domingo, 25 de março de 2012

A EMIGRAÇÃO, A VERGONHA DO PORTUGAL RENDIDO AO CAPITALISMO SELVAGEM

Os jornais trouxeram números reveladores de uma triste realidade: 150 mil portugueses emigraram durante o ano transacto. Os números da emigração aproximaram-se assim dos picos registados nas décadas de sessenta e de setenta do ano passado, quando se deu a maior vaga de sempre para França.
Desde 2007 já partiu meio milhão à procura de trabalho. Mas os destinos hoje são outros: Angola, Brasil e Inglaterra.
Só se mantém sem mudança a verdade de uma célebre afirmação de Eça de Queirós no final do século XIX: Em Portugal a emigração não é a transbordação de uma população que sobra, mas a fuga de uma população que sofre.

Documentário: «OUT OF THE DARKNESS» de Stefano Levi

Em 2007 o fotógrafo e químico de Colónia fez uma reportagem sobre um centro oftalmológicono Nepal. Encontrou o doutor Sanduk Ruit, um médico que consagrou a carreira às populações desfavorecidas dos países subdesenvolvidos e desenvolveu métodos cirúrgicos de custo baixo para permitir uma assistência médica nas regiões mais inacessíveis do mundo.
Em Março de 2010, Stefano Levi regressou a Katmandou com a sua equipa de filmagem para acompanhar o dr. Ruit na sua deambulação pelas montanhas nepalesas não muito distantes da aldeia em que nascera.
Graças a uma intervenção rápida, profissional e pouco dispendiosa, ele opera pessoas com cataratas, que não podiam deslocarem-se ao hospital da capital, nem dinheiro suficiente para o respectivo tratamento.
Para estes pacientes o Dr. Ruit é um verdadeiro salvador: depois de terem vivido como párias, reencontram subitamente o seu lugar na comunidade aldeã.
O filme acompanha a equipa médica nesse esforçado périplo de vários dias pelos Himalaias para transportarem o equipamento médico para as elevadas altitudes. Desvenda igualmente as repercussões dessa opacificação do cristalino na população local, suscitada pelas carências alimentares e pela intensa radiação ultravioleta. E também faz eco do combate desses médicos empenhados na salvação dos seus doentes.
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Há um momento no documentário de Stefano Levi, que é impressionante: quando uma miúda, abre os olhos depois de lhe tirarem a venda colocada durante a operação. Primeiro surpreendida ela mostra-se capaz de seguir com o dedo uma das linhas da mão do cirurgião e logo abre um sorriso luminoso de felicidade por passar a ver. Ela que estava segregada na aldeia aonde vivia tornava-se capaz de se passar a integrar plenamente na pequena sociedade local.
Será essa a melhor retribuição que o Dr. Ruit e os que o imitam, encontram para o seu esforço por tão árdua paisagem como o é a das aldeias das encostas dos Himalaias. Já limitado pelos seus 57 anos, ele é o melhor exemplo do que deve ser um médico para os seus pacientes: quem neles não vê clientes dispostos a pagarem-lhes a consulta ou a operação, mas gente sofredora, cujos males poderão ser solucionados.
É um outro tipo de medicina, mais fiel à do juramento de Hipócrates do que à cada vez mais desenvolvida nas sociedades ocidentais.
A estreia recente deste documentário nas salas alemãs vem lembrar valores ainda existentes nas sociedades subdesenvolvidas, mas que o capitalismo tem vindo a destruir nas consideradas como mais avançadas.

