Por natureza o Homem vive em sociedade. Era o que dele dizia Aristóteles: um «zoôn politikon» (um animal político).
Questão que logo se colocou foi saber se esse animal político terá ganho defesas suficientes para nele matar a besta que continuaria a ser se não vivesse em sociedade, mas no estado selvagem.
A exemplo do que os cristãos irão acreditar com o seu Paraíso, os antigos gregos imaginavam que a humanidade vivera um longo período de felicidade e de prosperidade sob o reino de Cronos, o pai de Zeus. Um tempo em que as guerras e os ódios eram desconhecidos e a natureza facultava as suas riquezas com a maior das generosidades.
Platão descrevia essa época dourada na «Política» como sendo aquela em que a terra poupava os homens aos sofrimentos do trabalho e a todas as preocupações inerentes à vida em sociedade. Mas, ao contrário da crença transmitida pelo Génesis, os gregos e os romanos não optam pelo castigo divino como explicação para a expulsão desse jardim do Éden, mas por uma lenta degradação desse estado de felicidade original. Para eles à Idade do Ouro sucedera-se a Idade da Prata, quando Zeus substitui o pai e os homens se vêem obrigados a trabalhar a terra, que se torna objecto de partilha entre os que se passam a designar de proprietários.
Depois a Prata dá lugar ao Bronze e ao Ferro. Progressivamente aparecem então as doenças, as guerras e as fomes. O medo substitui a descontraída felicidade dos primeiros tempos.
Essa desvalorização do metal simbólico desvenda uma alquimia invertida em que o ouro se transforma em ferro e à qual se submetem inevitavelmente, e para sua grande infelicidade, todos os homens doravante acometidos da consciência de viverem uma decadência e um estado de corrupção irremediáveis.
A constituição do mito da Idade do Ouro e as formas múltiplas que irá assumindo ao longo dos séculos, testemunham uma óbvia nostalgia da origem. Oferecendo a possibilidade de desqualificar o presente em nome de um passado mistificado…
O mito da Idade do Ouro não é, pois, a manifestação de um estado de alma ou de um delírio melancólico, nem a expressão inocente dos lamentos de uma infância transposta à escala da Humanidade. A certos filósofos como Rousseau propiciar-se-á a oportunidade de enunciar um temível instrumento de comparação: o estado natural.
É no seu «Discurso das Ciências e das Artes», que Rousseau fará desse estado natural uma ficção normativa eficaz, ou seja um instrumento contra a ideia de progresso tão querida ao Espírito das Luzes.
Desde o seu primeiro discurso, Rousseau retoma o tema da decadência tão prezada pelos Antigos no sentido de mostrar que o desenvolvimento da sociedade caminha para o afastamento do Homem desse estado natural. É essa a conclusão desse livro emblemático do pensamento do célebre filósofo.
Povos, saibam que a Natureza quis preservá-los da Ciência, como uma mãe subtrai uma arma perigosa das mãos do seu filho.
Para Rousseau o homem que acredita nos benefícios da civilização fica surdo aos alertas da Natureza.