segunda-feira, 20 de outubro de 2025

Burkas e fiascos à vista

 

A recente aprovação da lei que proíbe o uso de burqas no espaço público é uma questão falsa, chamada à colação pelo Chega para avivar a agenda mediática depois dos medíocres resultados nas autárquicas. A lei é desproporcional e hipócrita, aplicada a um número ínfimo de mulheres em Portugal, sem representar qualquer ameaça à segurança. A verdadeira motivação não é proteger direitos, mas demonizar uma comunidade.

Paulo Raimundo tem razão quando alerta para a coincidência desta proposta na mesma sessão em que toda a direita se associou para reduzir os impostos aos grandes grupos económicos. Milhões de euros que embolsam, e tão necessários seriam para ajudar a resolverem os principais problemas do país: a saúde, a habitação e o empoderamento do emprego na administração pública, hoje tão carecida de jovens quadros para se modernizar e tornar mais eficaz.

Enquanto isto, o governo prevê um aumento no peso dos impostos indiretos, que pode atingir 53,5% da receita fiscal em 2026. Esta estrutura tributária é regressiva, afetando mais as famílias de baixa renda. Ou seja: aliviam os ricos, mas continuam a apertar os pobres através de uma carga fiscal indireta cada vez mais pesada.

Sobre o Orçamento de Estado para 2026, o Conselho das Finanças Públicas desmontou o pensamento mágico do ministro Sarmento com argumentos que denunciam a sua mais que provada incompetência para o cargo que exerce. O "Centeno do PSD" é uma patética caricatura do original.

O CFP alerta para a possibilidade de sobrestimação da economia. A criação de emprego está em risco, afetando o consumo privado e a atividade empresarial. A previsão de crescimento do PIB de 2,3% para 2026, com uma inversão da relação histórica entre emprego e produtividade, é considerada imprudente, bastando atender ao sucedido na década entre 2014 e 2024, quando o emprego contribuiu com 1,6% para o crescimento médio anual do PIB, enquanto a produtividade apenas garantiu 0,5%. Inverter esta tendência num ano é, no mínimo, wishful thinking.

A deterioração do mercado de trabalho é identificada como o maior risco para a economia portuguesa. O Governo aposta na execução do PRR para estimular o investimento, mas a abordagem resume-se a gastar até ao último cêntimo disponível e reciclar subvenções não utilizadas. A quantidade de incentivos públicos é vasta, mas a eficácia na promoção de uma economia mais produtiva é duvidosa.

Por fim só posso lamentar o apoio do Partido Socialista a António José Seguro nas eleições presidenciais. Será mais uma derrota política a associar às mais recentes. Como diz Pacheco Pereira, "ser mole é o pior que há. Porque a moleza não cria empatia em ninguém". Se a "abstenção violenta" de Seguro era paradigma dessa moleza, a "abstenção exigente" de José Luís Carneiro segue-lhe as pisadas. Não trazendo este capítulo da sua História nada de novo, espera-se que, com outra liderança, o PS volte à matriz que, programaticamente, deve ser a sua: Socialista com maiúscula, sem vergonha de o ser. 

quarta-feira, 15 de outubro de 2025

Mudanças na continuidade

 

Há uma década atrás, António José Seguro propunha uma "abstenção violenta" para com o Orçamento de Estado de Passos Coelho. Para com o de Montenegro, José Luís Carneiro aposta numa "abstenção exigente".

Convenhamos que a lógica de complacência com um documento que nada resolve quanto aos grandes problemas nacionais - a saúde, a habitação, a educação e a inflação - e privilegia despudoradamente o interesse dos patrões em detrimento de quem trabalha, é a continuidade de uma linha de atuação contrária à que conviria assumir. Sobretudo dado o quase certo protagonismo da extrema-direita, por um lado, e dos comunistas pelo outro, quando o descontentamento suceder à abulia em que a população caiu, dirigindo culpas na direção errada.

Por muito que António Costa, com os seus erros de cálculo, se tenha posto a jeito para fazer do PS o mau da fita quanto à autoria da dissonância entre a vontade de boa vida e a difícil sobrevivência em que tantos se procuram salvaguardar, a estratégia de Carneiro só agrava o problema.

