Giuliano da Empoli, com "O Mago do Kremlin", ofereceu-nos uma janela perturbadora para as entranhas do poder russo, personificando a manipulação e a construção de realidades através da figura enigmática de Vadim Baranov. Este, um ex-produtor de reality shows, transformado em eminência parda de Putin, orquestra um teatro político onde a verdade é maleável e a emoção, a moeda corrente. Mas, ao virar as páginas, a inquietante pergunta que me assaltava era: será que esta narrativa, por mais distópica que pareça, não encontra um eco ainda mais alarmante na política ocidental, nomeadamente no trumpismo? E, nesse caso, não estaremos perante uma caricatura, talvez, mais perigosa ainda do que a de Putin?
A grande diferença reside na premissa. O "Czar" de Empoli opera num regime autoritário consolidado, onde a orquestração da desinformação e a fragilização das instituições são ferramentas de um poder já estabelecido. No trumpismo, a invasão das táticas de Baranov ocorre no coração de uma suposta democracia que, até então, se imaginava robusta. É a subversão de dentro para fora, a erosão de pilares democráticos não por um Estado já totalitário, mas por um movimento que, ironicamente, se apresenta como defensor do povo contra as "elites".
Pensemos na forma como a administração Trump operou: a insistência em "factos alternativos", a negação descarada de evidências, a demonização da imprensa como "inimigo do povo". Tudo isto remete para a lógica de Baranov de criar uma realidade própria, imune à verificação e à crítica. Se na Rússia de Putin a população já estava acostumada a uma certa dose de propaganda estatal, nos EUA, a capacidade de desmantelar a confiança em instituições como a CBS e apresentadores como Stephen Colbert, do Late Show, que foi alvo de intensas pressões e apelos por parte da Casa Branca de Trump para que fosse silenciado e até demitido, sugere uma fragilidade até então subestimada. A sua postura crítica e a própria essência do jornalismo de late night que representava foram frontalmente atacadas pela retórica trumpista. Essa campanha de deslegitimação, que se manifestou de várias formas ao longo dos tempo e culminou mais recentemente no anúncio do fim do programa por alegadas razões financeiras, mas com fortes suspeitas de motivações políticas, espelha a forma como os regimes autoritários trabalham para anular qualquer voz independente.
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