quarta-feira, 30 de outubro de 2024

Uma avestruz em São Bento

 


Na contabilização que Manuel Loff faz num artigo inserido na edição de hoje do Público, onze homens afrodescendentes, ou de etnia cigana, metade menores de idade, foram assassinados por agentes policiais nos últimos anos.

Ao mesmo tempo repetem-se os relatórios da Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância a denunciarem essa evidência na cultura dos polícias portugueses e a conivência de que têm beneficiado das autoridades judiciais que, em tribunal, ora os suspende temporariamente de funções, ora os absolve por terem supostamente agido em legítima defesa.

Estes factos contrariam a falácia de Montenegro sobre não existir este tipo de problema no nosso país. Entre outras características nocivas para o exercício do seu cargo, o ainda primeiro-ministro acrescenta a de avestruz, que esconde a cabeça no solo para não olhar para os problemas à volta. E que eles existem, existem mesmo!

Ainda que, nas comentiras televisivas quase ninguém diga o óbvio: numa sociedade em que é tão discrepante a distribuição de rendimentos, e tende a ainda mais agravarem-se as diferenças entre a qualidade de vida de ricos e pobres, abrem-se avenidas para comportamentos bem menos pacíficos do que os dos manifestantes da Vida Justa, que desfilaram este domingo entre o Marquês do Pombal e os Restauradores. Quando se mantém a rédea livre para uma subcultura policial comandada por quem se identifica com os propósitos fascistas do Movimento Zero.


domingo, 27 de outubro de 2024

Quando a liberdade de imprensa se vai degradando

 


Para quem ainda entende vivermos numa Democracia, que deve dar lições aos Brics, basta ver como a comunicação social vai ficando manietada naquilo que era o conceito de liberdade de imprensa: de além-Atlântico vem o exemplo do dono da Amazon e do Washington Post, que proibiu o apoio do jornal a Kamala Harris, secundado igualmente pelo do também influente Los Angeles Times, que deu igual instrução à sua direção editorial. Num e noutro caso com veemente protesto dos jornalistas que, nalguns casos, não viram outra alternativa senão a de despedirem-se.

Por cá esse tipo de orientação também foi evidente nas televisões: por exemplo na SIC afiançava-se, sem pingo de vergonha, que quer a manifestação da Avenida da Liberdade, quer a dos bandidos do Chega, tinham a participação de “centenas” de pessoas. Ora, basta olhar para as fotografias de um e outro evento e conclui-se facilmente que, se no primeiro desfilavam milhares de pessoas, no segundo elas quase se contavam pelo número de deputados do partido que a convocara.

Daí a importância de divulgar essa comparação testemunhal do ocorrido: porque se de um lado desfilavam as forças vivas da sociedade civil, que defendem os valores democráticos e constitucionais, do outro amparavam-se os zombies saídos das catacumbas para aferroarem-nos o dente das suas pérfidas conceções.

sexta-feira, 25 de outubro de 2024

Polícias que humilham e matam cidadãos

 

Até pode ser que o assassino de Odair Moniz nada tenha a ver com o Movimento Zero, mas a tendência para o gatilho fácil aproxima-o das pulsões dos matarruanos do Chega ao proporem execução expedita para todos - negros, ciganos, emigrantes e, sobretudo, gente de esquerda - que lhes mereça ódio primário.

Aquilo que a investigação vier a esclarecer (ou provavelmente a omitir!) não apaga imagens como as que vimos de um cidadão a ser mandado parar, e sob a ameaça de uma arma, sair do carro, deitar-se no chão para, dez minutos depois, demonstrada a sua inocência quanto a qualquer ilícito, ser mandado embora sem uma desculpa.

Depois de assim humilhado, e a exemplo de Odair, não terá ele a tentação de fugir na próxima vez, que um polícia o mandar parar? Mais uma oportunidade de ouro para a pandilha de Ventura voltar a mostrar a natureza criminosa de que é feita! 

Há-de alguém ser quem não é?

 

Está na forma como são: mediocrezinhos, incompetentes, mesmo que habilidosos  na forma como tentam descartar-se dos disparates.

O episódio da reação histérica de Paulo Rangel no aeroporto de Figo Maduro é só mais um a somar-se à investida de Nuno Melo contra Olivença, ou ao titubear da ministra da Administração Interna perante as câmaras. Embora possamos imaginar o quanto ver-se ignorado por espadaúdos militares terá colidido com os seus fantasmas mais profundos.

