quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Uma cultura de facilitismo?


Anda por aí a ser divulgada a tese peregrina segundo a qual temos vivido em injustificada abundância, e que deveremos conformarmo-nos com os sofrimentos próprios de uma vida doravante marcada pelas frustrações. A felicidade fica adiada para outras reencarnações, que nesta só nos resta sofrermos os efeitos das dívidas contraídas pelos bancos e pela Madeira de Alberto João Jardim e que (quase) todos somos obrigados a pagar.
Veja-se este naco de prosa publicada num dos principais jornais e da autoria de um suposto psiquiatra do Júlio de Matos: é preciso dizer às pessoas que o sofrimento também faz parte da vida e que a crise é uma situação de oportunidade. (…) A dificuldade em reagir à crise deve-se ao facto de na última década se ter vivido à procura do prazer e da satisfação. Havia uma cultura de facilitismo, que criou uma almofada e impediu o contacto com a realidade. Criou-se a ideia de que não há sofrimento.
Eis o exemplo mais lapidar do conformismo mais reaccionário, que se pode encontrar por esta altura. O mesmo que esteve subjacente ao discurso de Passos Coelho no Pontal, que em miúdos significou mais ou menos isto: «vocês portugueses vão ficar com ordenados de miséria se tiverem a sorte de encontrar um emprego. E nem pensem em vir para a rua protestar, senão passam por maus patriotas!».
É a cultura do «aguenta, que é serviço!». Aquela que deveremos rejeitar, porque dando a realidade sobejas provas da inexistência de Deus e de vidas além-morte, para que é que iremos esperar por tal ilusão para calarmos o nosso sofrimento?
Pelo contrário deveremos exigir ser felizes aqui e agora e um governo decente, que se preze, deve trabalhar para tal objectivo ficar ao alcance da grande maioria.
Que se fustiguem, pois, as vozes que se multiplicam a defender conformismo: os mais ricos de entre os muito ricos abriram uma guerra social contra as classes médias e só resta a estas a aliança com os mais desvalidos nas batalhas por um mundo diferente em que o sofrimento se torne uma palavra ostracizada...

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