terça-feira, 30 de julho de 2024

Perguntas de um operário letrado (VII) - em jeito de ponto de situação sobre as nossas incertezas

 

Voltando ao operário a quem Brecht deu a expressão das suas dúvidas acaba-se o mês de julho, e o início do mais redundante na definição de tempo de férias, para formular algumas perguntas oportunas. Por exemplo:

 - será que Marcelo Rebelo de Sousa pode congratular-se com ter conseguido correr com os socialistas do poder para nele impor os seus correligionários mas, ao mesmo tempo, sentir-se satisfeito com o papel a si reservado pela História? No seu narcisismo não terá imaginado superar a importância de Mário Soares ou Jorge Sampaio para acabar afinal numa irrelevância fadada a merecido esquecimento?

 - será que Montenegro saberá de facto gerir o incerto futuro em que, cada vez mais improváveis no curto prazo, as próximas eleições não virão a tempo para compensar a recuperação de eleitores ao Chega com os que voltarão às esquerdas à medida que se clarifique a sua incapacidade para sossegarem as angústias de multidões insatisfeitas quanto à aspiração de uma qualidade de vida minimamente satisfatória?

 - será que Pedro Nuno Santos conseguirá ter paciência para deixar que esse mesmo tempo, grande arquiteto no dizer de Yourcenar, torne mais periclitante o castelo de cartas em que o campo adversário ainda assenta?

 - será que Mariana Mortágua e Paulo Raimundo encontrarão forma de cativar os jovens, que deveriam apoiá-los enquanto não chegam à idade de aderirem ao “realismo” socialista, dissociando-os das direitas, que nada terão de substantivo para lhes oferecerem?

 - será que não será possível utilizar a forma escandalosa como a direita fascista tem utilizado a comissão de inquérito sobre o caso das gémeas para melhor demonstrar o nível de malignidade, que ela significa?

sábado, 27 de julho de 2024

Um Joker armado em bom aluno

 

Tem sido regra seguida pelos governos lusos nestas décadas de Democracia: os de direita assumem a intrínseca menoridade ideológica e intelectual esforçando-se por, nas instituições internacionais, parecerem “bons alunos”. Assim o decretou Cavaco e assim cumpriu Passos Coelho, quando parecia à parte de todos nas fotografias das cimeiras em que ia entrando mudo e saindo calado.

Ao invés Soares, Guterres, Sócrates ou António Costa nunca enjeitaram tomar a palavra, exprimir as suas posições e defendê-las como as mais adequadas para defender os interesses dos portugueses. Não tem sido um acaso que, excetuando o arrivista Barroso - premiado pelo papel de mordomo na cimeira dos Açores! -, todos os cargos de maior importância internacional preenchidos por políticos portugueses têm-no sido por socialistas ou a eles associados (Freitas do Amaral).

Com Montenegro voltamos ao que costuma suceder com os primeiros-ministros da sua área: pode não arvorar a pose crispada de quem parece zangado com todos, que era timbre em Passos Coelho, mas o riso à Joker esconde a mesma inferioridade psicológica para sentir-se tentado a pôr o dedo no ar e mostrar-se menos nerd do que prescrevia Cavaco.

Outro seria o comportamento de Pedro Nuno Santos acaso ocupasse esse cargo: como reafirmou no JS Summer Fest 2024 cuidaria de exigir à Europa as políticas de habitação e reindustrialização, que tanto importam a quem é cidadão deste continente. E obstando tanto quanto possível que, como de costume, a Alemanha, a França ou a Itália quisessem ficar como principais beneficiários dessa transformação, que não pode excluir as periferias. 

terça-feira, 23 de julho de 2024

Mais uma iminente deceção para os deploráveis

 

Até compreendo os sinais de nervosismo da campanha de Trump com a notícia da abdicação de Biden enquanto candidato democrata à eleição de novembro: no primeiro comício de Kamala Harris, investida na nova condição, ela revelou uma postura combativa contra o opositor a quem tratou implicitamente como criminoso fiscal, abusador sexual e marionete de interesses petrolíferos, bancários e de outras oligarquias sem coincidência de interesses com a tal classe média para que pretende governar.

