segunda-feira, 29 de setembro de 2025

Um pequeno esforço para precipitar o que a História exige

 

Nos últimos dias tenho-me cruzado, em cafés e centros comerciais, com quem se faz acompanhar do calhamaço do jornalista Miguel Carvalho dedicado ao Chega. Prova insofismável de não faltar gente determinada a erradicar um fenómeno social e político que quase tudo deve aos jornais, às televisões e redes sociais, mas nem por isso se livra de juntar quanto de pior existe na sociedade lusa.

Há quem entenda que os sucessivos episódios envolvendo tal gente não afetam o crescimento imparável desse partido, mas quero manter-me otimista. O copo vai enchendo com tanto que denunciar, até que uma mera gota, porventura nem tão grave quanto as pedofilias, os roubos e outros casos de polícia, acabará por o extravasar. Remeterá essa camada para a mesma "maioria silenciosa" acossada há 51 anos e, por muito tempo, envergonhada em evidenciar a sua índole.

Bom seria, porém, que as esquerdas saíssem da sua passividade. Compreendessem porque muitos dos seus simpatizantes se deixaram inocular com o veneno da serpente e, sobretudo, os jovens o ingeriram sem pensarem sequer nas consequências do estúpido credo na falência do ambicioso futuro a que aspiram.

Em suma, a serpente acabará por morder a língua e envenenar-se a si mesma. Mas cabe às esquerdas encontrarem formas inovadoras de apressarem esse momento.

 

domingo, 28 de setembro de 2025

Montenegrices e marcelices

 

Os canais do costume deram importância, sem verdadeiramente a denunciar, à mentira descarada de Montenegro ao insinuar mais do que coincidência entre a concomitância das eleições e o pedido pelos procuradores de mais informações sobre o caso Spinumviva.

É evidente o comportamento mais do que suspeito do primeiro-ministro quanto à acumulação de rendimentos inerentes à sua função com as avenças dos negócios particulares. Só espanta a demora com que o ministério público, sempre conivente com as direitas, em usar o fator tempo para mascarar o melhor possível essa evidência.

Igualmente mais do que comprovada, a incompetência de Ana Paula Martins para o cargo de ministra da saúde. Já se somam tantas mortes, tantos nascimentos de bebés em ambulâncias ou fecho de urgências hospitalares, que impressiona a leviandade com que quem nela manda não a remete à procedência. E, sobretudo, a duplicidade de Marcelo, que venenoso em circunstâncias muito menos graves relacionadas com ministros socialistas, mas agora de uma escandalosa complacência com quem é da sua cor política.

sábado, 27 de setembro de 2025

Aqui ao lado dá-se a receita certa

 

A ser verdadeira a manchete do Expresso, só confirma a razão porque não me identifico com a linha orientadora da atual direção do meu partido ao estender a mão ao governo no que ele vai tendo dificuldade em aprovar. Em vez de contrariar a política anti-imigrantes e deixá-lo no labirinto em que se enredou no namoro com o Chega, José Luís Carneiro entende judiciosa a estratégia de fazer um favor a Montenegro. Na mesma semana em que este virou costas a uma prática sempre seguida nos dois partidos do bloco central: fazer com que o secretário-geral do PS soubesse pelos jornais quem o governo acaba de nomear para a liderança das secretas.

A complacência da direção do Partido Socialista com as políticas de Montenegro lembra-me a dolorosa fase em que vi António José Seguro ter essa mesma estratégia para com Passos Coelho, apesar de todas as malfeitorias que esse malfadado desgoverno concretizara até então. Daí o entusiasmo com que eu e a Elza nos lançámos na época a militar junto de muitos outros camaradas para ver António Costa alterar o estado das coisas e encetar o que parecia ser um futuro melhor sob a égide da dita Geringonça.

Que Costa desmereceu a confiança nele então depositada é um facto. Vai-se confirmando pelo seu comportamento atual à frente de uma União Europeia à deriva entre os caprichos de Trump e as perversas estratégias de Putin. Se Ursula Van der Leyen é uma figura patética à frente da Comissão Europeia, não se vê António Costa dar alguma lucidez a uma atuação política que outros bonifrates - Macron, Merz, Karmer - vão personificando.