Pena é que Pedro Nuno Santos tenha vindo à ribalta antes de tempo. O líder socialista capaz de devolver o poder às esquerdas será quem o imitar na determinação firme contra as malfeitorias de quem anda por agora a (des)governar.

Não me identifico igualmente, e por razões óbvias, com a indicação do PS para se votar em António José Seguro nas presidenciais. Não só pelo que revelou quando foi líder do partido, mas sobretudo porque, tíbio nas convicções, não será ele a dissolver a Assembleia quando a crescente contestação social o exigir.

A contragosto, porque preferia depositar o voto noutro candidato que não avançou com a sua candidatura, lá terei de dar a confiança ao Almirante. Este não me deixa dúvidas sobre qual será a sua posição se se confirmar a incompetência do atual governo para manter as tais contas certas e continuar o agravamento das principais frustrações do eleitorado quanto às suas aspirações a um futuro melhor.

Raquel Varela - agora afastada da televisão pública onde era uma das mais interessantes comentadoras - sofrendo o mesmo saneamento também estendido a Ana Drago ou Paulo Pedroso! -, arrisca-se a ser uma espécie de Cassandra contemporânea. Veemente na defesa da sua perspetiva quanto ao futuro, não consegue ser ouvida por quem lhe deveria, de facto, dar atenção. Arrisca-se a ver avançar as piores expectativas sociais e políticas, que poderiam ser mais atempadamente evitadas acaso se antecipassem as suas sugeridas soluções.

segunda-feira, 13 de outubro de 2025

Entre a toalha no chão e o rio a extravasar

 

Agora que as eleições autárquicas vieram - sobretudo! -, confirmar o quanto o Chega é um partido de um homem só, olho para os resultados menos maus do PS e reitero o que, desde o início do consulado de José Luís Carneiro, me tem sugerido. Apesar de lhe admirar o voluntarismo com que se dedicou à campanha eleitoral, percorrendo o país de norte a sul, ilhas incluídas, para agitar o eleitorado cujo apoio António Costa tão levianamente desperdiçou, ele não corresponde ao que o partido e o país precisam. Se ainda não repetiu a ladainha de António José Seguro quanto à "abstenção violenta", a vontade de se fazer interlocutor de Montenegro tem sido patética, dadas as ofensas e as mentiras que este tem, sucessivamente, lançado contra quem poderia ser-lhe interlocutor com mais respeitosa cordialidade.

Montenegro julga-se autossuficiente na minoria parlamentar em que assenta o seu poder, fiado no facto de não haver dissolução à vista nos próximos meses. E por isso dá-se ao luxo de propor um Orçamento de Estado em que as reduções de impostos para os patrões são triplas das propostas para quem trabalha, avisando de seguida não ter margem para negociar o que quer que seja quanto ao seu conteúdo.

Perante esta perspetiva, o secretário-geral do PS lança a toalha ao chão e diz-se disposto a viabilizar um documento que prossegue a destruição do Serviço Nacional de Saúde, nada resolve quanto à crise da habitação e pressupõe a transfiguração das leis laborais de forma a acentuar a precarização de quem ansiaria por assentar o futuro em bases sólidas para consolidar os seus projetos familiares.

Não admira que já se perspetive um movimento social significativo de contestação nas ruas. E o Partido Comunista, que validou nas municipais a tese de melhor lhe valer a corrida na própria pista para recuperar o apoio junto dos mais desfavorecidos, terá nessa estratégia a razão de ser do ansiado ressurgimento.

Que fará então o PS quando a inflação crescente - agudizada pela transferência de verbas para as empresas do complexo militar trumpista - der vontade a multidões crescentes de se manifestarem? Apanha a boleia, tarde e a más horas, ou persiste em estender a mão a um Montenegro para quem a Spinumviva será apenas um parafuso a emperrar uma engrenagem cujo imerecido fulgor se bastará por esta noite eleitoral?

