terça-feira, 17 de junho de 2025

Tóxicas consequências à vista

 

O governo de Luís Montenegro prepara-se para lançar um ataque sem precedentes aos pilares fundamentais do nosso Estado social: a Saúde e a Habitação. As medidas propostas beneficiam abertamente os interesses privados em detrimento dos cidadãos, avizinhando-se danosas consequências.

Na Saúde, assistimos a uma manobra que visa desmantelar o Serviço Nacional de Saúde (SNS) em favor dos hospitais privados. O governo quer-lhes conceder acesso às listas de espera de doentes a operar no SNS, permitindo-lhes escolher os casos que lhes dão mais lucro e menos trabalho, deixando os doentes mais complexos e dispendiosos para o já sobrecarregado sistema público. Estas operações serão pagas por todos os contribuintes, desviando recursos que deveriam ser aplicados no reforço do SNS para encher os bolsos de empresários da saúde. Isto não é complementaridade, é predação!

Na Habitação, a situação não é menos preocupante. Em vez de seguir as recomendações da Comissão Europeia por uma maior regulamentação do mercado de arrendamento, o governo de Luís Montenegro opta por dar mãos livres aos senhorios para continuarem a aumentar as rendas indiscriminadamente. Para agravar, os subsídios que o governo promete atribuir a uma minoria de inquilinos não servirão para aliviar a pressão, mas para serem embolsados pelos próprios senhorios, que verão os lucros aumentarem à custa do dinheiro de todos nós. Esta medida é um incentivo à especulação e uma afronta a quem luta para ter um teto sobre a cabeça.

Os eleitores que, de forma consciente ou inconsciente, reduziram as esquerdas a menos de um terço dos deputados no parlamento, verão em breve os efeitos pesados das suas más escolhas. A privatização da saúde e a desregulamentação da habitação não são soluções, são problemas que irão aprofundar as desigualdades, precarizar a vida de milhares de famílias e tornar Portugal um país onde o acesso a bens essenciais é um luxo para poucos. Afinal, por vezes, os povos precisam mesmo de provar o veneno cuja tampa abriram, para então, e só então, constatarem as suas tóxicas consequências. 

quarta-feira, 11 de junho de 2025

Sintomas inquietantes

 

Os acontecimentos dos últimos dias revelam a preocupante ascensão de ideologias autoritárias e fascistas a nível global. Não são incidentes isolados, mas manifestações de um padrão que exige a nossa atenção.

Em Lisboa, a agressão neonazi a atores da Barraca, que deixou um deles seriamente ferido, e os insultos racistas e xenófobos a Gouveia e Melo e ao Imã da Mesquita de Lisboa durante a manifestação do 10 de junho em Belém, demonstram a ousadia com que o ódio se manifesta publicamente. Se os defensores desses preconceitos se acoitavam na aparente passividade de não o demonstrarem aos olhos de todos parecem agora perder a vergonha e exibirem-nos na arrogância de quem já se sabe não tão isolado quanto antes se barricavam.

Nos EUA, o cenário em Los Angeles, com a polícia e a guarda nacional a realizar "caça ao imigrante" e a ameaça de prisão ao governador da Califórnia por se opor a Trump, evidencia uma escalada autoritária e o desrespeito pelos direitos humanos.

Por fim, o rapto dos tripulantes do barco de ajuda a Gaza, incluindo Greta Thunberg, sublinha a barbárie de um conflito onde, na Palestina, o fascismo adota o genocídio como estratégia.

Estes eventos, embora distintos, convergem para um alerta global: a normalização do discurso de ódio, a repressão e a desumanização são sinais inequívocos da sombra do fascismo. É crucial que a sociedade e as instituições reajam com firmeza, defendendo os pilares da liberdade e da dignidade humana. A complacência é um perigo para o futuro da nossa civilização. Importa que os bons e os muito bons se juntem aos imprescindíveis numa luta de que estes nunca abdicaram...

terça-feira, 10 de junho de 2025

Frivolidades em fim de ciclo

 

As celebrações do 10 de Junho, com a pompa habitual, trouxeram-nos este ano a condecoração de Ramalho Eanes. Para alguns o reconhecimento a um antigo Presidente, que lhes deu alento depois dos sustos do PREC. Ao invés esta notícia trouxe-me de volta o sentimento de profunda satisfação por nunca nele ter votado.

Lembro-me bem do tempo em que a escolha eleitoral cingiu-se a ele e ao "fascista de serviço" imposto pela direita da altura, na figura de Sá Carneiro, cuja morte abrupta marcou o final dessa campanha. Felizmente, o acaso quis que eu estivesse algures no meio do Índico, poupando-me àquela que teria sido, para mim, uma vergonha pessoal: pôr a cruzinha no quadrado do general de aparência pinochetiana.