Trata-se de gente pequenina, que só temos de deixar pousar depois de efémeros voos de grandeza. Porque, mesmo tendo com ela uma comiseração, que nunca teve com os titulares dos governos socialistas, a comunicação social não pode ignorar o óbvio. E deixá-lo transparecer no seu pífio esplendor. 

segunda-feira, 21 de outubro de 2024

Ruído, apenas ruído

 

Não sei o que terá motivado Sérgio Sousa Pinto a aceitar o convite de Ricardo Araújo Pereira para mostrar-se como o mau bufão que é. Porque, sempre que quis falar a sério, não mostrou coerência e, quando quis ter piada, foi simplesmente patético.

Uma das suas afirmações mais repugnantes teve a ver com o dizer-se numa espécie de herdeiro de Mário Soares.  Mas qual Mário Soares? Não decerto do que foi comunista, ou defendeu antifascistas, no tempo da ditadura! E tão pouco no que colaborou com quem organizou as iniciativas prenunciadoras da convergência das esquerdas no tempo do desgoverno de Passos Coelho, e contra as tentações colaboracionistas de António José Seguro.

A menos que Sérgio Sousa Pinto apenas se reveja no período em que Mário Soares teve amizade próxima com Frank Carlucci por receio de ver Cunhal bolchevizar este cantinho à beira-mar plantado! Mas vai fazendo caminho a tese de alguns historiadores em como o Kremlin dava prioridade a Angola, que pretendia atrair à sua influência, aceitando o Tordesilhas tácito de ter toda a Europa Ocidental sob a de Washington. O que relativizaria o anticomunismo de Soares, que depressa se dissociaria dessa condição e voltaria a valorizar a importância de fazer das direitas o oponente prioritário.

Para Sérgio Sousa Pinto - assumido amigo de Sebastião Bugalho como reconheceu perante o humorista - o ódio às esquerdas justifica-lhe a tentativa de sabotagem da estratégia de Pedro Nuno Santos. Não lhe interessa que só a si represente - em que secção conseguiria os votos necessários para chegar sequer a liderá-la? - porque satisfaz o umbigo ao dar à comunicação social a caução de, por ele e mais meia-dúzia de outros isolados franco-atiradores, afirmar dividido o PS.

Ao invés, que importância foi dada ao facto de, nos recentes Congressos federativos, tenham vencido todas as listas apoiadas por Pedro Nuno Santos? Nem uma sequer pendeu para o lado desses seus detratores. Mas quem anunciou uma vitória afinal mais retumbante, que os 92% de Montenegro no Congresso de Braga?

Sérgio Sousa Pinto, e quem se presta ao seu burlesco papel, sabem-se premiados pelas direitas por serem dados como exemplos da suposta fragilidade de Pedro Nuno Santos. E, obviamente, compreendo perfeitamente os alertas por este lançados em sua intenção.

Só não entenderei que, futuramente, se continue a garantir elegibilidade a quem se aproveita de sentar-se na última fila da Assembleia para olhar as costas do líder e planear onde melhor o apunhalar... 

domingo, 20 de outubro de 2024

Dar tempo ao tempo

 

Confesso não ter tido pachorra para dedicar um minuto sequer ao congresso do psd. Se, inadvertidamente, o zapping levou-me a passar por algum dos canais, que o transmitiam em direto, só deu para constatar o quanto encafuada estava aquela gente, nenhuma semelhança havendo com o aspeto dos do PS tal qual o confirmei no mais recente organizado no pavilhão da FIL do Parque das Nações. Enquanto uns arejam ideias nos espaços amplos em que a grandiosidade é evidente, outros acoitam-se nas pífias certezas numa coisa tão estreita quanto simbólica do seu pensamento.

Não custa, porém, a acreditar que o “querido líder”  laranja terá confortado a ilusão de ser alguém importante, e até deter algum poder. Mas depois deste lhe ter ido cair às mãos por obra e graça de Lucília Gago e Marcelo, não sentirá o arrepio de todo o castelo de cartas cair fragorosamente, quando já não tiver mais anúncios manhosos para enganar os incautos? Conseguirá evitar o passeio a dois por que Ventura tanto anseia para lhe ferrar a mordedura de escorpião?

Volto amiúde ao Alexandre O’Neill, quando, desgovernado pelas direitas, o país fica reduzido ao seu diminutivo. Mas bom juízo parece-me ter tido o Pedro Nuno Santos quando, a contragosto, deu a Montenegro o tempo bastante para ver demonstrada a evidência de bom político não ser aquele que apenas faz papel de falso habilidoso. Atrás destes tempos outros virão, porventura com as esquerdas europeias finalmente convencidas da necessidade de serem, de facto, socialistas e não apenas conciliatoriamente social-democratas... 

quarta-feira, 16 de outubro de 2024

Venha então o novo substituir o velho!

