívida, a que foi motivada pelo capitalismo popular e pela compra de casas que pensava irem valorizar-se até ao céu. Hoje não há dinheiro para pagar o crédito do passado e o Estado deixou de ser a segurança do futuro. A classe média está perdida e os seus filhos sem futuro. Há assim uma bomba relógio à espera de rebentar, mesmo que a classe política e, nalguns casos, empresarial, não perceba isso.
É verdade que o pessimismo de Sobral chega a exasperar como se não sobrasse margem para a esperança de novos amanhãs, que cantem. Para Bastos e para este escriba, a condição ideológica faz perdurar a velha máxima segundo a qual atrás de tempos, tempos vêm… E, no fim de todo este sofrimento acabará por vingar essa luminosa janela...

domingo, 6 de março de 2011

Festival da Canção 2011 - Homens da Luta - Luta é alegria

Um festival com um resultado surpreendente

Embora não simpatize nada com o projecto em si, acaba por ser significativa a vitória dos «Homens da Luta» no Festival da Canção. Porque  o júri convidado pusera-os no último lugar, mas o voto do público atirou-os de cabeça para o primeiro. E não esqueçamos que estamos perante um projecto tão rebelde quanto o seria a vitória de Zé Mário Branco no primeiro festival pós-25 de Abril se ele tivesse ganho ao Duarte Mendes.
Crescem os sinais de que  os cidadãos nacionais estão fartos deste estado de coisas. E que não vêem alternativa exclusivamente à direita do Governo de José Sócrates: o potencial de revolta contra patrões nacionais ou banqueiros internacionais está a crescer. E anunciam-se grandes tempestades não necessariamente direccionadas apenas para os que habitualmente lhes sofrem os efeitos...

Um Rio à espreita

Anteontem a editorialista do jornal «i», Ana Sá Lopes, levantava uma questão interessante relacionada com o maior país da oposição e que tem origem no salazarismo:
A nostalgia da ditadura é um monstro difuso na sociedade portuguesa e atravessa todos os estratos sociais. O que é evidente na chamada "conversa de taxista" - aquele invariável "o que fazia falta era outro Salazar" que quase todos nós já ouvimos mais de 25 vezes - surge em formas mais refinadas, mas não menos obscenas, nos discursos das elites.
O incrível apego nacional ao mantra "isto está cada vez pior" torna quase óbvio que o período "melhor" fosse a ditadura ou, vá lá, os primeiros anos da Revolução, em que não havia nem água nem luz em boa parte do país, para não falar de hospitais decentes nem das estradas do professor Cavaco.
Numa altura em que muitos, à direita, colocam como provável a queda de Sócrates e do Partido Socialista num futuro próximo, cresce a ideia de que Pedro Passos Coelho não passa de um frouxo. E que seria bom contar com uma réplica, tanto quanto possível modernizada, desse modelo salazarento, para «endireitar» o país.
Rui Rio é o nome de que se fala. Até porque tem obra na cidade do Porto: derrotou sucessivos candidatos socialistas e, apesar de tanta gente apostada em contrariá-lo, conseguiu reduzir ao máximo os apoios locais à cultura, que, como dizia um célebre general franquista, só merece ser tratada à pistola assassina.
No seu editorial de ontem no «Público», Vasco Pulido Valente já torturava a mente com essa sanha autofágica da direita, que ameaça servir os interesses do actual primeiro-ministro. Mas que, do alto da Avenida dos Aliados, há um ambicioso, que deseja testar os seus dotes ditatoriais à escala nacional, poucos duvidam.

quinta-feira, 3 de março de 2011

O mal menor...