O transitório primeiro-ministro estará agora a dormir sob a esperança de escapar ao garrote que lhe lançam quem secunda a bicéfala ameaça representada por Ventura e Passos Coelho, que trabalham para, vinda essa fase de revolta social, seja a solução musculada a conter um rio que tende a extravasar do leito. Um rio que trará de volta as soluções de esquerda por ora esquecidas por quem as deveria estar a preparar para melhor as liderar. E se Carneiro não tem o perfil necessário para essa missão, Pedro Nuno Santos surgiu demasiado cedo para credibilizar-se como seu condutor. Venha então quem possa encarná-la com outro dinamismo, seja ele Duarte Cordeiro, Miguel Pratas Roque ou quem seja capaz de devolver o PS àquilo que ele deve ser: socialista, de facto!!

segunda-feira, 6 de outubro de 2025

Sobre a seletividade do zelo investigativo

 

Tem sido instrutivo observar o fervor com que certas instituições de justiça se entregam a determinadas investigações. A recente revelação de que o Ministério Público manteve o juiz Ivo Rosa sob vigilância durante três anos, sem encontrar qualquer fundamento para acusação, junta-se a um padrão já conhecido: João Galamba, José Sócrates, tantos outros casos em que a suspeição parece preceder a investigação, em que o estardalhaço mediático substitui a prova.

Não se trata apenas de erros ou excessos pontuais. Trata-se de uma estratégia que escolhe alvos com critério político, que mobiliza recursos do Estado para perseguir quem não convém, enquanto outros setores da vida pública parecem gozar de uma imunidade curiosa. A pergunta que se impõe é simples: onde está este mesmo zelo investigativo quando se trata de outros protagonistas da cena política?

Permitam-me então uma sugestão ao Ministério Público, já que parecem tão dedicados a escutas, vigilâncias e escrutínios minuciosos: porque não aplicam a mesma diligência ao universo do Chega? Se colocassem todos os eleitos, financiadores e apoiantes desse partido sob o mesmo escrutínio que dispensaram ao juiz Ivo Rosa ou a João Galamba, as probabilidades de encontrarem matéria noticiosa seriam, no mínimo, interessantes. Talvez até aparecessem como heróis todos os dias, com um ou mais casos por dia.

Não é preciso ser particularmente perspicaz para perceber que um partido nascido do nada, crescido à boleia do ódio e da demagogia, financiado sabe-se lá como, abrigando figuras com passados mais que duvidosos, oferece um campo fértil para investigação. As ligações financeiras opacas, os discursos que roçam (quando não ultrapassam) os limites da incitação ao ódio, os episódios de violência envolvendo militantes, as suspeitas de enriquecimento ilícito - tudo isto está à vista de quem quiser ver.

Mas, curiosamente, não se vê o mesmo empenho. Não se veem operações mediáticas, escutas tornadas públicas, investigações prolongadas. A justiça, que se quer cega e imparcial, parece ter uma visão seletiva notável. Vê muito bem para um lado, mantém-se estranhamente míope para outro.

O que nos devolve à questão central: o Ministério Público, e o sistema judicial em geral, serve para combater o crime e a corrupção, ou serve para controlar politicamente quem não se alinha com determinados interesses? Quando Pedro Marques Lopes afirma que a Pide ressurgiu e tem no Ministério Público o seu feudo, não está a fazer retórica vazia. Está a nomear uma realidade que se vai tornando cada vez mais evidente: a instrumentalização da justiça como arma política.

Portanto, aqui fica o desafio: se querem mesmo aparecer como heróis impolutos na luta contra o crime e a corrupção, façam um pequenino esforço. Coloquem atrás das grades o magote de meliantes que se esconde no partido de André Ventura. Apliquem aos que esbracejam contra imigrantes, ciganos e minorias o mesmo rigor que aplicam aos que ousam governar pela esquerda.

Ou então tenham, pelo menos, a honestidade de assumir que a balança da justiça tem pesos diferentes conforme quem está em cada prato. 

domingo, 5 de outubro de 2025

Coragem contra a mediocridade instalada

 

Nestes dias em que as televisões acumulam comentários acintosos de gente medíocre sobre a coragem dos que navegaram até Gaza para melhor expor o genocídio ali em curso, outros exemplos de bravura merecem a minha atenção.

O filme “White Man Walking”, de Rob Bliss e Denise Alder, explicita a enorme ousadia de um homem branco capaz de caminhar milhares de quilómetros a pé pelo sul profundo dos Estados Unidos com uma t-shirt a dizer Black Lives Matter.