Pedro Sánchez, apesar de muito atacado, inclusive pelo poder judicial que replica a sanha conspirativa antissocialista dos seus lusos representantes, é o único a remar contra a corrente. Mostra qual o caminho: firmeza contra a tentação para ser frouxo, manter uma frente unida à esquerda contra as direitas que começam a esvaziar do inchamento eleitoral que, qual o sapo da fábula, fizeram-nas pensar na miragem de se tornarem tão imponentes como os enferrujados touros dos anúncios ainda espalhados pelos campos de Castela. O futuro das esquerdas está em juntarem forças numa luta determinada e constante contra as direitas apostadas em só governarem para os que já comem tudo e não deixam nada...

sexta-feira, 26 de setembro de 2025

Enquanto esperamos por tempos melhores

 

Ligo a televisão e ainda passam extratos do debate parlamentar de ontem. De um lado o primeiro-ministro enfiado num fato demasiado largo para as exíguas capacidades que demonstra. Do outro o demagogo da extrema-direita, recorrendo ao estafado papão dos imigrantes para justificar o tom exaltado com que vai enganando os seus crédulos seguidores.

Contraria-os uma esquerda minguada, tendo a liderar o seu maior partido quem, ao jeito de um sacristão provinciano, vai proferindo umas verdades sem carisma nem consistência ideológica por não demonstrar onde está situada a raiz de todos os males: neste capitalismo serôdio que teima em reinventar-se.

Agora fá-lo por conta dos donos das ferramentas algorítmicas. Estes alteram a visão cognitiva dos que, à luz da interpretação marxista, não deixam de ser os explorados, desejosos de aceder aos padrões de vida dos multimilionários sem entenderem quão fúteis são as miragens com que se deixam guiar pelos seus desertos pessoais.

Este cenário de mediocridade generalizada encontra eco na própria instrumentalização do sistema. No entretanto, e com o espalhafato do costume, o ministério público e a judiciária fizeram uma operação mediática para voltar a comprometer Pedro Nuno Santos com a requentada novela sobre a indemnização atribuída a uma antiga administradora da TAP, quando era ministro.

Quase por certo a ação em nada resultará. Mas a direita, que parece dominar essas instituições de "justiça", consegue o mais importante: desviar as atenções do caso Spinumviva, que compromete seriamente o primeiro-ministro, atirando com mais uma cortina de fumo, esperarão, porventura, armar confusão bastante para livrar Luís Montenegro da encrenca em que se vê.

O despudor marca toda esta governação. Tem sido essa a marca de Carlos Moedas que, sem obra própria para mostrar em Lisboa, faz suas as muitas recebidas em andamento da gestão camarária de Fernando Medina, publicitando-as como suas. E o  mesmo faz Montenegro com as contas públicas: tratou de correr do Banco de Portugal com quem a conseguiu, Mário Centeno, substituindo-o pelo cromo dos pastéis de nata, mas, nos discursos para supostos investidores internacionais, louva essa realidade como se para ela tivesse aplicado prego e estopa. Sabendo-se, ao mesmo tempo, que o Conselho das Finanças Públicas já dá como certo o regresso aos défices como corolário da ação incompetente de Miranda Sarmento.

Entretanto, notícias de drones a sobrevoarem os céus dinamarqueses dão óleo à histérica fogueira ateada pelos prosélitos da guerra anti russa. Diabolizam Putin e olham para a guerra na Ucrânia com o maniqueísmo primário de quem só vê virtudes num lado escusando-se a entender os argumentos do outro. Há muito que entendo o regime putinista como representação de uma direita mafiosa, mas erguer altares para tecer loas ao palhaço de Kiev é mais do que injustificado. Além das mais que ambíguas credenciais democráticas, a corte que o rodeia vai dando exemplos flagrantes de uma cultura de corrupção ao nível do que se pratica no lado contrário.

 

Somos espiados sem o sabermos

 

Um documentário no canal Arte - "Pegasus, um espião no seu bolso" de Anne Poiret - volta a trazer-nos o escândalo sobre uma tecnologia de ciberespionagem israelita, que tinha, entre os seus alvos, abrangido o próprio telemóvel de Emmanuel Macron.

Extrapolando para os crimes agora em curso em Gaza e na Cisjordânia, com expressão noutros países vizinhos do Estado genocida, demonstra-se o perigo deste tipo de tecnologia, que Edward Snowden avisa não ser exclusivo dos israelitas e poderá atualmente afetar muitos milhões de pessoas sujeitas a vigilância clandestina, incluindo quem escreve e quem lê este mesmo texto.