No «Diário de Notícias», o escritor Baptista Bastos escreveu um texto de violenta crítica ao Partido Socialista:
O PS (…) sempre foi um estado d'alma, uma comovida exaltação de fatigados republicanos e nostálgicos antifascistas, antes de ser o que nunca foi: um partido de Esquerda, com o desígnio de mudar o País política e socialmente. Aos poucos, degenerou na massa parda do clientelismo, das cumplicidades duvidosas, dos sinuosos acordos de poder. Exactamente porque jamais foi "socialista", o que quer que a palavra signifique hoje.
Como militante do partido, e apesar do apoio que o Governo me merece por estar a fazer o que é possível face às circunstâncias, forçoso é reconhecer a consistência das críticas, que dão muitos dos militantes do Partido como aproveitadores de uma estratégia continuada de corrupção. Personalidades como Armando Vara criam, muito naturalmente, embaraços ao Partido.
Mas, por muito que aparentem justas, muitas das críticas oriundas mais à esquerda, esquecem que um eventual governo PSD/CDS será muito mais gravoso para os mais desvalidos do que o actual. Porque, mesmo com a excessiva margem de manobra dada a uns quantos boys, ainda sobra alguma consciência social a quem dirige o partido. E só se tomam as medidas imprescindíveis para corresponder à crise económica e financeira, porque sem elas tudo se tornaria muito pior, com o esfrangalhar de muitos equilíbrios frágeis de cuja solidez depende o futuro imediato de tanta gente.
Embora muitas vezes excessivo nas suas crónicas contra o Governo, Baptista Bastos tem dado sinais de preferir mil vezes a manutenção do actual governo do que das prometidas medidas da direita. O tempo é de parar um pouco, respirar fundo e esperar que, à nossa volta, as relações de força se alterem e nos permitam voltar a ter alguma margem de manobra para os anos vindouros.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Defender Portugal!

Uma das coisas mais irritantes com que nos confrontamos há muito tempo, é com a persistência com que os portugueses gostam de maldizer o seu país.
- Isto só cá! - vociferam uns.
- Se fosse lá fora não era assim! - acrescentam outros.
E o que se constata é que só a ignorância pode levar esses insatisfeitos a porem-se em bicos de pés perante as câmaras televisivas ou a telefonarem para os intragáveis fóruns mediáticos a convencerem-se de que vivem num inferno rodeados de verdadeiros paraísos à volta.
São no fundo os mesmos que aparecem a reclamar médicos para postos de saúde aonde ninguém aparece a queixar-se à noite ou que exigem escola ao virar da esquina da sua casa, fique ela na cidade ou na mais desértica aldeia. E que, de passagem, não deixam de se queixar dos impostos pagos para esse Estado cheio de parasitas.
Às vezes dá para nos questionarmos se muitos portugueses não terão sido submetidos a irremediável lobotomia e repetem incessantemente frases feitas inculcadas nos seus cérebros. Só assim se explica a teimosia em considerar como merecedor de confiança um arrivista de Boliqueime vindo do nada e hoje com apreciável fortuna em casas e acções...
A esses escapa-lhes o quanto de maravilhoso nós, portugueses, somos capazes de produzir. Seja na indústria ou no comércio, na ciência ou nas artes. Para já não falar no desporto, aonde isso é tão óbvia evidência...
Um exemplo? Aqui no blogue acabo de linkar a forma de ficar acessível o belíssimo concerto para cravo e cordas, que Carlos Seixas compôs no apogeu do nosso barroco.
Quem ouvir este allegro inicial dirá porventura estar perante uma notável composição de J.S. Bach ou de algum italiano contemporâneo de Vivaldi. E, no entanto, o compositor de tão fascinante movimento era português. Como o eram Pessoa, Vieira da Silva ou Saramago, ou o são Paula Rego, Emanuel Nunes ou António Damásio.
Tão lestos a admirarmos o que vem de fora, quantas vezes valorizamos o que surgiu da criatividade e do engenho dos melhores de nós?
Precisamos de quem acredite nas forças vivas do país. E que não ande por televisões e jornais a ansiar por sebastiânicos efémis.
Porque, errem tantas vezes quantas as que tentem, mas são os Sócrates deste país quem nunca desistem de dele fazer emergir o que de melhor ele tem. Porque só não erra quem nem sequer chega a tentar. E o que importa é manter a determinação para avançar até às prometidas lonjuras aonde se afirmem as nossas melhores qualidades.