 

É claro que até podemos a deparar com uma distopia apocalítica ao jeito dos filmes de Mad Max, mas prefiro acreditar na capacidade congénita do ser humano em assegurar as melhores hipóteses da sua sobrevivência. Isso significará o fim da sociedade do consumo, que fundamenta a exploração capitalista, e a distribuição racionalizada dos recursos existentes, mormente identificando, e partilhando igualitariamente, o trabalho disponível.

Torna-se urgente a criação de uma economia sustentável em que a educação e a cultura ganhem merecida relevância para inculcar nos cidadãos o imperativo de participarem ativamente nas decisões coletivas, dispensando-se de messias, ou pais dos povos predispostos a por eles pensarem.

No momento atual estamos a ser empurrados para um sinistro abismo pelos que continuam a defender um tipo de sociedade desigual, com as injustiças a alimentarem-se dos vários preconceitos. Como dizia Antonio Gramsci é fácil constatarmos quanto esta sociedade caduca está a morrer faltando emergir a de tipo novo, que a ela substituirá. Por ora vamos tropeçando passo a passo nos sintomas mórbidos deste presente, que insatisfaz (os populismos das extremas-direitas, a acumulação de capital por oligarcas ligados às novas tecnologias), cientes da inevitabilidade de, enfim, chegar esse tão esperado Godot, redenção ateia contra todas as mitologias com que se têm agrilhoaram os explorados desde a Antiguidade...

 

terça-feira, 15 de outubro de 2024

Desabafo de um velho militante

 

Não faltando muito para que cumpra quatro décadas de militância no Partido Socialista já nada me espanta quanto à tendência de existir nele uma permanente ebulição interna em que uns assumem a liderança e outros esforçam-se por a derrubar.

É isso que constitui a identidade do Partido e até a sua vitalidade. Mas, se na altura da minha entrada no PS o sótão de Guterres constituía conhecida referência para então pôr em causa a tíbia liderança de Constâncio, não me recordo de uma tão nefasta conjunção de tomadas de posição públicas dos detratores de Pedro Nuno Santos, quando estão em causa as negociações sobre o OE2025.

Porque Assis, Beleza e Cª não são propriamente inocentes meninos de coro que não têm plena noção de quanto coartam o secretário-geral na estratégia de afirmação como líder da oposição dando o ensejo às direitas comentadeiras de apresentar versões pouco lisonjeiras sobre o seu perfil e partido.

Pedro Nuno Santos bem pode ter presente aquela invocação popular sobre a ajuda divina quanto aos amigos, porque dos inimigos é ele bem capaz de cuidar. Depois de, no final de 2015, se terem conseguido acantonar os que pretendiam transformar o PS numa muleta da direita passista, eis que os mesmos voltam a perorar para, com a ajuda da comunicação social, enfeudada à direita, prosseguirem no seu nefasto papel. 

sexta-feira, 11 de outubro de 2024

Ziguezagueante dizem eles. Prudente digo eu!

 

Compreende-se a intenção das várias televisões em promoverem o contínuo assassínio de carácter contra Pedro Nuno Santos, que sabem não morrer de amores pelos seus donos.

Na fase atual da luta de classes, que não conhece férias nem feriados, os que insistem em ser donos disto tudo anseiam ver facilitadas as estratégias para ainda mais enriquecerem, beneficiando da conjuntura de terem muitos dos potenciais oponentes iludidos com o populismo dos que sabem ser os preconceitos e ignorância os melhores veículos para os envenenarem com os “remédios”, que anunciam poder salvá-los.

Se Joseph Campbell anunciou que não nascemos humanos, neles nos tornamos por conta do nosso saber e experiência, podemos reconhecer que, por falta de cultura e educação, muitos dos eleitores das direitas não passam de bichos afetados por se julgarem detentores de grandes verdades, afinal votando, falando e agindo em proveito dos venturas e montenegros desta vida, e sobretudo dos patrões, que os têm como adestradas marionetas.

Compreendo aquilo que alguns depreciam como um discurso ziguezagueante do líder socialista. Por muito que os princípios o incitassem a vetar o orçamento da AD ele não conhecia a lata caterva de benesses distribuída durante semanas a muitas das reivindicações corporativas, que tinham contribuído para a conspiração de que Lucília Gago apenas se limitou a por a cereja em cima do bolo. E com o dinheiro que Centeno e Medina tanto se tinham esforçado por acumular nos cofres do Estado.

Se com Sócrates os socialistas deveriam ter aprendido, que não vale a pena mimar os patrões para deles se fazerem amar e escapar-lhes à natureza escorpiã, com o governo de António Costa ficou demonstrada a estultícia de acumular reservas para as utilizar em tempo propício porque as direitas se encarregam de as  utilizar em seu proveito, quando sentem as condições de correrem com quem delas se distrai.