O filme não se limita a expor o software, criado pela empresa israelita NSO Group, mas revela os rostos e as histórias por trás da espionagem. O caso do jornalista Jamal Khashoggi, brutalmente assassinado depois de ter sido monitorizado por esta tecnologia, é um dos exemplos mais arrepiantes da forma como a ciberespionagem é um instrumento de repressão. O documentário mostra ainda como o Pegasus foi usado contra uma princesa árabe, raptada quando tentava fugir para o ocidente, e foi a ferramenta de vigilância de governos em países como o Azerbaijão, o México ou o Ruanda, onde a liberdade de expressão é uma miragem.

A ligação entre a NSO e o governo israelita é a chave para entender esta ameaça. A empresa, que se define como "líder em segurança cibernética", só pode exportar o seu produto com a aprovação do Estado de Israel. Esta autorização oficial transforma uma ferramenta de vigilância, apresentada como uma arma de combate ao terrorismo, num produto de comércio global, vendido a governos autoritários que usam-na para calar dissidentes, perseguir jornalistas e intimidar ativistas de direitos humanos.

Assim, o perigo que o filme revela ultrapassa o controlo de um governo isolado. Demonstra que a tecnologia, longe de ser um instrumento neutro, é uma arma de poder que, uma vez disseminada, coloca a privacidade, a liberdade de expressão e a segurança pessoal à mercê de forças que operam nas sombras. O que antes era um ato de paranoia, como proteger o telemóvel do mundo exterior, torna-se uma necessidade de sobrevivência, um passo crucial para quem recusa ser uma simples peça num xadrez de vigilância global. 

domingo, 14 de setembro de 2025

O Ricochete da Incompetência

 

Cem dias de governo de Luís Montenegro bastaram para confirmar o que muitos já suspeitavam: as direitas portuguesas não têm ponta por onde se lhes pegue. Os principais problemas que os governos de António Costa não tinham conseguido resolver – na saúde, na habitação, na educação – não só se mantêm como estão visivelmente piores. E se a competência dos ministros socialistas nunca esteve verdadeiramente em causa, a indigência atroz dos atuais titulares das pastas é de tal ordem que faz ter saudades até dos tempos mais conturbados da anterior governação.

Esta realidade expõe a natureza profundamente cínica da operação que levou à queda do governo socialista. Ano e meio depois da conjura judicial com origem na Procuradoria-Geral da República – apoiada por Marcelo e por uma imprensa abocanhada pelo grande capital –, os autores da façanha começam a deparar-se com o ricochete da sua estratégia golpista. Porque uma coisa é derrubar um governo, outra muito diferente é ter algo para pôr no seu lugar.

À semelhança do que Carlos Moedas faz em Lisboa, Montenegro tenta iludir os incautos com paliativos enganadores, como os recentes benefícios atribuídos aos reformados. São migalhas lançadas na expectativa de aguentar mais uns tempos nos cargos e beneficiar a sua base social de apoio, particularmente através de uma legislação laboral a contento dos patrões. Mas esta estratégia pode trazer-lhes grandes dissabores se os sindicatos da CGTP e da UGT se unirem num grande movimento grevista com potencial para pôr a andar a ministra do Trabalho.

O problema das direitas portuguesas é estrutural: não têm visão de futuro para o país, enredam-se nas suas próprias intrigas e não transmitem a mínima confiança a quem anseia por um país mais próspero e justo. Limitam-se a gerir o dia-a-dia com expedientes e a distribuir benesses pelos seus apoiantes, enquanto os problemas reais se agravam.

Esta incompetência não é casual – é o resultado lógico de uma mentalidade que vê a política como oportunidade de negócio e não como serviço público. Quando se chega ao poder através de expedientes judiciais e mediáticos em vez de propostas consistentes, o resultado só pode ser a mediocridade que agora se exibe sem pudor.

Enquanto em Portugal assistimos a este espetáculo deprimente, outros países mostram que é possível manter os princípios democráticos mesmo em tempos difíceis. O Supremo Tribunal brasileiro acabou de condenar Bolsonaro a justa pena de prisão, numa demonstração de que a legalidade democrática pode sobrepor-se aos intentos fascistas. Quatro juízes íntegros – alguns deles até com passado vinculado à direita – não deixaram de ser fiéis à Constituição e decidiram de acordo com o que ela impõe.

Que contraste com os nossos juízes e procuradores golpistas, que nem sequer dão mostras de ter argumentos suficientes para dar substância a tudo de quanto acusaram José Sócrates. Enquanto a justiça brasileira se distingue pela coragem e pela coerência constitucional, a portuguesa distingue-se pela subserviência aos poderosos e pela incapacidade de fundamentar as suas decisões mais mediáticas.