A sua marcha é uma experiência profundamente humana — uma forma de resistência ética e cívica num território ainda marcado pelas sombras da escravatura, dos linchamentos e da segregação. O percurso, filmado com sobriedade e sem dramatismo gratuito, expõe o nervo vivo de uma América partida, onde o simples ato de proclamar que “vidas negras importam” continua a ser, em muitos lugares, uma provocação intolerável.

Ao longo da viagem, Bliss é alvo de insultos, ameaças e olhares carregados de ódio. As câmaras registam o desconforto de quem o encara como traidor — um homem branco que ousa tomar o partido da dignidade negra. Num dos momentos mais tensos, ele é interpelado à porta de uma casa: a conversa, que começa com aparente civilidade, degenera em agressividade aberta. “Ou o senhor vai embora, ou eu trato disso”, lança o dono do alpendre. Bliss permanece imóvel, não por temeridade, mas por convicção.

Noutra cena, talvez a mais simbólica, ele senta-se ao lado de uma estátua confederada, enrolando à volta da base uma faixa com uma citação racista do vice-presidente da Confederação. A certa altura, murmura: “I could die today.” A imagem condensa o paradoxo de toda a sua jornada — a vulnerabilidade de um corpo solitário e o peso de uma causa que o transcende.

Há também momentos de encontro e de empatia: uma conversa serena com um padre em Kentucky, que lhe fala de penitência e peregrinação; breves gestos de solidariedade vindos de estranhos que lhe oferecem água ou palavras de encorajamento; o cansaço físico que vai transformando a caminhada numa metáfora de resistência moral.

O filme não é apenas um retrato do racismo americano — é um espelho cruel do nosso tempo. Porque, neste primeiro quartel do século XXI, depois do choque do covid, quando muitos acreditavam que a humanidade tinha aprendido alguma lição de interdependência e empatia, o que se revela é outra coisa: o medo do outro permanece, o preconceito resiste, e o racismo volta a envenenar corações e discursos, tanto na América como na Europa.

White Man Walking é, assim, mais do que um documentário sobre um homem e o seu cartaz. É um manifesto inquietante de que o caminho da consciência humana — o verdadeiro — ainda está por fazer, e que cada passo nesse percurso exige a coragem de enfrentar o ódio com a simples, perigosa palavra: justiça. 

sexta-feira, 3 de outubro de 2025

A cobardia dos comentadeiros

 


Tem sido necessária muita coragem para participar na flotilha que foi demonstrar, até perto das águas de Gaza, o quão hediondo é o comportamento do governo de Israel. Daí que só me apeteça proferir alvares insultos aos comentadores televisivos que andam a ser pagos para difamar quem tem mais dignidade num pingo vermelho do seu sangue do que eles na totalidade do seu conspurcado sistema circulatório.

Porque quem classifica de circo ou invoca os custos da deportação de Mariana Mortágua, Sofia Aparício, Miguel Duarte e Diogo Chaves, só pode ser um cobarde que nunca se disporia a dar a vida, se necessário, por uma causa justa. E, ao contrário do que chegam a dizer, não é conivente com o Hamas quem está, neste momento, preso num cárcere sionista. Ao invés esses comentadores são decerto cúmplices do massacre em curso contra o povo palestiniano.

Claro que o (des)governo de Montenegro faz o expectável, ou seja, participa no lodaçal desses comentários que visam ilibar os criminosos e esconder o sofrimento das vítimas. Nuno Melo é igual a si mesmo, ou seja,  a asquerosa criatura que abre a boca para dizer enormidades. E Paulo Rangel não lhe fica atrás elogiando o profissionalismo dos que atacaram a flotilha em águas internacionais - só isso mereceria mais do que uma condenação verbal! - e aprisionaram os seus concidadãos.

Apeteceria dizer "Shame on you!", mas esta gente que Marcelo alcandorou ao poder não tem vergonha em nada do que diz ou faz.

E sobra depois o plano de Trump e Blair - olha que dois! Procurando viabilizar a Riviera à beira do Mediterrâneo, querem inviabilizar de vez o Estado palestiniano e diabolizar uma vez mais quem soma milhares de mortes no seu reduto.

