Não é que Giuliano da Empoli tenha um currículo respeitável, já que foi conselheiro do político italiano, Matteo Renzi, que quis aplicar na "bota" transalpina a lógica ideológica da equívoca Terceira Via. Mas fazem sentido algumas das suas denúncias sobre como a extrema-direita tem progredido no cenário europeu. É o que lhe deu matéria para o ensaio que restringe as alternativas às democracias ditas liberais e as que as querem substituir por sucedâneos do que chegou-se a imaginar inviável depois da Segunda Guerra Mundial. Como se a via socialista estivesse morta e enterrada.
Em "Os Engenheiros do Caos", Empoli mergulha nas profundezas da nova estratégia política que tem catapultado figuras e movimentos populistas de extrema-direita para o assalto ao poder. Longe das plataformas ideológicas tradicionais, o que revela é uma máquina sofisticada de manipulação da perceção e exploração das emoções. Para Empoli, a ascensão desses "engenheiros" não se baseia em grandes ideias ou programas de governo, mas na capacidade de subverter a verdade e instrumentalizar a desinformação.
O ensaio desvenda como os algoritmos das redes sociais tornaram-se nas novas armas da guerra cultural e política. A "política quântica", termo que Empoli utiliza, descreve um cenário onde a realidade objetiva é desintegrada. Cada indivíduo é cercado por uma bolha de informações personalizada, criada por dados e algoritmos, que reforça preconceitos e amplifica o medo. Nesse ambiente, a verdade torna-se irrelevante; o que importa é a narrativa, por mais absurda que seja, desde que mobilize as paixões e fragilize o senso crítico.
Empoli mostra que esses novos arquitetos do poder não se furtam a dialogar ou construir consensos. Pelo contrário, o objetivo é gerar polarização e desconfiança nas instituições democráticas, na imprensa e até mesmo na ciência. O caos não é um subproduto indesejável, mas uma ferramenta deliberada para exaurir a opinião pública e forçar a necessidade de um líder "forte" que prometa ordem no meio da confusão.
O autor não oferece soluções fáceis, mas propõe um alerta. As democracias ditas liberais, com regras e burocracias, parecem lentas e impotentes diante da agilidade e falta de escrúpulos desses "engenheiros". O livro é um convite urgente a compreender a nova lógica do poder, proveniente dos bastidores digitais e alimentando-se da fragilidade das sociedades contemporâneas.
No entanto, se a análise de Empoli é perspicaz sobre a ascensão de novas formas de autocracia, só implicitamente levanta a questão do que tem faltado às alternativas progressistas. Num cenário em que a democracia dita liberal vê-se sitiada e a extrema-direita prospera no terreno da emoção e da desinformação, talvez a via socialista possa encontrar um novo fôlego.
A aposta reside na capacidade das forças progressistas redesenharem o seu apelo. Isso não significa abandonar os princípios de justiça social, igualdade e solidariedade, mas encontrar novas linguagens e estratégias para ir ao encontro das aspirações e medos das pessoas. O desafio é combater a manipulação do caos com propostas concretas que respondam às ansiedades reais da população, ao mesmo tempo que recuperem a confiança na verdade e na possibilidade de um futuro comum.
Talvez a resposta ao populismo não resida na defesa do status quo dito liberal, mas em apresentar uma visão mais radical e esperançosa de transformação social, que aborde as causas profundas do descontentamento e da alienação, e seja capaz de mobilizar as pessoas para valores que transcendem as bolhas algorítmicas. Ou seja a reinvenção de uma via que pode ressurgir das cinzas para oferecer uma alternativa real ao avanço dos "engenheiros do caos".
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