Só porque as sondagens demonstram que ainda não é tempo para repetir a receita de Cavaco Silva para alcançar a maioria absoluta é que Montenegro vestiu a falsa farda do negociador e com ela fez por merecer os elogios dos comentadores da sua área política. Por isso Pedro Nuno Santos pode manter-se na expetativa do jogador de poker, que aguarda pelo desenvolvimento do jogo para melhor definir o momento de melhor potenciar as ainda fracas cartas, que tem na mão. Mas sabendo que a discussão do orçamento para 2025 é apenas uma pequena batalha para as muitas, que se seguirão nos próximos meses. Aqueles que confirmarão Montenegro como um hábil manhoso, mas sem a arte política para encontrar soluções para os desafios complexos, que se seguirão.

terça-feira, 8 de outubro de 2024

Remédio antichunga

 

O notável violoncelista Yo-Yo Ma, que ontem celebrou o 69º aniversário, chega a ser lapalissiano, quando considera a Cultura a melhor defesa contra tudo. E, de facto, assim é: olha-se para os grunhos da extrema-direita e impera neles a mais rude ignorância. Desconhecedores da História, criados no caldo de um universo pimba que as televisões tão fartamente lhes prodigalizam à custa do preconceito de ser isso, que dá audiências e lhes alimenta a falta de gosto, eles são os idiotas úteis dos que, por trás dos (des)Venturas desta vida, se deleitam com as condições para melhor alimentarem a sua ganância burguesa.

Tenho saudades do tempo dos operários letrados, que buscavam o conhecimento nas bibliotecas e associações onde ganhavam consciência da classe a que pertenciam. Muito jovem ainda tive a sorte de conhecer alguns com quem era um privilégio dialogar. Porque os calos e as rugas eram complemento eloquente para quanto tinham aprendido nas combativas vidas.

Hoje olhamos para algumas manifestações - de assumidos nazis, de polícias, de sapadores bombeiros - e é fácil detetar a doença, que grassa nas nossas sociedades. Está lá o patrioteirismo, que Samuel Johnson constatava ser o refúgio dos canalhas, e a constância chunga de quem profere as maiores alarvidades julgando-as axiomas irrefutáveis.

Subscrevendo o que diz o aniversariante de ontem importa fazer da Cultura a ferramenta para acantonar as direitas - sejam extremas nas evidências, ou civilizadas só na aparência -, naquilo que representam: as inimigas de um tipo de sociedade mais justa e decente.

sábado, 5 de outubro de 2024

As direitas confiadas no quanto pior melhor

 

A luta dos sapadores bombeiros, com a forma inorgânica como se revestiu a subida dos degraus para a Assembleia, veio mostrar como este (des)governo perdeu a autoridade e possibilitou as reivindicações de todas as carreiras especiais da função pública em detrimento das de carácter geral. Mormente as dos técnicos superiores, que deveriam constituir a prioridade na reestruturação administrativa necessária à resposta dos tempos atuais.

Quando António Costa demonstrou efetiva firmeza em não satisfazer esses interesses corporativos sabia bem o que se seguiria à sua satisfação parcelar: feito o acordo com uns, logo os outros se levantariam para reivindicar iguais benesses como se os cofres públicos fossem poço sem fundo.

Porque lidera um governo fraco Montenegro multiplicou-se em cedências, fiado na probabilidade de ir rapidamente a eleições reforçando-se o suficiente para ganhar uma força que, rapidamente, retiraria com uma mão o que agora estendera tão galhardamente com a outra.

No entretanto de pouco lhe interessa a manifesta infiltração da extrema-direita nalgumas destas lutas porque sabe-se fadado a com ela se coligar quando, insuficiente para conquistar a maioria absoluta, poderá com ela almejar essa possibilidade. No acordo então estabelecido terá Ventura a abandonar os que agora incita às arruaças cioso de dar-se aos mesmo ares de “cavalheiro respeitável” ainda hoje mal assumido por Nuno Melo.

Estamos, pois, numa daquelas ocasiões históricas em que se cruzam vários caminhos. As esquerdas veem os que deveriam ser seus apoiantes - os que vendem a sua força de trabalho e os jovens - a deixarem-se iludir pelos discursos das direitas como se elas lhes pudessem satisfazer os anseios. E ainda tardam em encontrar argumentos para recuperar-lhes o apoio. Sobretudo porque é desproporcional o controle dos veículos de informação com que podem com eles comunicar. Mas rapidamente terão de vencer essas limitações se não querem deitar a perder o capital de esperança criado em 2015, quando a Geringonça comportava a promessa de um futuro melhor para a grande maioria dos que nela confiaram.