Olho para a realidade pós–domingo e vejo confirmadas as palavras de uma jovem que, na semana passada, dizia-me sentir-se inquieta por muitos amigos lhe dizerem ir votar na extrema-direita por quererem ver mudanças. Não interessaria quais, nem como, apenas para algo de diferente, porque o balanço logo se veria.
Consulto os números e vejo que o concelho onde vivo, o Seixal, que sempre teve ampla maioria de esquerda no eleitorado, deu a vitória ao nheca-nheca. Dizia Paulo Pedroso, que as esquerdas têm de se questionar porque deixaram que, para além dos jovens, as pessoas outrora convictas em votarem PCP ou PS, penderam agora para o polo contrário.
Razão ainda para o título (que não para boa parte do conteúdo) do editorial de David Pontes no Público, quando constatou acordarmos esta segunda-feira para um novo país, a cheirar a velho.
Mas constato que a generalidade dos comentadores, para quem é evidente um clima propicio à governabilidade da AD nos próximos dois ou três anos, esquece o fundamental: pelo que se vê nos indicadores mais recentes (queda do PIB, aumento da inflação), associados aos agravados problemas na saúde, na habitação e até na educação e investigação científica, a paz social será difícil de manter não faltando greves, manifestações e outras revoltas, que as esquerdas terão o dever de liderar ou, no mínimo, acompanhar.
Ademais, pela amostra do que têm sido os últimos anos, não será improvável, que os casos de justiça continuem a focalizarem-se em muitos dos eleitos e simpatizantes do Chega, porventura levando muitos deles a perguntarem-se se continuarão a querer associar-se a tal gente.
Nesse contexto estaremos num daqueles momentos da História em que paramos num cruzamento: ou as direitas avançam para a repressão pura e dura de quem contestar o seu projeto de agravamento das desigualdades sociais - e isso implicará a crescente influência da sua vertente fascista! - ou as esquerdas renascem das cinzas e toldam-lhe a capacidade para causar maiores danos em quem (sobre)vive em pior dificuldades.
Este foi o momento que dá razão ao que Almada Negreiros escreveu no Ultimatum Futurista às Gerações Portuguesas do Século XX, no mesmo mês em que a Revolução Russa culminava na vitória bolchevique: "O povo completo será aquele que tiver reunido no seu máximo todas as qualidades e todos os defeitos. Coragem, Portugueses, só vos faltam as qualidades."
Cabe às esquerdas irem à procura delas!