sexta-feira, 23 de março de 2012

A depressão nervosa da sociedade actual

Clarifiquemos desde o princípio: nunca simpatizei com Michel Rocard cujo percurso político me pareceu sempre errático, ora à esquerda (raramente), ora à direita (quase sempre) da linha oficial do Partido Socialista Francês.
No entanto, a idade tem o condão de dar sapiência a uns quantos protagonistas políticos que, já sem a ambição de virem a conquistar postos relacionados com o poder, se sentem libertos de constrangimentos e peroram sobre o quanto viram e o estão a ver na sociedade dos nossos dias. Acertando numas, errando noutras como é aqui o caso.
Nesse enquadramento vale a pena determo-nos na entrevista desse ex-primeiro-ministro francês recentemente publicada no Nouvel Observateur, em considera urgente a transformação da presente realidade por se mostrar tão dissonante com o interesse colectivo dos europeus: A moralização das nossas sociedades é uma exigência, já que a sobrevivência da nossa organização social depende da recolocação da finança no seu devido espaço. Mas, atenção, não há sociedade produtiva sem finanças eficientes. Só que relegá-la para onde ela deve estar não é fácil. A lembrá-lo basta atermo-nos na intensa resistência do sector quando Roosevelt impôs a Lei Glass-Steagall, que separava os bancos de depósitos dos de investimentos, medida devido à qual vivemos sessenta anos sem crise financeira mundial. E já então os bancos tinham mais lucros na especulação do que na gestão de depósitos.
Estamos, pois, situados no mesmo paradoxo em que Rocard se situava há trinta anos atrás, quando as nacionalizações eram um imperativo da frente comum liderada por François Mitterrand e ele se opunha com o argumento da necessidade de uma sociedade descentralizada política e economicamente. Rocard sabe que o grande entrave à alteração da sociedade injusta em que nos situamos passa por um controle dos bancos, que se dedicam aos jogos da especulação, mas reconhece a dificuldade da tarefa. E acredita que eles próprios aceitarão a mudança face ao risco que se perfila:
O risco de explosão continua de pé e a possibilidade de crise das dívidas soberanas europeias só lhe servirá de pequeno detonador. Mas, paradoxalmente, parece que, finalmente, os mercados também começam a recear o crash e começam a exigir mais regulação.
Se vamos acreditar na «racionalidade» dos mercados para assegurar a mudança, bem podemos esperar sentados! Neste sentido Rocard mantém uma linha de pensamento coerente com o seu percurso passado de não fazer ondas, que assustem os senhores do capital. Mas é precisamente por continuar a personificar uma voz de defesa dos interesses destes últimos, que o seu alerta sobre a estratégia de combate à crise ganha maior ênfase. Porque ele diz aquilo que a maioria dos observadores mais lúcidos sobre o estado das coisas, anda a defender há muito tempo: Qualquer ideia de pagar a dívida em condições que enfraquecem o crescimento e provocam a recessão é irracional, porque amputa a possibilidade de continuar a pagar a dívida. É preciso inventar o equilíbrio entre o pagamento da dívida e a manutenção da despesa pública necessária a manter o poder de compra e o investimento.
É claro que se torna mais fácil subscrevermos as ideias de Rocard, quando expõe o tipo de sociedade, que defende. Porque viver com maior qualidade de vida, menos escravizados aos ditames de uma sociedade de exploração do homem pelo homem, continua a fundamentar a perspectiva de uma utopia social exequível em que o direito à felicidade constitua um objectivo colectivamente alcançado. O tal amanhã que canta!
É nessa lógica que ele conclui: Trata-se de construir uma sociedade menos mercantil e cúpida, menos energívora e dispondo de mais tempo livre. É preciso suscitar práticas culturais e desportivas mais massivas. Redescobrir o tempo para a família, as relações de amizade e associativas. Não é indigno não trabalhar quando se sabe dar sentido ao tempo livre. Paul Lafargue já o dizia em 1902, quando defendia o direito á preguiça. E Keynes, em 1930, em plena crise, dizia: «antes do fim do século, bastarão três horas de trabalho assalariado por dia para que a humanidade provenha às suas necessidades» e «mas quando vejo o que as pessoas abastadas fazem do seu dinheiro, pergunto-me se não deveremos temer uma depressão nervosa universal». Estamos mergulhados nela.


quarta-feira, 14 de março de 2012

Let's change the world

Porque está a ser tão importante da exposição de tanta gente anónima nas redes sociais?
Gente desinteressante, que nada de excitante tem para contar aos outros, mas que vive na obsessão de se revelar em fotografias ou nas rotinas entediantes de cada dia? E que vegeta no grau zero do pensamento elaborado?
Para o sociólogo Francis Jauréguiberry o actual afastamento das utopias dá lugar a um presente a ser reconquistado pessoalmente. Nada se espera colectivamente do futuro, pelo que importa a realização pessoal no presente.
Será o dobre de finados pelas Utopias? Ou não estarão elas à espera de encontrarem o seu próprio caminho através dessas novas vias de comunicação?
Não estou tão certo de se justificar uma crítica negativa a toda a baralhada de informação inconsistente, que se produz na net.
Quem sabe se, de súbito uma ideia mobilizadora faz o seu caminho até aos mais aparentemente néscios e os ilumina com necessidades e reflexões para que nada os pareceria indiciar?
Para a filósofa Eléanore Dispersyn o hiperindividualismo degenerou, vendo-se tudo pelo filtro do “eu”, perdendo-se recuo, todos passando a ser especialistas porque se têm sentimentos. Todos se consideram legitimados a falar de tudo desde que passe por si mesmos.
A dúvida ganha um maior ênfase se pensarmos, que este hiperindividualismo tem a ver com esta financeirização da sociedade, que procura ostracizar os sentimentos e as emoções das pessoas.
Se pretendemos o regresso a uma organização social mais humana não deveremos, pois, cultivar essa subjectivação da realidade e a sua subordinação a pontos de vista, que neste momento só podem ser de insatisfação com a falta de empregos, de qualidade de vida decente, de capacidade de gerir por nós próprios a vida que nos resta? Não reside nessa insatisfação, que os facebooks, os blogues, os twitters tenderão a amplificar, a esperança de um ressurgimento do colectivo na exigência de uma outra forma de socialmente nos organizarmos?
É nesse sentido que disserta a etnóloga Emmanuelle Lallement que considera haver a tendência para denunciar o individualismo dessas pessoas que se manifestam na net, mas a sua ambição não é tanto a de se tornarem em alguém, mas a de pertencerem a um grupo, para participarem num acto social.
E esse acto social poderá assumir a dimensão de uma nova revolução emancipadora.

