Como se pode explicar o fenómeno berlusconiano, -felizmente já remetido para o caixote do lixo da História, - mas passível de regressar sob uma outra qualquer máscara? A questão está implícita na visão do documentário de Cerasuelo, que teve como motivo inspirador os cento e cinquenta anos de existência da Itália como entidade nacional resultante da unificação de toda a Península em que se situa e das ilhas a ela adjacentes. E também uma exposição dedicada à mesma efeméride montada em Turim e resultante do esforço da universidade local.
«Quem somos e porque devemos estar juntos?» questiona-se o realizador logo de início. Na realidade a língua já constituía um factor determinante para essa unificação, conseguida, porém, graças a muito sangue vertido.
Antes da revolta garibaldiana, a Áustria ocupava quase toda a Península à excepção do Reino de Sabóia, que incluía também o Piemonte, a Sardenha, Nice e Génova.
É desse reino e ao som da música de Verdi, que Garibaldi enceta a sua campanha dos Mil partindo de Génova para libertar a Sicília do jugo dos Bourbons.
Desembarcados em Marsala depressa chegam a Palermo, cuja libertação credibiliza a dinâmica transformadora desse esforço nacionalista. Mas, depressa se notam os equívocos do que se julgava constituir uma revolução progressista: não só a ideologia republicana das forças de Garibaldi cede ao respeito pela tutela da monarquia de Sabóia, que levará ao trono da Roma libertada, como os camponeses sicilianos sofrem em Bronti a repressão violenta depois de se revoltarem contra os latifundiários.
Quais terão sido os derradeiros pensamentos dos sete camponeses aí fuzilados perante os uniformes, que haviam saudado como heróis da sua emancipação?
Compreendia-se, à custa de muito sangue, que o objectivo não era libertar os camponeses da exploração violenta a que eram sujeitos, mas dar à Península Itálica um regime unificado em defesa dos seus mais endinheirados súbditos. Daí que os explorados optassem pela emigração massiva para a América do Norte e para a América do Sul, aonde despertavam para a sensação de pertença a uma origem geográfica que nada lhes dizia, quando nela habitavam.
Em 1861, logo após a unificação, os italianos eram 26 milhões. No século seguinte, ou seja entre 1870 e 1970, seriam 29 milhões os que recorreriam à emigração enquanto meio de escaparem à fome e à miséria.
O falso progressismo da revolução garibaldiana também se revelou na timidez com que se relacionou com o Vaticano. Para o Papa e sua corte a divisão da Itália era bastante mais interessante do que a relação com um poder forte como o que se poderia esperar quando os revolucionários entraram em Roma sem dispararem um tiro. Mas o novo poder empossado pelo Rei Victor Emmanuel apresta-se a recuar quando a Igreja contesta o primado da laicidade sobre a religião ao conferir como exclusivamente reconhecidos os casamentos contraídos perante as entidades administrativas por si designadas. Perante a reacção papal, o novo Governo obriga o matrimónio civil a imitar o religioso num dos seus preceitos mais conservadores: a indissolubilidade do seu vínculo em defesa dos valores da família.
Nos anos seguintes a realidade italiana vai-se estabelecer sem grande entusiasmo até que uma terrível tragédia irá contribuir para o fortalecimento dos vínculos patrióticos: a participação italiana na I Grande Guerra, que implica um saldo de seiscentos mil mortos e de quatrocentos mil prisioneiros. Mas, em compensação, nas trincheiras estabelecem-se solidariedades entre jovens militares vindos de toda a Península Italiana, que sentem a empatia de pertença a uma mesma realidade política, social e ideológica.
No final da guerra ainda subsiste no operariado alguma intenção de imitar os seus congéneres soviéticos e algumas fábricas são ocupadas, mas o poeta D’Annunzio cria o clima cultural para que emerja o fascismo de Mussolini como regime apostado em defender a mística italiana mediante a instrumentalização da ilusão da sua unidade.
Ultranacionalista e militarista, Mussolini não hesitará em invadir a Abissínia para que a Itália também se possa vangloriar do seu Império africano a partir de 1935, altura em que se detectam os seus avisos contra as ameaças judaicas, que fundamentarão a entrada na II Guerra ao lado dos nazis alemães.
Morrerão muitos milhares de italianos em França, no Norte de África ou na Frente Russa., mas quando é afastado do poder em 1943, Mussolini já só era um fantoche dos interesses de Hitler, que não hesita em resgatá-lo para lhe conferir uma patética sensação de poder na tenebrosa República de Saló.
A sua morte e exposição do corpo em Milão simboliza a libertação definitiva da Itália e a entrada em força no prometedor mundo do pós guerra tão ambicioso em oportunidades e potencialidades...
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