Pobre Palestina, que sofre o genocídio às mãos de quem nada aprendeu com o martírio dos seus antepassados.

 

Por falar em (des)governo há ainda o caso de Montenegro a congratular-se com os elogios supostamente recebidos pela primeira-ministra dinamarquesa a propósito da recente lei da imigração.

De repente lembrei-me do saudoso “Pão com Manteiga” de Carlos Cruz, António Macedo, Mário Zambujal e mais uns quantos amigos, que davam tanto colorido a umas quantas manhãs radiofónicas de algumas décadas atrás. De memória lembro uma frase, que se ajusta como uma luva ao senhor Spinumviva: “elogio em causa própria é vitupério!.”

Ora, nem mais...

 

E, a acabar em questão de barca à deriva eis a inaudita notícia do Ministério Público ter andado a vigiar o juiz Ivo Rosa durante três para o tentar inculpar de algo para que não encontrou fundamento e por isso deu por arquivada a sórdida atividade.

Não eram precisa mais provas depois de tudo quanto aconteceu nos casos Casa Pia, Sócrates ou Galamba: como muito bem afirmou Pedro Marques Lopes, a Pide ressurgiu e tem no ministério publico o seu feudo...

segunda-feira, 29 de setembro de 2025

Um pequeno esforço para precipitar o que a História exige

 

Nos últimos dias tenho-me cruzado, em cafés e centros comerciais, com quem se faz acompanhar do calhamaço do jornalista Miguel Carvalho dedicado ao Chega. Prova insofismável de não faltar gente determinada a erradicar um fenómeno social e político que quase tudo deve aos jornais, às televisões e redes sociais, mas nem por isso se livra de juntar quanto de pior existe na sociedade lusa.

Há quem entenda que os sucessivos episódios envolvendo tal gente não afetam o crescimento imparável desse partido, mas quero manter-me otimista. O copo vai enchendo com tanto que denunciar, até que uma mera gota, porventura nem tão grave quanto as pedofilias, os roubos e outros casos de polícia, acabará por o extravasar. Remeterá essa camada para a mesma "maioria silenciosa" acossada há 51 anos e, por muito tempo, envergonhada em evidenciar a sua índole.

Bom seria, porém, que as esquerdas saíssem da sua passividade. Compreendessem porque muitos dos seus simpatizantes se deixaram inocular com o veneno da serpente e, sobretudo, os jovens o ingeriram sem pensarem sequer nas consequências do estúpido credo na falência do ambicioso futuro a que aspiram.

Em suma, a serpente acabará por morder a língua e envenenar-se a si mesma. Mas cabe às esquerdas encontrarem formas inovadoras de apressarem esse momento.

 

domingo, 28 de setembro de 2025

Montenegrices e marcelices

 

Os canais do costume deram importância, sem verdadeiramente a denunciar, à mentira descarada de Montenegro ao insinuar mais do que coincidência entre a concomitância das eleições e o pedido pelos procuradores de mais informações sobre o caso Spinumviva.

É evidente o comportamento mais do que suspeito do primeiro-ministro quanto à acumulação de rendimentos inerentes à sua função com as avenças dos negócios particulares. Só espanta a demora com que o ministério público, sempre conivente com as direitas, em usar o fator tempo para mascarar o melhor possível essa evidência.

Igualmente mais do que comprovada, a incompetência de Ana Paula Martins para o cargo de ministra da saúde. Já se somam tantas mortes, tantos nascimentos de bebés em ambulâncias ou fecho de urgências hospitalares, que impressiona a leviandade com que quem nela manda não a remete à procedência. E, sobretudo, a duplicidade de Marcelo, que venenoso em circunstâncias muito menos graves relacionadas com ministros socialistas, mas agora de uma escandalosa complacência com quem é da sua cor política.

sábado, 27 de setembro de 2025

Aqui ao lado dá-se a receita certa

 

A ser verdadeira a manchete do Expresso, só confirma a razão porque não me identifico com a linha orientadora da atual direção do meu partido ao estender a mão ao governo no que ele vai tendo dificuldade em aprovar. Em vez de contrariar a política anti-imigrantes e deixá-lo no labirinto em que se enredou no namoro com o Chega, José Luís Carneiro entende judiciosa a estratégia de fazer um favor a Montenegro. Na mesma semana em que este virou costas a uma prática sempre seguida nos dois partidos do bloco central: fazer com que o secretário-geral do PS soubesse pelos jornais quem o governo acaba de nomear para a liderança das secretas.