Podemos sempre considerar que uma vitória dela será sempre um mal menor perante uma política imperialista norte-americana, assente no complexo industrial-militar, que terá continuidade nas guerras em curso na Ucrânia, no Médio Oriente e, provavelmente, na Ásia, mas tudo será melhor do que ter o vingativo Trump reinstalado no Salão Oval da Casa Branca. Aí os riscos de guerras imprevisíveis à escala global decerto seriam bastante maiores. 

terça-feira, 16 de julho de 2024

Caldos de galinha

 

Sim: é um empate técnico entre o PS e a AD o que resulta da sondagem da Católica, mas ainda assim, e em relação à de há dois meses, o PS progrediu 4% e a AD só 1%. E, ao mesmo tempo, o Chega tem o recuo mais pronunciado, quiçá revelador da tendência para alguns dos seus eleitores menos fanatizados em valores repulsivos se reencaminharem para outros bem mais aceitáveis.

Relativizando a importância das sondagens esta, porém, terá o condão de refrear os ânimos de Montenegro, quanto a apressar a réplica do oportunismo de Cavaco em 1987. Podendo ainda assim iludir-se com o facto de tal só ter sucedido após dezoito meses em maioria relativa.

Para já Pedro Nuno Santos dá sinais de cautela aprestando-se a propor a negociação de um orçamento para 2025, que possa merecer a aprovação ou a abstenção do Partido Socialista atirando o ónus da eventual crise política para a direita se rejeitar esta oferta.

Para já é tempo de esperar pelo desgaste progressivo de uma desgovernação, que não possui soluções miraculosas para o que prometia resolver e em que o fantasma das contas incertas virá ao encontro da facilitação de alguns acordos com as corporações apostadas em verem-se recompensadas com a mesma ligeireza com que algumas o foram. Sob pena de ver o outono anunciar-se na forma da agitação social, que a continuação dos problemas na saúde e na habitação implicarão. Com a possibilidade de os alunos sem aulas virem a demonstrar a falência das receitas do ministro da Educação, mesmo ele querendo transferir o seu fracasso para as direções das escolas incumbidas de arcarem com as responsabilidades até agora assumidas pela tutela.

Estando ainda a soma das esquerdas a nove por cento da das direitas não nos faz mal nenhum uma dieta à base de caldos de galinha...

segunda-feira, 15 de julho de 2024

Dispensemos as lágrimas de crocodilo!

 

Ponhamos de lado a hipocrisia: se o incompetente atirador tivesse sido mais certeiro nos tiros, justificar-se-iam lágrimas piedosas por aquele que andou a incendiar o clima político norte-americano e agora teria o merecido ricochete dos seus discursos?

Por agora os comentadores, ora o dão como reforçado vencedor das eleições de novembro, ora procuram relativizar o impacto do sucedido ainda tecendo duvidosas esperanças numa vitória democrata.

Faltando menos de quatro meses para a eleição presidencial será improvável que se repita nova oportunidade para remover Trump dos boletins de voto. Mas, mesmo arvorando aparente capacidade para dar a volta à surpresa de se ver visado por uma das armas, que ele quer ainda mais multiplicar pelo território norte-americano, resta a presunção de o saber doravante atemorizado pela hipotética falha na segurança, que o faça entrar na já significativa galeria de antecessores abatidos a tiro, quando se julgavam inexpugnáveis na cadeira do poder. A menos que acredite nos tais anjos proverbiais, que um professor da universidade de Boise afiança depressa invocados pelos religiosos como protetores do seu ídolo.

Igualmente de além-Atlântico o Público dá espaço a uma investigadora, Raquel Machaqueiro, que diz coisas muito pertinentes sobre a realidade da escravatura enquanto financiadora da história da expansão portuguesa, que culminou na pífia crença num suposto império colonial. E lembra aos revoltados com as reparações aos descendentes dos escravos que, quando acabou essa ignomínia, foram os seus antigos donos, que receberam indemnizações.

Considerações, que bem mereciam ser inseridas nos manuais escolares para que os petizes não continuem a ver a escravatura como algo, que afetou uma massa anónima de gente de quem se continuam a esquecer as suas tragédias individuais sem sequer perceberem estar ela na potenciação do que é hoje o sistema capitalista! 

sábado, 13 de julho de 2024

É deixá-los poisar!

 

Enquanto os jornais e televisões procuram encontrar gravitas em Montenegro dando-o como “agradável surpresa” para as suas baixas expetativas - a antiga santanete Clara Ferreira Alves acelera para converter-se em nova montanegrete! - há outro ataque à liderança de Pedro Nuno Santos na forma de artigos em que nunca definidos “dirigentes socialistas” confessam-se preocupados com a forma como está a opor-se ao (des)governo da direita. Eloquente a esse respeito o artigo de São José Almeida no Público de ontem em que tece uma série de conjeturas sem nunca especificar as presumidas fontes.