Este contraste revela algo fundamental: a qualidade das instituições democráticas não depende apenas das leis, mas sobretudo da integridade de quem as serve. No Brasil, juízes conservadores puseram a Constituição acima das suas preferências ideológicas. Em Portugal, magistrados supostamente impolutos puseram os seus cálculos políticos acima do rigor jurídico.

Nos Estados Unidos, a situação é ainda mais preocupante. A morte recente de um trumpista ultraconservador no Estado do Utah é apenas mais um episódio na escalada de violência que Trump polarizou de tal forma que tende a multiplicar o sangue derramado – tanto dos que se lhe opõem como dos que o apoiam.

Ao contrário do que aconteceu no Brasil, onde as instituições resistiram aos ataques antidemocráticos, Trump conseguiu capturar parte significativa do sistema judicial e político americano. A sua deriva autocrática não encontra os travões institucionais que funcionaram em Brasília, e o resultado é uma sociedade em polvorosa com um "xerife" que se julga nos tempos do Faroeste.

Esta comparação internacional é esclarecedora: mostra como a qualidade da democracia depende da firmeza das suas instituições e da integridade de quem as dirige. No Brasil, as instituições resistiram; nos Estados Unidos, foram capturadas; em Portugal, foram instrumentalizadas.

Há um fio condutor que liga estas três realidades: a crise das instituições democráticas quando são postas ao serviço de interesses particulares em vez do bem comum. Em Portugal, a justiça foi instrumentalizada para derrubar um governo; nos Estados Unidos, foi capturada para proteger um autocrata; no Brasil, resistiu a ambas as tentações.

O resultado está à vista: onde as instituições foram corrompidas, a governação tornou-se incompetente e a violência política aumentou. Onde resistiram, a democracia saiu fortalecida. A lição é clara: as instituições democráticas ou servem todos os cidadãos ou acabam por não servir ninguém.

Montenegro e os seus ministros são a prova viva desta verdade. Chegaram ao poder através de expedientes antidemocráticos e mostram todos os dias que não têm capacidade para o exercer. Como diz o ditado, quem vai à guerra dá e leva. E quem mina a democracia para chegar ao poder acaba por descobrir que não sabe o que fazer com ele. 

sexta-feira, 5 de setembro de 2025

Oportunismo em vez de responsabilidade

 

O acidente com o elevador da Calçada da Glória, que deixou várias vítimas — muitas delas turistas de diferentes nacionalidades — não foi apenas um episódio local. Teve repercussão internacional, manchando a imagem de Lisboa como cidade segura e bem gerida. Era, portanto, um momento que exigia responsabilidade, transparência e liderança firme por parte dos responsáveis políticos. Em vez disso, assistimos a um espetáculo de oportunismo protagonizado por Carlos Moedas, presidente da Câmara Municipal de Lisboa.

De todos os intervenientes políticos, foi Moedas o único que tentou capitalizar politicamente sobre o acidente. Fez-se convidar para um Conselho de Ministros onde nada havia a decidir sobre o sucedido, numa manobra que parece mais destinada a alimentar manchetes do que a resolver problemas. A sua presença não trouxe esclarecimentos, soluções ou medidas concretas — apenas mais ruído mediático. Depois passeou-se com Marcelo e Montenegro pelo cenário da tragédia seguida da absurda missa em que teve a oportunidade de assumir a pose compungida, que julga garantir-lhe votos nas temidas eleições, não só pelo pífio legado deixado a quem vier a seguir, mas sobretudo por quanto pode significar o seu definitivo ocaso politico.

Este comportamento contrasta com a postura que o próprio Moedas adotou no passado. Foi célere, quase impaciente, a exigir a demissão de Fernando Medina por motivo fútil,  desproporcionado. Agora, perante um acidente grave envolvendo uma empresa sob a sua tutela, não aplica a mesma bitola. Não há pedidos de demissão, não há assunção de responsabilidade — apenas silêncio e encenações.

Mais grave ainda é a tentativa de se colocar no papel de vítima. Em vez de prestar contas, Moedas aparece a "exigir respostas", como se fosse um mero espectador e não o presidente da autarquia responsável. Essa inversão de papéis é não só desonesta como profundamente reveladora: quem deveria estar a averiguar e esclarecer é precisamente quem se escuda atrás de indignações encenadas.

Carlos Moedas, homem de pequena estatura física, revela ser ainda menor na estatura moral. A liderança exige coragem, transparência e responsabilidade — não encenações, fugas e oportunismo. Lisboa merece mais do que um presidente que se esconde quando devia enfrentar.