Conc. p/ Cravo: Carlos Seixas / Gare do Oriente: Calatrava

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Os intelectuais e as revoluções no Norte de África

Uma das questões que se está a colocar em França em relação às revoluções tunisina ou egípcia é a de se saber porque é que os intelectuais, habitualmente tão entusiasmados com movimentos desse tipo no Leste Europeu ou na China, manifestam tão pouco interesse pelo que se passa no Norte de África.
É claro que o conceito de intelectual em França mudou muito desde os tempos de Sartre, quando essa condição implicava o envolvimento em todas as causas progressistas então em curso. Hoje os intelectuais enquanto tal reconhecidos - de Lévy a Gluckmann - fizeram o longo trajecto ideológico da esquerda convencional para a extrema-esquerda e dessa, directamente, para a direita mais fundamentalista quanto à bondade dos mercados livres e desregulados.
Por isso o entusiasmo passou a ser neles crescente à medida, que as supostas revoluções (na China, na Birmânia, na Ucrânia ou na Geórgia) se orientavam contra governos ou regimes conotados com o execrado comunismo.
As revoluções em curso nos países árabes não possuem esse ingrediente fundamental para os ver babarem-se em gozo reverencial das suas tardias opções ideológicas. E, mais, perante os riscos do aproveitamento islamista de tais movimentos, eles sempre tinham considerado Ben Ali ou Mubarak males menores.
Demasiado primários nas suas teses esses intelectuais estão a ver sucessivos mitos a tombarem fragorosamente sem se darem conta de como isso os põe em causa: já tinham perdido uma parte das suas confortáveis certezas, quando as ideias de Fujiama sobre o «fim da História» tinham ruído nos fracassos da intervenção no Iraque. Agora é a vez de verem ruir a tese cristalizada de Huntington sobre o «choque das civilizações»: afinal os povos árabes até podem não ser associados aos fanáticos islâmicos, com que têm sido abusivamente conotados...

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Pensar no que se seguirá a Sócrates...

É verdade que o Governo de José Sócrates parece exausto, limitando-se a uma gestão dos problemas numa lógica de navegação à vista. Nesse sentido nada de novo parece surgir, precisamente quando todas as circunstâncias envolventes parecem mudar: uma Europa mais consciente de se tornar irrelevante ao reflectir exclusivamente as linhas estratégicas de dois políticos tão pouco visionários quanto o são Merckel  ou Sarkozy. Um Norte de África a demonstrar como nem os poderes autocráticos podem resistir ao descontentamento dos seus cidadãos desesperados. Uma transferência para as redes sociais dos modelos de agitação e propaganda, outrora considerados para espalhar as palavras de ordem revolucionárias.
A realidade está em processo de transformação, mas os actores políticos em Portugal continuam a não se mostrarem à altura de tal dinâmica.
Pedro Passos Coelho surgiu com o ar jovem de trazer algo de novo consigo, mas cada vez mais se denota a sua incapacidade para credibilizar um discurso próprio, que corresponda a uma aparente solução para os impasses do país. Resultado: sondagem a sondagem o PSD e ele próprio vão caindo arriscando o sucesso anunciado para as próximas legislativas.
O que leva Miguel Sousa Tavares a reiterar o que tenho escrito neste mesmo blogue: são extremamente exageradas as notícias sobre a morte política de Sócrates. Porque nada tendo de consistente para apresentar como alternativa os seus detractores acabam por tombar, um a um, exaustos, perante a determinação de se perpetuar no poder, que Sócrates tem sido exímio em se afirmar.
E, no entanto, até os seus mais fiéis apoiantes, entre os quais me incluo, são obrigados a reconhecer a importância de começar a preparar o ciclo seguinte. Porque, após tantos anos de sucessivos confrontos com a mais difícil das realidades, até o próprio Sócrates encarará como libertador o momento em que passará o testemunho a um novo secretário-geral do Partido Socialista. Que, desejavelmente, seja o novo primeiro-ministro de Portugal...