Não duvido que haja internamente quem ande ainda com azia por haver nova liderança socialista - reconheça-se que a sua ala direitista chegou a ser muito forte no tempo de António José Seguro, mas foi perdendo progressivamente a relevância! - mas adivinha-se mais facilmente a preocupação das direitas com a possibilidade de, tal qual se anda a encher, o sapo Montenegro acabe por rebentar sem chegar a tempo às prematuras eleições em que lhe seja possível demonstrar o logro que, em si mesmo, constitui.

Daí que confie na sageza de Pedro Nuno Santos para deixar a realidade revelar-se na sua crueza, embora redunde numa situação económica de contas incertas, que voltarão a ser os portugueses mais desfavorecidos a pagar. Por agora é deixar as forças sindicais afetas à direita (professores, médicos, polícias) chegarem a acordos em condições, que nunca aceitariam se fosse o governo de António Costa a propor-lhas. A paz social, também favorecida pelas temperaturas estivais, será garantida até ao fim desta tonta estação. A fatura começará a revelar-se logo a seguir, quando as ruas e avenidas se voltarem a animar e Miranda Sarmento  demonstrar que de Centeno nem sequer constitui pálida terminação, quando se tratar de elaborar um orçamento aceitável em Bruxelas.

Como cantava o Zeca a propósito da trabalho de formiguinha, que é agora o do líder socialista, já lá virá outro carreiro! 

terça-feira, 9 de julho de 2024

Maquiavélica, perversa, incompetente

 

Claro que poupei-me ao sacrifício de ver a entrevista com Lucília Gago na RTP por ser mais do que previsível qual seria a sua intenção e atitude. Bastou-me ler o que sobre esse eloquente momento se escreveu, e disse, para ver confirmadas a justeza das palavras de Marcelo, quando a classificou de maquiavélica, de Paulo Pedroso quando nela detetou uma nada inocente perversidade e a ministra da tutela, que identificou o ministério público como casa a que conviria devolver um sentido de ordem depois de tão evidente confusão.

Seria trágico que, como disse Pedro Marques Lopes, tudo se reduzisse a uma instituição teimosamente fechada numa bolha. Mas não é só isso que se afigura percetível: ela é a autora de um indesmentível golpe de Estado, que derrubou um governo legitimado por uma maioria absoluta e entregou o país a gente incompetente, que está a estragar muito do que de positivo se conseguira nos oito anos anteriores.

E, prova indesmentível do alinhamento de alguns procuradores com a agenda política da extrema-direita reside no facto de ser o Chega o único partido ainda capaz de defender o indefensável: os métodos e o comportamento reiteradamente pidesco de quem é capaz de pôr alguém sob escuta durante quatro anos naquilo que é estratégia de vigilância política sobre quem se quer acusar, mesmo nada tendo se substantivo para o conseguir. 

segunda-feira, 8 de julho de 2024

Allons, enfants de la Patrie

 

Quantos deputados teriam cabido a mais à Nova Frente Popular se os macronistas os tivessem imitado mais seriamente na regra de desistirem em seu favor, quando estava em risco a eleição de um neofascista? Os 182, que lhes deram a vitória teriam subido até aos mais de 200, que juntados os classificados como de esquerda, mas nela não filiados, também se viram eleitos!

Helas que o sentimento republicano foi escrupulosamente cumprido à esquerda, mas falhou significativamente à direita.  Porque teria sido relevante que o partido de Marine Le Pen saísse mais humilhado da consulta eleitoral de ontem do que denotam os seus 143 deputados.

É por isso que Macron não merece qualquer consideração da esquerda e deve por ela ser detestado de tout son coeur. Porque ficará para a História como o infiltrado, que começou por fazer o trabalho de sapa por dentro para, depois, de fora, a querer destruir. Episódio infeliz da História francesa este duplo mandato, que se concluirá daqui a três anos, será aquele em que a esquerda no seu todo, e o Partido Socialista em particular, definhou até quase à extinção, mas tem agora o momento de fénix renascida.

Esperemos que saiba vencer a tentação sectária e aja inteligentemente para utilizar a seu favor o repúdio evidente que a maioria do eleitorado denota pelo regresso às tentações sombrias do passado fascista. Para le Pen e seus aparentados europeus, entre os quais conta-se Ventura, poderá aqui ficar registado o momento de viragem em que depois de verem a maré crescer a seu favor, se retoma o refluxo, que os devolverá à merecida insignificância.

domingo, 7 de julho de 2024

Entre o Ser e o Parecer

 

1. Confesso que a melhor notícia, que recebi das eleições no Reino Unido foi a da vitória de Jeremy Corbyn em Islington North. Porque, vilipendiado pelo próprio partido, sobre o qual não se esperam grandes mudanças transformadoras da economia inglesa - tão má é a herança deixada pelos conservadores! -, Corbyn será sempre o porta-voz de uma esquerda, que não se envergonha de o ser e dispensa maquilhar-se com as vestes do dito “pragmatismo”.

