sexta-feira, 25 de julho de 2025

A Voracidade do Poder em Três Atos

 

A substituição de Mário Centeno por Álvaro Santos Pereira na governação do Banco de Portugal é mais do que uma simples mudança de nomes. É a manifestação clara de uma voracidade política que não hesita em quebrar tradições institucionais, sacrificar competências técnicas reconhecidas e até recorrer à difamação para justificar o injustificável. Quando um governo rompe com a prática estabelecida de reconduzir governadores do banco central para segundos mandatos, não o faz por zelo institucional, mas por pura ganância de poder.

Esta lógica do loteamento partidário, que transforma cargos técnicos em prémios de consolação para "boys" do regime, revela uma mentalidade que infelizmente não se circunscreve às nossas fronteiras. É a mesma lógica que permite genocídios, que protege redes de pedofilia, que corrói as instituições democráticas em nome de interesses particulares.

Mário Centeno, independentemente das opiniões que se possam ter sobre as suas posições, construiu um percurso de inegável competência técnica. Foi ministro das Finanças em tempos difíceis, presidiu ao Eurogrupo, e granjeou reconhecimento internacional pela sua gestão. A sua substituição por Álvaro Santos Pereira quebra uma tradição que existia precisamente para blindar o banco central das ingerências políticas.

Mas o que é verdadeiramente repugnante é a tentação, já visível em alguns sectores próximos do governo, de denegrir Centeno com insinuações e meias-verdades para justificar uma decisão que é puramente política. Esta é a face mais sórdida do exercício do poder: quando não conseguem justificar racionalmente as suas opções, recorrem à calúnia.

É o mesmo padrão que vemos repetir-se quando Montenegro distribui cargos pelos seus fiéis, independentemente da competência dos substituídos. A questão não é se Santos Pereira será um bom ou mau governador – é o princípio subjacente: transformar instituições técnicas em feudos partidários.

Entretanto, do outro lado da Europa, até Emmanuel Macron – não propriamente um radical de esquerda – já anuncia o reconhecimento do Estado da Palestina. A reação histérica de Tel Aviv, acusando-o de "recompensar o terror", seria cômica se não fosse trágica. Como se Gaza, transformada num campo de extermínio onde mais de 60.000 civis foram massacrados, não fosse o verdadeiro terror que a História registará.

A hipocrisia é de tal ordem que causa náuseas. Um país onde mais de 80% da população apoia os crimes de Netanyahu, onde ministros falam abertamente em "solução final" para os palestinianos, onde hospitais e escolas são bombardeados sistematicamente, tem a lata de falar de "terrorismo" quando alguém ousa reconhecer o direito dos palestinianos à autodeterminação.

O reconhecimento do Estado palestiniano por Macron – tardio, mas necessário – expõe a cumplicidade obscena das democracias ocidentais com um genocídio transmitido em direto. E revela como o poder, quando não tem limites, transforma-se numa máquina de morte que devora tudo à sua frente.

Nos Estados Unidos, o The New York Times publica uma lista de aniversário de Jeffrey Epstein onde figura Donald Trump como convidado. Não é uma revelação – é a confirmação do óbvio. As ligações entre Trump e o criador de uma das mais sórdidas redes de pedofilia foram sempre evidentes para quem quisesse ver.

Mas esta é precisamente a questão: o poder protege-se a si próprio. Durante anos, a imprensa mainstream minimizou estas conexões, tratou-as como "teorias da conspiração", desvalorizou testemunhos. Agora, quando Trump regressa triunfalmente à Casa Branca, descobrem-se documentos que confirmam o que muitos já sabiam.

É o mesmo padrão: o poder corrompe, protege os seus, e só ocasionalmente – quando já é tarde demais – a verdade vem à superfície. Quantos mais Jeffrey Epsteins andam por aí protegidos por redes de influência? Quantos mais crimes se cometem em nome da "razão de Estado"?

Montenegro a lotear o Banco de Portugal, Netanyahu a massacrar Gaza, Trump protegido nas suas ligações pedófilas – são manifestações da mesma doença: a convicção de que o poder dá direito a tudo, de que as regras são para os outros, de que a força faz o direito.

É esta mentalidade que corrói as democracias por dentro, que transforma instituições em feudos, que permite genocídios em nome da "segurança", que protege criminosos em nome da "estabilidade". E é contra esta lógica que temos de nos bater, dia após dia, porque quando o poder perde limites, todos perdemos.

A voracidade do poder sobrepõe-se a tudo o resto – à competência, à justiça, à própria humanidade. E enquanto não enfrentarmos esta realidade de frente, continuaremos reféns de quem vê o mundo como um bem pessoal a ser repartido entre amigos.

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