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

O estado das coisas

Uma das questões que as revoluções tunisisna e egípcia colocam é o papel dos jovens na contestação a regimes mais do que caducos. Sobretudo, quando por essa Europa a mesma classe etária vai reagindo com descontentamento crescente à sua condição de precária no emprego mal pago, que vai arranjando, ou na incapacidade para se autonomizar da dependência dos progenitores. E, no entanto, o director do Jornal de Negócios, Pedro Santos Guerreiro, até constata que estão à frente dos dois principais partidos nacionais políticos oriundos das juventudes partidárias. O que os  tenderia a uma maior consonância com essa juventude de que, afinal, tanto divergem.
Na contestação ao José Sócrates tem-se distinguido ultimamente Manuel Maria Carrilho que numa crónica do DN e perante os acontecimentos do Cairo, não deixa de cobrar o facto de ter sido saneado do cargo de embaixador na UNESCO por se ter escusado a respeitar a ordem de Luís Amado para votar num dos protegidos de Mubarak para um importante cargo na instituição internacional.
Ainda assim, quem aposta na queda de José Sócrates poderá ter de esperar muito mais tempo, mesmo que o PCP se mostre decidido a avançar para a batalha decisiva. Na sondagem da Aximagem, que costuma ser das mais desfavoráveis para o PS, este sobe 2,4% no último mês, enquanto o PSD desce 0,5%.
Sabendo-se como o eleitorado penaliza quem desestabiliza um determinado status o resultado de eventuais eleições antecipadas poderá não conter o sucesso pretendido pelas diversas oposições.
Saindo da política partidária para a que transversaliza esta época não deixam de ser curiosos, embora não propriamente surpreendentes, dois estudos abordados pelos jornais dos últimos dias: um demonstra que a violência doméstica, embora ainda sem sinais de diminuir no número de vítimas mortais, já começa a ser encarado como um crime público, muito distante da lógica do «entre marido e mulher não metas a colher». No outro estudo fica confirmado que os ricos vivem muitos mais anos do que os pobres  - dez segundo esse documento - havendo uma correlação directa entre o nível de escolaridade e a esperança de vida.
E, num tempo em que se discutem as virtudes das escolas públicas e privadas bem como o respectivo financiamento, faz sentido a pergunta de Fernanda Câncio no DN: alguém me explica como é possível que a rede de escolas contratualizadas por um Estado laico inclua estabelecimentos religiosos?
Uma referência final para o que se está a passar nas margens do Nilo: se a liberdade - de expressão, política e religiosa - parece ser o único ponto comum nas reivindicações dos egípcios, estranha-se a forma como esta revolução sem líderes aparentes parece tão bem organizada. Quem se perfilará para suceder ao ditador actual?

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Quando os comunistas se aliam à direita...

A notícia, ao contrário do que dizem os jornais, até não espanta: Jerónimo de Sousa promete coligar-se com o CDS e com o PSD no derrube ao governo de José Sócrates.
Triste condão este dos comunistas portugueses, que apreciam mais a companhia da direita do que dos socialistas.
É claro que invocarão sempre as aleivosias cometidas pelo governo contra os direitos dos trabalhadores. Mas terão alguma ilusão quanto à bondade com que Passos Coelho e Paulo Portas tratarão esses mesmos trabalhadores quando, e se, forem Governo?
Sobra alguma dúvida, que os poucos direitos ainda conservados pelos trabalhadores portugueses dependem sobretudo de uma Europa aonde importa derrotar os governos de Merkel, de Sarkozy, de Cameron e de Berlusconi, que impõem a exportação das suas políticas apenas orientadas para o benefício de quem os guindou ao poder?
A derrota da direita europeia exige uma esquerda estrategicamente orientada para a conquista de um futuro diferente em que se salvaguardem os direitos essenciais de quem é mais explorado pela visão capitalista dos governos e se avance e recue em função de objectivos para cuja realização o esforço conjunto de todos nisso empenhados ainda é insuficiente.

domingo, 30 de janeiro de 2011

A nossa atenção ao Norte de África

O que se está a passar no Norte de África suscita algumas perplexidades, por muito que desejemos o sucesso de revoluções populares capazes de transformar ditaduras corruptas em democracias, mesmo que do tipo burguês.
Porque existe o receio de ver o islamismo aproveitar para singrar em países aonde eles têm sido contidos e as mulheres ainda não se sujeitam aos horrores opressivos de um Irão ou de uma Arábia Saudita. E essa eventual solução só tornaria mais candente a questão do choque de civilizações, que continua a perdurar…
O que hoje se vê é uma tendência acelerada de transformação política em que se derruba o estado actual das coisas sem se conseguir vislumbrar qual acabará por vigorar: se a revolução tunisina demorou três semanas a derrubar o regime, Mubarak, no Egipto, parece em vias disso ao fim de quatro ou cinco dias.
A novidade do que se está a passar é o facto de surgir nessa região geográfica um movimento popular empenhado em mudar regimes, recorrendo a redes sociais. Algo que poderá vir a ser replicado noutras regiões: porque não na nossa Europa aonde os mais ricos (países e pessoas) se mostram insensíveis às aflições dos que mais desarmados se mostram perante a guerra económica em curso...