Tem sido um dos grandes problemas da esquerda desde a Terceira Via proposta pelo blairismo: pegar nas bandeiras das direitas - as das contas certas é apenas um exemplo! - e ser mais competente do que elas para as levar por diante.

Corbyn, que chegou a entusiasmar os jovens, poderá ter neles o suporte para servir-lhes de porta-voz das preocupações, que os leva a, noutras latitudes, entregarem-se às falaciosas promessas das direitas extremas, incluindo as ultraliberais.

2. Compreende-se que as direitas mediáticas queiram diabolizar Pedro Nuno Santos (replicando o que, na Inglaterra, foi feito a Corbyn, embora ainda sem conseguirem uma munição tão tragicamente eficiente como contra ele foi a do “antissemitismo”). Ele é a esquerda que assusta e não tem essa tal vergonha em ser quem é. Para já vai servindo de grilo falante contra um (des)governo a caminhar no sentido errado do ponto de vista orçamental, na distribuição do esforço [fiscal] e no objetivo de Portugal ter uma economia avançada”.

 3. Na crónica da última página do Público Pedro Adão e Silva assesta baterias contra os simulacros de justiça hoje protagonizados pelas Comissões de Inquérito Parlamentares, que perderam os justos propósitos originais e hoje “alimentam uma mistura explosiva de ressentimento e voyeurismo social” para proveito de duvidosos canais noticiosos, assim servidos de horas de tempo de antena gratuitas. Não servindo para fazer justiça nem “dignificar as instituições políticas e, muito menos, um espaço público decente”. 

sábado, 6 de julho de 2024

Perguntas de um operário letrado (VI) - Iniquidades

 

1. Tendo em conta que, através de uma autorização para alterar o código do IRC, o governo quer dar uma borla fiscal aos patrões no valor de 1500 milhões de euros até 2027, ao ritmo de 500 por ano, aonde se virão a sentir os efeitos desse corte no agravamento da já má qualidade dos serviços públicos? Até quando a publicidade mentirosa na forma de power points cheios de promessas sem substância será entendida como aquilo que é: uma completa vigarice?

2. Como se sentirão os tão buliçosos professores, agora tão amansados, ao saberem que o argumento assumido pelo governo aos polícias para os calar é estarem-lhes a ser dados mais 200 euros mensais do que a si? Que respeito sentem pela sua classe, quando a veem menorizada em relação às das forças policiais, como se uns fossem os enteados de uma família com mais diletos filhos?

quinta-feira, 4 de julho de 2024

A angústia do mau guarda-redes perante os muitos penaltis

 

Há a ilusão de entrarmos na tradicional silly season com o calor a amolecer as mentes e as notícias políticas - nacionais ou internacionais! - em proveito das episódicas vicissitudes dos futebóis.

E, no entanto, há a possibilidade da Inglaterra voltar a ter os trabalhistas no poder (embora Keir Starmer seja versão recauchutada de Tony Blair!) e, quer em França, quer nos Estados Unidos, os  presságios mais sombrios poderem estar à beira de ser desmentidos. Ou que, internamente, e depois de ter saído entronizado do golpe de Estado promovido por Marcelo e alguns procuradores do ministério público, Luís Montenegro comece a sentir aquilo que já era uma evidência antes de dar satisfação ao ego: não ter unhas para tocar a guitarra, que lhe calhou.

É claro que não faltam vozes a apelar ao Partido Socialista para mostrar piedade cristã para com as insuficiências (des)governativas  - e o texto de Manuel Carvalho hoje no Público é disso exemplo lapidar! - rendendo-se a quem na Assembleia tem o mesmo número de deputados.

Inteligente a estratégia de Pedro Nuno Santos enquanto líder da oposição: nunca tergiversando com os princípios sabe que ser altura para ter nervos de aço e esperar por quanto resultará da inabilidade dos vários ministros para resolver as dinâmicas de protesto, que se conjugaram para secundarem a recente conspiração, mas se cingem às ambições corporativas de quem viu na extrema-direita a aliada para satisfazer os seus interesses, mas agora a constata mais do que insuficiente para os garantir. Talvez haja quem ande a ter consciência de ser bem mais asizado o caminho anterior de ir dando passos seguros à medida da perna...