A complacência da direção do Partido Socialista com as políticas de Montenegro lembra-me a dolorosa fase em que vi António José Seguro ter essa mesma estratégia para com Passos Coelho, apesar de todas as malfeitorias que esse malfadado desgoverno concretizara até então. Daí o entusiasmo com que eu e a Elza nos lançámos na época a militar junto de muitos outros camaradas para ver António Costa alterar o estado das coisas e encetar o que parecia ser um futuro melhor sob a égide da dita Geringonça.

Que Costa desmereceu a confiança nele então depositada é um facto. Vai-se confirmando pelo seu comportamento atual à frente de uma União Europeia à deriva entre os caprichos de Trump e as perversas estratégias de Putin. Se Ursula Van der Leyen é uma figura patética à frente da Comissão Europeia, não se vê António Costa dar alguma lucidez a uma atuação política que outros bonifrates - Macron, Merz, Karmer - vão personificando.

Pedro Sánchez, apesar de muito atacado, inclusive pelo poder judicial que replica a sanha conspirativa antissocialista dos seus lusos representantes, é o único a remar contra a corrente. Mostra qual o caminho: firmeza contra a tentação para ser frouxo, manter uma frente unida à esquerda contra as direitas que começam a esvaziar do inchamento eleitoral que, qual o sapo da fábula, fizeram-nas pensar na miragem de se tornarem tão imponentes como os enferrujados touros dos anúncios ainda espalhados pelos campos de Castela. O futuro das esquerdas está em juntarem forças numa luta determinada e constante contra as direitas apostadas em só governarem para os que já comem tudo e não deixam nada...

sexta-feira, 26 de setembro de 2025

Enquanto esperamos por tempos melhores

 

Ligo a televisão e ainda passam extratos do debate parlamentar de ontem. De um lado o primeiro-ministro enfiado num fato demasiado largo para as exíguas capacidades que demonstra. Do outro o demagogo da extrema-direita, recorrendo ao estafado papão dos imigrantes para justificar o tom exaltado com que vai enganando os seus crédulos seguidores.

Contraria-os uma esquerda minguada, tendo a liderar o seu maior partido quem, ao jeito de um sacristão provinciano, vai proferindo umas verdades sem carisma nem consistência ideológica por não demonstrar onde está situada a raiz de todos os males: neste capitalismo serôdio que teima em reinventar-se.

Agora fá-lo por conta dos donos das ferramentas algorítmicas. Estes alteram a visão cognitiva dos que, à luz da interpretação marxista, não deixam de ser os explorados, desejosos de aceder aos padrões de vida dos multimilionários sem entenderem quão fúteis são as miragens com que se deixam guiar pelos seus desertos pessoais.

Este cenário de mediocridade generalizada encontra eco na própria instrumentalização do sistema. No entretanto, e com o espalhafato do costume, o ministério público e a judiciária fizeram uma operação mediática para voltar a comprometer Pedro Nuno Santos com a requentada novela sobre a indemnização atribuída a uma antiga administradora da TAP, quando era ministro.

Quase por certo a ação em nada resultará. Mas a direita, que parece dominar essas instituições de "justiça", consegue o mais importante: desviar as atenções do caso Spinumviva, que compromete seriamente o primeiro-ministro, atirando com mais uma cortina de fumo, esperarão, porventura, armar confusão bastante para livrar Luís Montenegro da encrenca em que se vê.

O despudor marca toda esta governação. Tem sido essa a marca de Carlos Moedas que, sem obra própria para mostrar em Lisboa, faz suas as muitas recebidas em andamento da gestão camarária de Fernando Medina, publicitando-as como suas. E o  mesmo faz Montenegro com as contas públicas: tratou de correr do Banco de Portugal com quem a conseguiu, Mário Centeno, substituindo-o pelo cromo dos pastéis de nata, mas, nos discursos para supostos investidores internacionais, louva essa realidade como se para ela tivesse aplicado prego e estopa. Sabendo-se, ao mesmo tempo, que o Conselho das Finanças Públicas já dá como certo o regresso aos défices como corolário da ação incompetente de Miranda Sarmento.

