segunda-feira, 9 de outubro de 2023

Às vezes não é fácil defender o governo

 

Às vezes não é fácil defender o partido do governo apesar de ser aquele com que me identifico há quase quatro décadas. Um dos motivos atuais é a TAP por causa da intenção em reprivatizá-la entregando a interesses estrangeiros o que são os bons argumentos para a manter nacionalizada.

Ricardo Paes Mamede cujas ideias sobre economia quase sempre me convencem quanto à sua justeza explica isso mesmo num artigo do «Público», que até os totós mais indigentes da Iniciativa Liberal deveriam compreender:  “O que se perde com a venda da TAP são os dividendos que a companhia poderia dar ao Estado no futuro, mas não só. Passando o controlo da empresa para um grupo internacional, não há como garantir a prazo a manutenção do hub em Lisboa. Com a TAP reduzida a uma extensão de interesses estrangeiros, ficam em causa centenas de milhões de euros anuais em receitas fiscais e contribuições para a Segurança Social, milhares de milhões de euros de exportações e substituição de importações, mais de um milhar de empresas que fornecem a TAP em território nacional e, não menos importante, a conectividade intercontinental do país (em particular com o Brasil, a América do Norte e os PALOP), que é crucial para o turismo e não só.

Nenhum investidor estará disposto a pagar por tudo isto. Para piorar as coisas, o Governo cometeu o erro de anunciar a vontade de fechar o negócio até ao fim do ano, o que joga sempre a favor do comprador. Como mostra a privatização de 2015, a pressa em vender não pode dar bons resultados.”

Outro motivo de insatisfação com este PS tem a ver com o fanático seguidismo do Ministro dos Negócios Estrangeiros João Cravinho em relação ao que lhe mandam dizer os seus titereiros de além-Atlântico. Seja relativamente à Ucrânia, seja agora sobre o conflito entre Israel e o Hamas, o que profere está longe de corresponder ao que pensam muitos, se não mesmo a maioria dos portugueses, que sentem incómodo pela contradição entre a memória histórica do sofrimento do povo judeu durante o Holocausto e as práticas repulsivas, que os atuais sionistas perpetram contra o povo, que já vivia na Palestina, quando lhe impuseram a invasão de quem ali nunca havia posto os pés.  Desde então tem existido uma diferença hipócrita entre o sangue vertido por uns e outros, como se o dos judeus fosse mais merecedor de compaixão que o dos que por eles têm sido continuamente massacrados e humilhados.

E, no entanto, como o afirma Carmo Afonso no mesmo jornal, “as vozes que costumam ficar em silêncio perante as atuações brutais das forças militares israelitas contra palestinianos — situações que se repetem diariamente e que este ano foram particularmente mortais — são as que mais veementemente condenaram os ataques do Hamas e as que manifestaram maior comoção com a brutalidade exercida sobre civis israelitas. Este contraste, entre a insensibilidade ao sofrimento palestiniano e a comoção com o sofrimento israelita, é visível e é notório.”

E, no entanto, tal qual lembra Daniel Oliveira no «Expresso» não sobram dúvidas de, tal como a Al Qaeda foi uma criação norte-americana, também o Hamas resultou da ideia israelita de sabotar a esquerda palestiniana nos tempos de Arafat: “O papel de Israel no nascimento do Hamas está mais do que documentado. O general Yitzhak Segev, governador militar em Gaza no início dos anos 1980, confirmou que ajudou a financiar o movimento islâmico como um “contrapeso” aos secularistas de esquerda da OLP, com orçamento dado pelo governo israelita. “O Hamas, para meu grande pesar, é uma criação de Israel”, disse, em 2009, Avner Cohen, um ex-funcionário de assuntos religiosos israelita que trabalhou em Gaza mais de duas décadas.”

Por isso mesmo o articulista não tem dúvidas em reconhecer que “o Hamas é necessário às forças israelitas mais radicais, Netanyahu é necessário ao Hamas. O problema é que o monstro criado por Israel pode crescer ainda mais. E, depois de décadas a destruir as lideranças moderadas para levar a Palestina a um beco sem saída, estão os dois juntos na mesma viela.”

E tal como sucede com o conflito entre Putin e Zelenski, mal faz a diplomacia europeia, e a portuguesa em particular, em colar-se a um dos lados do conflito, sem para ambos engrossar o crescente apelo dos que sabem ser o diálogo a resolver duradouramente o que se arrisca a tornar num explosivo e interminável impasse.

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