terça-feira, 10 de janeiro de 2012

A maior das cegueiras

Iniciou-se o ano de todos os perigos em que todos os cataclismos parecem ameaçar a nossa sobrevivência individual e colectiva, seja sob a forma do fim do euro e da  União Europeia ou, lá para o final, com o tal apocalipse anunciado pelo suposto calendário maia.
A verdade é que este estado das coisas já está muito complicado para tanta gente à nossa volta: sobram os que não têm emprego, os que recebem pensões de miséria, os que trabalham cada vez mais por cada vez menos dinheiro. Ou seja, sobram muitos motivos de desagrado perante este presente que Nuno Ramos de Almeida, no «i», diz resultar de  um regime que privatiza os lucros e socializa os prejuízos. Sem olhar a qualquer escrúpulo, como se verifica na acelerada partidarização de empresas e administração pública.
Tivesse Sócrates feito as nomeações assumidas por Passos Coelho para a Caixa Geral de Depósitos, para a EDP ou, agora, para a Águas de Portugal e já meio mundo estaria aí a berrar na praça pública.
Nesta altura poucos se parecem inquietar com a completa falta de valores éticos destes governantes e deputados para quem um comunista da Coreia do Norte é mau.(…)  Um comunista português não é bom nem mau, é irrelevante (…) Um comunista chinês, já é outra coisa. Principalmente se tiver 27 milhões de euros no bolso, então não é mau, é excelente. (Leonel Moura, Jornal de Negócios).
É claro que contrariar a lógica deste regime tem custos. Oh, se tem!
Paulo Varela Gomes, filho de um dos que tentaram derrubar o regime salazarista em 1961, recorda no «Público», que nada se consegue sem danos colaterais. Aprendemos também que a maioria das pessoas  não suporta esta ideia e quer somente paz e sossego. É a vida, mas felizmente haverá sempre aqueles que são maiores que a vida. Se os não houvera, a iniquidade venceria necessariamente.
Faltam, pois, esses que Brecht designou como os imprescindíveis, por não deixarem de lutar todos os dias. Aqueles que vêem na participação na política, nos partidos, nos sindicatos e noutras associações apostadas em transformar positivamente a sociedade, uma forma de vida. O veredicto que, no «Sol», Inês Pedrosa dá da presente arte de ser português: o mais grave défice de Portugal é o da participação cívica. O activismo social e político escoa-se em queixas de café.
Na maioria dos que nos cruzam na rua, nos transportes, no emprego, impera ainda a cegueira perante a realidade. Comprometeram-se tanto em derrubar o anterior primeiro-ministro em quem empolavam os defeitos, sem atender às suas muitas virtudes, que agora fingem que não vêem, como se fossem aqueles miúdos traquinas, que sabem ter feito uma grande bostada e não querem sequer olhar-lhe para as consequências.
No país em que Saramago imaginou o seu «Ensaio Sobre a Cegueira», ainda vivemos os tempos da maior delas de acordo com as palavras do Padre António Vieira:
A cegueira que cega cerrando os olhos, não é  a maior cegueira; a que cega deixando os olhos abertos, essa é a mais cega de todas.


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