sábado, 29 de janeiro de 2011

Sopram ventos adversos

No «Diário Económico» de hoje surge um conjunto de notícias e de opiniões sobre as quais valerá a pena atardar-nos alguns instantes por nos possibilitarem uma melhor interpretação dos dados caóticos, que nos chegam de diversas direcções.
Voltemos, ainda, ao tema requintado da reeleição de Cavaco Silva para a Presidência da República. Aos microfones da Rádio Renascença, o ministro Silva Pereira constata alguns números: se há alguma coisa de novo nestas presidenciais, é a circunstância de Cavaco Silva ser reeleito com menor número de votos - é o Presidente com menos votos de sempre -,  com menor percentagem na reeleição e o que perdeu mais votos entre a primeira e a segunda eleição.
Virá da consciência desse semi-fracasso o desbragamento do seu inacreditável discurso de vitória. Que leva o insuspeito Raul Vaz a comentar: Ei-lo, pois, no seu fulgor: irrelevante além do pequeno, pequenino mundo em que se desenvolve um modelo numa regra de três simples. Cavaco é assim e não tem emenda. Sempre foi - desiludindo apenas aqueles que esperam um golpe  fora dos eixos. Perdeu-se mais uma oportunidade. Tem-se perdido  desde que se acredita no triunfo de uma inconsequência.
Será porque pressente a possibilidade de não vir a ter um sucesso tão próximo, quanto desejaria, que Paulo Portas se agita no frenético esforço de ressuscitar um cadáver, apresentando aos  portugueses o modelo zombie de governação. Ou aliança velha como, mais polidamente, a crisma João Paulo Guerra: a política portuguesa, tão entrevada de criatividade, serve-se na modalidade de pescadinha de rabo na boca. Isto é: as mesmas ideias ou a falta delas, os mesmos projectos, o mesmo arsénico e as mesmas rendas velhas saem de cena por uma porta e entram por outra, numa marcação de récita amadora sem a mínima imaginação nem originalidade. Agora, a direita volta a querer uma nova Aliança Democrática, isto é, uma Aliança velha.
E, no entanto, toda a conjuntura parece dar sinais de piorar: o número de desempregados sem subsídio continua a aumentar e, em Dezembro, atingiu novamente um valor recorde. No final do ano passado, havia 246 622 pessoas sem emprego e sem direito a esta prestação, representando quase metade do total de desempregados inscritos nos centros de emprego (45,5%). Um ano antes o número de desempregados que não recebia qualquer apoio não chegava a um terço.
Torna-se previsível uma reacção a tantos dramas sociais. Como aconteceu na Tunísia, e está agora a suceder no Egipto. No entanto, António Barreto desengana quem julga que a indignação perigosa provenha das classes mais desfavorecidas: o descontentamento verdadeiro, a indignação perigosa - para já não falar de revoluções e motins - não vem dos pobres cada vez mais pobres, porque esses estão ocupados a sobreviver e a arranjar pão, não têm tempo para fazer revoluções. A ferocidade virá afinal da classe média: dessas classes que viveram dez, vinte, trinta anos em prosperidade e crescimento, aumentando as suas ambições e satisfazendo as suas expectativas e de repente vêem que tudo está em causa.
Para já são essas classes (magistrados, professores, escolas privadas), que mais contestam as medidas governamentais numa lógica de puro egoísmo. Porque, como alerta João Cardoso Rosas são muitas vezes aqueles que mais criticam a «gordura» do Estado e preconizam o seu “emagrecimento” que, quando confrontados com o facto da austeridade no seu próprio quintal, reagem com maior violência...

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

A vulnerabilidade de Cavaco

Ainda antes do domingo eleitora, escrevia Fernando Madrinha no «Expresso»: Nunca um presidente à procura da reeleição foi alvo de ataques e suspeições tão graves. E a recusa de um esclarecimento cabal dessas suspeições tornou-se um problema sério. Para Cavaco Silva, mas também para o país, porque, ainda que seja reeleito (…) ficará em Belém um Presidente mais vulnerável do que aquele que de lá saiu há duas semanas.