Enquanto figura celebrada como suposto herói de Abril, a verdade é que Eanes era um notório spinolista. Longe do protagonismo e da importância de figuras como Otelo Saraiva de Carvalho, Salgueiro Maia ou Melo Antunes, esses sim verdadeiros heróis da Revolução, cujas ações e convicções moldaram um Portugal novo, Ramalho Eanes esforçou-se por devolver o país à elite exploradora . O seu papel, embora importante em momentos específicos, careceu da essência revolucionária e alinhamento com os ideais mais profundos de Abril que definem o verdadeiro heroísmo.

Desde então, o que sabemos de Eanes? Que é um homem honesto, sim, isso é inegável. Mas a honestidade, por si só, não apaga as marcas ideológicas. A sua trajetória posterior, nomeadamente a ligação académica a uma universidade sabidamente conotada com a Opus Dei, veio apenas confirmar a sua orientação conservadora. E ao longo dos anos, ele tem sido um apoiante consistente daqueles que as direitas designam como seus "títeres" nas estratégias políticas, reforçando essa perceção de alinhamento.

Por tudo isto, a medalha concedida por Marcelo Rebelo de Sousa neste 10 de Junho não é mais do que o esplendor daquilo a que um primo meu, com a sua sabedoria popular, costuma chamar de "cagança". Uma demonstração de ostentação, de validação de narrativas que nada têm a ver com o verdadeiro espírito de Abril e com os valores que deveriam ser celebrados. É uma homenagem que sublinha a persistência de certas leituras da História que continuam a ofuscar a memória dos que, de facto, arriscaram tudo por um Portugal mais livre e justo. 

segunda-feira, 9 de junho de 2025

Os Cavaleiros do "Ni!" da Política Portuguesa

 

No cinema, Monty Python e o Cálice Sagrado apresentou-nos a figura inesquecível do Cavaleiro do Ni!. Este guerreiro, com armadura intimidante e palavra-chave assustadora – "Ni!" – representava a irracionalidade do poder, a imposição de vontades absurdas e a incapacidade em aceitar a realidade fora do seu pequeno e autoproclamado domínio. Ele exigia sacrifícios ridículos e bloqueava o caminho de qualquer um que não se submetesse aos caprichos mais banais. A sua força não vinha da lógica ou da razão, mas da intimidação e repetição exaustiva de uma ordem sem sentido.

Ora, é tentador olhar para o cenário político português e ver ecos desta figura imponente. O governo de Luís Montenegro, e do seu braço-direito, Martins Sarmento, parece, por vezes, encarnar esta mesma obstinação. Lembram-se do Cavaleiro do Ni! a insistir que o seu arbusto não era suficientemente "belo"? Pois bem, o governo parece fazer algo semelhante com as previsões económicas.

Enquanto a maioria das instituições – o Banco de Portugal, a Comissão Europeia, a OCDE – grita a plenos pulmões "Ni! Ni! Ni!" (que, neste caso, se traduz em "menos crescimento", "possível défice" e "cautela"), o governo parece manter-se firme, qual Cavaleiro do Ni! inabalável. É quase como se dissessem: "As nossas previsões são as corretas! As vossas não são 'belas' o suficiente!". A insistência num otimismo cada vez mais isolado no panorama das projeções económicas faz-nos questionar se não estamos perante uma nova versão do personagem com a realidade moldada à medida das convicções, independentemente dos factos.

Montenegro e Martins Sarmento, cada um à sua maneira, exibem essa convicção férrea. Enquanto os indicadores externos se acumulam e apontam para um abrandamento, a resposta do governo parece ser a de exigir que a economia "traga um arbusto mais bonito", ou seja, que se alinhe com as suas visões mais cor-de-rosa. A cada revisão em baixa das projeções por parte de entidades externas, parece surgir uma nova e mais sonora proclamação de "Ni!" por parte do executivo, como se a simples repetição garantisse a materialização da sua própria versão da realidade.

É uma dança peculiar, onde o governo tenta, à semelhança do Cavaleiro do Ni!, impor a sua narrativa através da pura e simples repetição, esperando que o mundo se curve às suas exigências, por mais descabidas que possam parecer aos olhos dos "observadores externos". Resta saber quanto tempo esta tática de "Ni!" conseguirá iludis os crédulos perante a inevitável chegada de um coelhinho assassino... ou, neste caso, da crueza dos números.

quarta-feira, 4 de junho de 2025

O Futuro Segue Dentro de Momentos

 

Gramsci, na análise sobre a crise do seu tempo, descreveu-a como um período de interregno: "o velho morre e o novo não pode nascer; neste interregno, surgem os mais variados fenómenos mórbidos." Essa definição ecoa com a conjuntura política e socioeconómica global atual, particularmente quando a observamos através de uma lente ecossocialista. O velho sistema capitalista, nas suas contradições internas e intrínseca incapacidade de lidar com a crise ecológica e social, está em processo de falência, enquanto um novo paradigma – o da justiça social e ambiental – ainda luta para se afirmar e consolidar.