Entretanto, notícias de drones a sobrevoarem os céus dinamarqueses dão óleo à histérica fogueira ateada pelos prosélitos da guerra anti russa. Diabolizam Putin e olham para a guerra na Ucrânia com o maniqueísmo primário de quem só vê virtudes num lado escusando-se a entender os argumentos do outro. Há muito que entendo o regime putinista como representação de uma direita mafiosa, mas erguer altares para tecer loas ao palhaço de Kiev é mais do que injustificado. Além das mais que ambíguas credenciais democráticas, a corte que o rodeia vai dando exemplos flagrantes de uma cultura de corrupção ao nível do que se pratica no lado contrário.

 

Somos espiados sem o sabermos

 

Um documentário no canal Arte - "Pegasus, um espião no seu bolso" de Anne Poiret - volta a trazer-nos o escândalo sobre uma tecnologia de ciberespionagem israelita, que tinha, entre os seus alvos, abrangido o próprio telemóvel de Emmanuel Macron.

Extrapolando para os crimes agora em curso em Gaza e na Cisjordânia, com expressão noutros países vizinhos do Estado genocida, demonstra-se o perigo deste tipo de tecnologia, que Edward Snowden avisa não ser exclusivo dos israelitas e poderá atualmente afetar muitos milhões de pessoas sujeitas a vigilância clandestina, incluindo quem escreve e quem lê este mesmo texto.

O filme não se limita a expor o software, criado pela empresa israelita NSO Group, mas revela os rostos e as histórias por trás da espionagem. O caso do jornalista Jamal Khashoggi, brutalmente assassinado depois de ter sido monitorizado por esta tecnologia, é um dos exemplos mais arrepiantes da forma como a ciberespionagem é um instrumento de repressão. O documentário mostra ainda como o Pegasus foi usado contra uma princesa árabe, raptada quando tentava fugir para o ocidente, e foi a ferramenta de vigilância de governos em países como o Azerbaijão, o México ou o Ruanda, onde a liberdade de expressão é uma miragem.

A ligação entre a NSO e o governo israelita é a chave para entender esta ameaça. A empresa, que se define como "líder em segurança cibernética", só pode exportar o seu produto com a aprovação do Estado de Israel. Esta autorização oficial transforma uma ferramenta de vigilância, apresentada como uma arma de combate ao terrorismo, num produto de comércio global, vendido a governos autoritários que usam-na para calar dissidentes, perseguir jornalistas e intimidar ativistas de direitos humanos.

Assim, o perigo que o filme revela ultrapassa o controlo de um governo isolado. Demonstra que a tecnologia, longe de ser um instrumento neutro, é uma arma de poder que, uma vez disseminada, coloca a privacidade, a liberdade de expressão e a segurança pessoal à mercê de forças que operam nas sombras. O que antes era um ato de paranoia, como proteger o telemóvel do mundo exterior, torna-se uma necessidade de sobrevivência, um passo crucial para quem recusa ser uma simples peça num xadrez de vigilância global. 

domingo, 14 de setembro de 2025

O Ricochete da Incompetência

 

Cem dias de governo de Luís Montenegro bastaram para confirmar o que muitos já suspeitavam: as direitas portuguesas não têm ponta por onde se lhes pegue. Os principais problemas que os governos de António Costa não tinham conseguido resolver – na saúde, na habitação, na educação – não só se mantêm como estão visivelmente piores. E se a competência dos ministros socialistas nunca esteve verdadeiramente em causa, a indigência atroz dos atuais titulares das pastas é de tal ordem que faz ter saudades até dos tempos mais conturbados da anterior governação.

Esta realidade expõe a natureza profundamente cínica da operação que levou à queda do governo socialista. Ano e meio depois da conjura judicial com origem na Procuradoria-Geral da República – apoiada por Marcelo e por uma imprensa abocanhada pelo grande capital –, os autores da façanha começam a deparar-se com o ricochete da sua estratégia golpista. Porque uma coisa é derrubar um governo, outra muito diferente é ter algo para pôr no seu lugar.

