Um suplemento do «Jornal de Negócios» aborda a crise actual sob a óptica (da falta) do dinheiro, que ganhou estatuto de razão primordial de todas as inquietações. É que, di-lo Pedro S. Guerreiro, vivemos no paradoxo de haver dinheiro a menos nas carteiras e dinheiro a mais nas conversas.
A frase é espirituosa, mas Ricardo Araújo Pereira consegue ser ainda mais eficaz na ironia quando diz que os portugueses vivem hoje num país nórdico: pagamos impostos como no norte da Europa e temos a qualidade de vida do norte de África.
É evidente, que há quem tente lançar areia para os olhos , quando nos pretende convencer de culpas que não temos. Um dos principais responsáveis pelo Grupo Espírito Santo, José Maria Ricciardi, repete a ideia mil vezes repetida em como existe uma crise de valores na sociedade ocidental e uma pressão brutal para se ter tudo imediatamente, recorrendo ao crédito.
Como se não tivessem sido os próprios Bancos a criarem a pulsão consumista, agora tão criticada, ao bombardearem os clientes com cartões e facilidades de crédito, que pareciam inesgotáveis.
Não se pode afiançar que, por trás dessa universalização do acesso ao crédito existisse uma estratégia conspirativa agora chegada ao seu objectivo último, mas dá para equacionar se a actriz Monica Calle não terá efectiva razão, quando afirma que a crise está a permitir que se tomem uma série de medidas políticas pensadas há bastantes anos.
Planeada há muito tempo, ou surgida oportunistamente a cavalgar esta conjuntura, a verdade é que a sua tradução prática actual não deixa qualquer dúvida as escritor Baptista Bastos: o empreendimento político do Executivo de Passos Coelho tem como objectivo a demolição do Estado e do paradigma sob que temos vivido. Nunca é de mais repeti-lo. Este grupo tem como finalidade o exercício do poder pelo poder, e a circunstância, nada fortuita, de ser servil a uma troika de burocratas está de acordo com a ideologia de que é afim.
O problema é que, privados de um mínimo de qualidade de vida, os portugueses vêem posta em causa toda a expectativa emancipadora suscitada pelo 25 de Abril. E é até um comentador de direita, Pedro Marques Lopes, quem reconhece que sem dinheiro, não temos liberdade, é a dura realidade dos factos.
Resta a crença de que, parafraseando o escritor latino Horácio, a adversidade desperta em nós capacidades que, em circunstâncias favoráveis, teriam ficado adormecidas. O que significa a possibilidade de um despertar colectivo para a urgência de uma outra forma de organização social, mais justa e capaz de garantir o direito de felicidade para a maioria.
Sem comentários:
Enviar um comentário