Nos Estados Unidos, a deceção com a administração de Donald Trump é um exemplo desta fase. Muitos dos que nele depositaram a confiança, iludidos por uma retórica que prometia um regresso a um passado idealizado – sem tocar nas estruturas sistémicas da acumulação capitalista –, veem agora as condições de vida agravadas. As sondagens refletem essa insatisfação, posicionando-o entre os presidentes com maior rejeição num curto espaço de tempo. Este cenário ilustra a falácia de se acreditar que figuras populistas, mesmo que radicais na forma, podem resolver problemas que são estruturais, sem confrontar a lógica da acumulação capitalista que os engendra.

Apesar da recente vitória de um político de extrema-direita na Polónia, este resultado não deve ser interpretado como sinal de força inabalável para esses movimentos. Pelo contrário, pode reforçar a ideia de que a alternativa à atual crise não reside na "moleza" de um centro político neoliberal, personificado por figuras como Tusk – que perpetuam a lógica do status quo –, mas na emergência de líderes e movimentos que apresentem soluções verdadeiramente sistémicas e transformadoras. A agenda ecossocialista, que une a luta pela justiça social ao imperativo da sustentabilidade ambiental, emerge como a única via capaz de construir um futuro que não seja apenas diferente, mas intrinsecamente mais justo e equitativo.

A possível decadência das direitas extremas começa a dar sinais, como o demonstra a demissão dos correligionários de Wilders do governo dos Países Baixos. Enquanto força de protesto, esses movimentos conseguem seduzir os que se iludem com "pensamentos mágicos", prometendo soluções simplistas e reacionárias para problemas complexos. No entanto, uma vez chegados ao poder e confrontando-se com a realidade da governação – sem propor uma rutura com as bases do sistema –, a fragilidade das suas propostas torna-se evidente. A queda nas sondagens é quase inevitável. Isso demonstra uma verdade fundamental, que o ecossocialismo sublinha: embora possam funcionar como panfletários dos descontentamentos sociais e da frustração causada pelo capitalismo, os movimentos de extrema-direita não constituem uma solução quando importa dar respostas genuínas e sustentáveis aos desafios que a sociedade enfrenta, especialmente os ligados à crise ecológica e à crescente desigualdade social. A verdadeira mudança virá de uma transformação profunda das relações de produção e consumo, e não de meros paliativos ou regressões autoritárias.

terça-feira, 3 de junho de 2025

O Circo dos Egos e a Ausência de um Líder Genuíno

 

Após um presidente, Marcelo Rebelo de Sousa, apostado em cumprir a nunca confessada missão de desmantelar a esquerda em Portugal, e os socialistas em particular, o que nos resta é um rol de candidatos à sua sucessão que, mais do que a um propósito nacional, parecem servir os seus egos inflacionados.

Comecemos por Marques Mendes, invariável alvo de troça pela falta de imponência física. Foi evidente a vontade de vencer o complexo de inferioridade com uma bem-sucedida carreira de lobista judicial, agora tentada pela ambição de se tornar no “presidente da junta” em que se converteu este país tacanho depois das mais recentes legislativas.

Teremos também António José Seguro, aquele que foi preterido pelos camaradas de partido a pretexto da "moleza" para com o governo de Passos Coelho. Mais do que a vocação para contemporizar, é a fraqueza ideológica que o torna risível nesta pífia tentativa de redenção.

Pensemos depois em Rui Rio, anunciado mandatário de Gouveia e Melo. É um óbvio desafio à escolha do partido, que o preteriu em favor de Luís Montenegro. Com o seu estilo peculiar e por vezes enigmático, mas sempre narcísico, parece sempre pronto a abanar as estruturas, mesmo que à distância.

E, por fim, o ex-almirante com o ego complexado a operar em sentido contrário, ao julgar-se possuidor de capacidades e competências muito acima das que verdadeiramente possui. É o tipo de figura que nos faz questionar se a autoilusão não será, afinal, um dos maiores defeitos em política.

Até agora, para quem é de esquerda e não se quer ver associado aos défices de personalidade destes presumíveis candidatos, não há um nome aceitável. É frustrante constatar que, depois de ter perdido tão injustamente para Marcelo um cargo para o qual estava particularmente talhado, Sampaio da Nóvoa não tenha ainda reafirmado a sua presença. A esperança é que se volte a apresentar à disputa, ou surja alguém que se lhe assemelhe nas qualidades e esteja isento dos reconhecíveis defeitos que assombram os candidatos já assumidos. Afinal, precisamos de líderes, não de quem se serve da política para curar os seus feridos egos.