À semelhança do que Carlos Moedas faz em Lisboa, Montenegro tenta iludir os incautos com paliativos enganadores, como os recentes benefícios atribuídos aos reformados. São migalhas lançadas na expectativa de aguentar mais uns tempos nos cargos e beneficiar a sua base social de apoio, particularmente através de uma legislação laboral a contento dos patrões. Mas esta estratégia pode trazer-lhes grandes dissabores se os sindicatos da CGTP e da UGT se unirem num grande movimento grevista com potencial para pôr a andar a ministra do Trabalho.

O problema das direitas portuguesas é estrutural: não têm visão de futuro para o país, enredam-se nas suas próprias intrigas e não transmitem a mínima confiança a quem anseia por um país mais próspero e justo. Limitam-se a gerir o dia-a-dia com expedientes e a distribuir benesses pelos seus apoiantes, enquanto os problemas reais se agravam.

Esta incompetência não é casual – é o resultado lógico de uma mentalidade que vê a política como oportunidade de negócio e não como serviço público. Quando se chega ao poder através de expedientes judiciais e mediáticos em vez de propostas consistentes, o resultado só pode ser a mediocridade que agora se exibe sem pudor.

Enquanto em Portugal assistimos a este espetáculo deprimente, outros países mostram que é possível manter os princípios democráticos mesmo em tempos difíceis. O Supremo Tribunal brasileiro acabou de condenar Bolsonaro a justa pena de prisão, numa demonstração de que a legalidade democrática pode sobrepor-se aos intentos fascistas. Quatro juízes íntegros – alguns deles até com passado vinculado à direita – não deixaram de ser fiéis à Constituição e decidiram de acordo com o que ela impõe.

Que contraste com os nossos juízes e procuradores golpistas, que nem sequer dão mostras de ter argumentos suficientes para dar substância a tudo de quanto acusaram José Sócrates. Enquanto a justiça brasileira se distingue pela coragem e pela coerência constitucional, a portuguesa distingue-se pela subserviência aos poderosos e pela incapacidade de fundamentar as suas decisões mais mediáticas.

Este contraste revela algo fundamental: a qualidade das instituições democráticas não depende apenas das leis, mas sobretudo da integridade de quem as serve. No Brasil, juízes conservadores puseram a Constituição acima das suas preferências ideológicas. Em Portugal, magistrados supostamente impolutos puseram os seus cálculos políticos acima do rigor jurídico.

Nos Estados Unidos, a situação é ainda mais preocupante. A morte recente de um trumpista ultraconservador no Estado do Utah é apenas mais um episódio na escalada de violência que Trump polarizou de tal forma que tende a multiplicar o sangue derramado – tanto dos que se lhe opõem como dos que o apoiam.

Ao contrário do que aconteceu no Brasil, onde as instituições resistiram aos ataques antidemocráticos, Trump conseguiu capturar parte significativa do sistema judicial e político americano. A sua deriva autocrática não encontra os travões institucionais que funcionaram em Brasília, e o resultado é uma sociedade em polvorosa com um "xerife" que se julga nos tempos do Faroeste.

Esta comparação internacional é esclarecedora: mostra como a qualidade da democracia depende da firmeza das suas instituições e da integridade de quem as dirige. No Brasil, as instituições resistiram; nos Estados Unidos, foram capturadas; em Portugal, foram instrumentalizadas.

Há um fio condutor que liga estas três realidades: a crise das instituições democráticas quando são postas ao serviço de interesses particulares em vez do bem comum. Em Portugal, a justiça foi instrumentalizada para derrubar um governo; nos Estados Unidos, foi capturada para proteger um autocrata; no Brasil, resistiu a ambas as tentações.

O resultado está à vista: onde as instituições foram corrompidas, a governação tornou-se incompetente e a violência política aumentou. Onde resistiram, a democracia saiu fortalecida. A lição é clara: as instituições democráticas ou servem todos os cidadãos ou acabam por não servir ninguém.

Montenegro e os seus ministros são a prova viva desta verdade. Chegaram ao poder através de expedientes antidemocráticos e mostram todos os dias que não têm capacidade para o exercer. Como diz o ditado, quem vai à guerra dá e leva. E quem mina a democracia para chegar ao poder acaba por descobrir que não sabe o que fazer com ele.