Uma péssima escolha para Belém

Um em cada quatro portugueses manifestou ontem a vontade de ter Cavaco Silva como inquilino do Palácio de Belém por mais cinco anos. Escolha lamentável de uma minoria, que nos vai impor uma personalidade serôdia, mesquinha, conservadora, paradigma do que são os portugueses no seu pior. Porque nada o dissocia da imagem do sonso armado em esperto, que nunca se compromete quando os ventos sopram agrestes (nunca foi capaz de um mínimo gesto de coragem cívica durante o fascismo!), que é capaz de participar em trafulhicescomo se fosse um inocente investidor (e ganha assim obscenos lucros nos seus investimentos!) ou de fugir ao fisco com habilidades pelas quais outros seriam trucidados (vide o caso de António Vitorino a respeito da sisa de uma sua propriedade, episódio menoríssimo em comparação com o caso singular da troca da casa de férias algarvia!) ou ainda de alimentar o lamentável episódio da conspiração antigoverno em cumplicidade com o jornal de Belmiro de Azevedo, mesmo atirando então às feras um seu fidelíssimo sicário, quando toda a tramóia saiu desmascarada...
É este autoproclamado modelo de virtudes públicas, que deveremos aturar por mais um ciclo político. Quando o período de campanha apenas confirmou o que de pior dele conjecturávamos. E tornam-se assim mais cinzentas as expectativas para esse futuro próximo...

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Derrotar Cavaco: um dever de higiene

Ao passar mais um aniversário sobre a data mítica da grande greve antifascista de 1934, ganha particular acuidade a óbvia similitude entre o candidato Cavaco Silva e o tenebroso ditador, que oprimiu a maioria dos portugueses durante mais de quarenta anos.
Se Salazar alimentou uma fantasia lusitana baseada num país de brandos costumes, aonde se premiava a humildade e se castigava o livre pensamento, Cavaco Silva fomenta de si uma imagem completamente falsa de ideal de virtudes acima da «podridão política» como se não fosse ele o mais duradouro titular de cargos públicos desde o 25 de Abril.
Paradigma de tudo quanto de negativo existe no Portugal de hoje, é um dever higiénico contribuirmos para o remetermos para o tal caixote do lixo aonde fiquem sem remissão todos os medíocres, que terão trabalhado para que as coisas continuassem a ser como são.
Há quem acene com a falta de conhecimentos de Economia de Manuel Alegre para justificar a opção pelo seu adversário, tanto mais que a situação conjuntural exigirá sagacidade nesse campo de análise política. Mas terá alguma vez mostrado Cavaco Silva alguma capacidade nessa vertente, ele que deve a sua fama e proveito aos estranhos amigos de que se rodeou e de ter-se revelado o oportunista crasso para quem os socialistas prepararam os lautos fundos europeus com a entrada para a CEE e que ele (des)aproveitou numa orgia de maus investimentos, que o deveriam condenar perpetuamente a uma proibição expressa de voltar a ocupar cargos públicos?
Cavaco Silva é o maior exemplo de como a fantasia lusitana de Salazar continua a produzir sucedâneos míticos de tão néscia dimensão, mas que persistem tão malignos como a torpe ditadura de que se revela inconfessado discípulo...

domingo, 16 de janeiro de 2011

Escolher entre o cobarde e o corajoso homem de cultura

Um dos excelentes programas de Raphäel Enthoven sobre filosofia, transmitido pelo canal franco-alemão ARTE, vem em boa altura para analisar o comportamento dos portugueses, e sobretudo das suas elites, a respeito das eleições presidenciais do próximo dia 23.
O tema da discussão com a filósofa Judith Revel era a militância, o compromisso político. E o ponto de partida não poderia ser mais eloquente: somos sempre obrigados a um compromisso militante. Porque, mesmo quando escolhemos não o desempenhar, já estamos de uma forma indubitável a assumir um outro não menos óbvio. Ou seja, por exemplo na França Ocupada da 2ª Guerra Mundial a opção era muito clara: ou se lutava contra a barbárie nazi, alistando-se na Resistência ou era-se um colaboracionista. Como era o caso de todos quantos não se sentiam particularmente ligados ao regime de Vichy, mas nada faziam para o derrubar.
Ora o paralelo mais evidente com esse caso em concreto foi o da atitude do cidadão Cavaco Silva perante o regime fascista e com a guerra colonial, que ele alimentava em África. Ao não se comprometer com o seu derrube, o cidadão Aníbal Cavaco Silva foi um fascista passivo, um cobarde, que nunca deveria ter chegado à Presidência do Portugal democrático, nem obviamente ser em tal função reconduzido.
E essa cobardia deve ser vista em contraponto com o comportamento de Manuel Alegre que, mesmo contrariando os seus interesses pessoais, virou costas ao exército agressor e decidiu combater o regime no seu exílio. Despertando consciências a partir das suas emissões radiofónicas a partir de Argel.
Nessas duas atitudes: a do colaboracionista e a do resistente antifascista estão explicitadas as visões de ambos sobre a realidade em que estamos mergulhados.
E entre quem ganhou rendimentos de aplicações financeiras em vigarices organizadas pelos seus amigos mais próximos, e o homem de cultura íntegro, que assume o seu empenhamento com a cidadania na base dos valores éticos mais exigentes, não há qualquer dúvida sobre quem escolher no próximo dia 23.
Muito mal irá o país se renovar o mandato do actual inquilino de Belém.


quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Comemos mais, produzimos menos...

Em si poderemos estar confrontados com um problema muito sério pelo facto de, nos últimos dez anos, a nossa balança comercial alimentar ter-se agravado mais de 23%. Ou seja, trocando por miúdos, cada vez mais somos obrigados a comprar ao estrangeiro aquilo que comemos. Porque aumentámos o nosso consumo e deixámos de produzir tanto. Sujeitando-nos aos humores dos preços nos mercados internacionais aonde incêndios na Rússia ou inundações na Austrália podem fazer galopar os preços dos cereais, da carne, do leite, até mesmo das rações animais com que nutrimos o nosso próprio gado.
Em Moçambique ou na Argélia já ocorrem explosões sociais por causa desta realidade. Por cá arriscamo-nos a que isso também suceda...

domingo, 9 de janeiro de 2011

Favas contadas? Não tanto...

Os dias mais recentes justificam algum optimismo a quem olha para a realidade com as lentes de quem nela procura detectar todos os sinais possíveis de transformações positivas para uma visão de esquerda para a sociedade.
A direita não tem emenda: as suas preocupações cingem-se à necrofilia mórbida pela memória de um dos seus mais heróis emblemáticos (conhecido pela falta de escrúpulos com que procurava afastar adversários fosse no campo ideológico oposto, fosse no próprio) e à expectativa de lhe ver cair o poder no regaço sem para tal investir o menor esforço.
Mas as preocupações quanto ao sucesso da sua estratégia sofreram súbita agudização com a anunciada crise das actividades circenses na Madeira, com a baixa hospitalar do seu mais talentoso clown, e sobretudo com as dificuldades por que passa o seu candidato presidencial contas com as suas perigosas ligações com o gang responsável pelas vigarices no BPN.
Basta vermos dois dos muitos textos publicados nos jornais deste fim-de-semana para compreendermos como as supostas favas contadas em que a eleição presidencial prometia transformar-se, não serão assim tão certas.
O Diário Económico editorialava assim na sexta-feira passada: O silêncio de Cavaco Silva já não é de ouro. E, por cada dia que o candidato presidencial se mantém irredutível na decisão de não revelar o contrato de venda das acções da ex-SLN, com as quais terá ganho uma mais valia de 140%, esse silêncio torna-se ainda mais insuportável.
Outro insuspeito cronista, Vasco Pulido Valente, também espingardava contra o candidato, que supostamente apoiaria: a alegada candura de Cavaco não o recomenda. Quem se envolveu  - porque ele de perto ou de longe se envolveu - na trapalhada do BPN não é aparentemente a criatura indicada para superintender, com o seu conselho e a sua prudência, a economia de Portugal inteiro.
Quem nos garante que do assento etéreo a que tornará a subir não sairão opiniões ruinosas para o país? (…)
Com o caso do BPN perdeu ele próprio a confiança dos portugueses.
É claro que não será fácil o desafio, que se coloca à esquerda, mas seja Cavaco derrotado, seja ele vencedor, a mácula irá sempre menorizá-lo. E será, então, tempo de cumprir aquilo que Manuel Maria Carrilho propõe para o futuro: uma mudança total dos caminhos recentemente percorridos na governação. Voltando a não ter medo de ser de esquerda: A ideia-chave para que em 2011 se comece a sair do impasse em que o país e a Europa se encontram é só uma: não será com as pessoas, nem com as instituições, nem com as ideias que nos conduziram à crise que conseguiremos sair dela.