No «Diário Económico» de hoje surge um conjunto de notícias e de opiniões sobre as quais valerá a pena atardar-nos alguns instantes por nos possibilitarem uma melhor interpretação dos dados caóticos, que nos chegam de diversas direcções.
Voltemos, ainda, ao tema requintado da reeleição de Cavaco Silva para a Presidência da República. Aos microfones da Rádio Renascença, o ministro Silva Pereira constata alguns números: se há alguma coisa de novo nestas presidenciais, é a circunstância de Cavaco Silva ser reeleito com menor número de votos - é o Presidente com menos votos de sempre -, com menor percentagem na reeleição e o que perdeu mais votos entre a primeira e a segunda eleição.
Virá da consciência desse semi-fracasso o desbragamento do seu inacreditável discurso de vitória. Que leva o insuspeito Raul Vaz a comentar: Ei-lo, pois, no seu fulgor: irrelevante além do pequeno, pequenino mundo em que se desenvolve um modelo numa regra de três simples. Cavaco é assim e não tem emenda. Sempre foi - desiludindo apenas aqueles que esperam um golpe fora dos eixos. Perdeu-se mais uma oportunidade. Tem-se perdido desde que se acredita no triunfo de uma inconsequência.
Será porque pressente a possibilidade de não vir a ter um sucesso tão próximo, quanto desejaria, que Paulo Portas se agita no frenético esforço de ressuscitar um cadáver, apresentando aos portugueses o modelo zombie de governação. Ou aliança velha como, mais polidamente, a crisma João Paulo Guerra: a política portuguesa, tão entrevada de criatividade, serve-se na modalidade de pescadinha de rabo na boca. Isto é: as mesmas ideias ou a falta delas, os mesmos projectos, o mesmo arsénico e as mesmas rendas velhas saem de cena por uma porta e entram por outra, numa marcação de récita amadora sem a mínima imaginação nem originalidade. Agora, a direita volta a querer uma nova Aliança Democrática, isto é, uma Aliança velha.
E, no entanto, toda a conjuntura parece dar sinais de piorar: o número de desempregados sem subsídio continua a aumentar e, em Dezembro, atingiu novamente um valor recorde. No final do ano passado, havia 246 622 pessoas sem emprego e sem direito a esta prestação, representando quase metade do total de desempregados inscritos nos centros de emprego (45,5%). Um ano antes o número de desempregados que não recebia qualquer apoio não chegava a um terço.
Torna-se previsível uma reacção a tantos dramas sociais. Como aconteceu na Tunísia, e está agora a suceder no Egipto. No entanto, António Barreto desengana quem julga que a indignação perigosa provenha das classes mais desfavorecidas: o descontentamento verdadeiro, a indignação perigosa - para já não falar de revoluções e motins - não vem dos pobres cada vez mais pobres, porque esses estão ocupados a sobreviver e a arranjar pão, não têm tempo para fazer revoluções. A ferocidade virá afinal da classe média: dessas classes que viveram dez, vinte, trinta anos em prosperidade e crescimento, aumentando as suas ambições e satisfazendo as suas expectativas e de repente vêem que tudo está em causa.
Para já são essas classes (magistrados, professores, escolas privadas), que mais contestam as medidas governamentais numa lógica de puro egoísmo. Porque, como alerta João Cardoso Rosas são muitas vezes aqueles que mais criticam a «gordura» do Estado e preconizam o seu “emagrecimento” que, quando confrontados com o facto da austeridade no seu próprio quintal, reagem com maior violência...
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