sexta-feira, 2 de março de 2012

Do animal político ao estado natural Do animal político ao estado natural

Por natureza o Homem vive em sociedade. Era o que dele dizia Aristóteles: um «zoôn politikon» (um animal político).
Questão que logo se colocou foi saber se esse animal político terá ganho defesas suficientes para nele matar a besta que continuaria a ser se não vivesse em sociedade, mas no estado selvagem.
A exemplo do que os cristãos irão acreditar com o seu Paraíso, os antigos gregos imaginavam que a humanidade vivera um longo período de felicidade e de prosperidade sob o reino de Cronos, o pai de Zeus. Um tempo em que as guerras e os ódios eram desconhecidos e a natureza facultava as suas riquezas com a maior das generosidades.
Platão descrevia essa época dourada na «Política» como sendo aquela em que a terra poupava os homens aos sofrimentos do trabalho e a todas as preocupações inerentes à vida em sociedade. Mas, ao contrário da crença transmitida pelo Génesis, os gregos e os romanos não optam pelo castigo divino como explicação para a expulsão desse jardim do Éden, mas por uma lenta degradação desse estado de felicidade original. Para eles à Idade do Ouro sucedera-se a Idade da Prata, quando Zeus substitui o pai e os homens se vêem obrigados a trabalhar a terra, que se torna objecto de partilha entre os que se passam a designar de proprietários.
Depois a Prata dá lugar ao Bronze e ao Ferro. Progressivamente aparecem então as doenças, as guerras e as fomes. O medo substitui a descontraída felicidade dos primeiros tempos.
Essa desvalorização do metal simbólico desvenda uma alquimia invertida em que o ouro se transforma em ferro e à qual se submetem inevitavelmente, e para sua grande infelicidade,  todos os homens doravante acometidos da consciência de viverem uma decadência e um estado de corrupção irremediáveis.
A constituição do mito da Idade do Ouro e as formas múltiplas que irá assumindo ao longo dos séculos, testemunham uma óbvia nostalgia da origem. Oferecendo a  possibilidade de desqualificar o presente em nome de um passado mistificado…
O mito da Idade do Ouro não é, pois, a manifestação de um estado de alma ou de um delírio melancólico, nem a expressão inocente dos lamentos de uma infância transposta à escala da Humanidade. A certos filósofos como Rousseau propiciar-se-á a oportunidade de enunciar um temível instrumento de comparação: o estado natural.
É no seu «Discurso das Ciências e das Artes», que Rousseau fará desse estado natural uma ficção normativa eficaz, ou seja um instrumento contra a ideia de progresso tão querida ao Espírito das Luzes.
Desde o seu primeiro discurso, Rousseau retoma o tema da decadência  tão prezada pelos Antigos no sentido de mostrar que o desenvolvimento da sociedade caminha para o afastamento do Homem desse estado natural. É essa a conclusão desse livro emblemático do pensamento do célebre filósofo.
Povos, saibam que a Natureza quis preservá-los da Ciência, como uma mãe subtrai uma arma perigosa das mãos do seu filho.
Para  Rousseau o homem que acredita nos benefícios da civilização fica surdo aos alertas da  Natureza.

quinta-feira, 1 de março de 2012

Raquel Freire, a irreverência nos genes

Não duvido que sempre houve e sempre haverão mulheres com espírito de Passionárias. E pelo artigo da «Visão» da semana passada a realizadora Raquel Freire é uma delas.
Conhecíamo-la do filme «Rasganço», sua longa-metragem de estreia com Coimbra por cenário de fundo e Ricardo Aibéo enquanto serial killer a assombrar a escadaria de acesso à Torre da Universidade.
Essa seria ainda a que crisma de fase burguesa da sua vida, quando o acesso ao consumo das artes lhe estava facilitado. Depois foi a viragem para um outro tipo de vida em que co-habita numa comunidade com mais uns quantos irreverentes e a luta por um outro tipo de sociedade se tornou o grande objectivo dos seus dias. Já sem a condução do Partido Comunista a que chegou a pertencer e em cujos valores cresceu desde a nascença como filha de um casal de universitários portuenses ligados à organização, mas com a mesma expectativa de mudar este estado de coisas em que a felicidade é uma utopia, quando deveria ser a conquista de quase todos…
Para já estão-nos prometidos um livro e um filme para breve. E muita contestação na rua agora que, a exemplo de Pedro Rosa Mendes, o ministro Relvas cuidou de calar radiofonicamente a sua voz de protesto