quarta-feira, 19 de novembro de 2025

A velhacaria é opção

 

Três notícias de ontem revelam, cada uma à sua maneira, o retrato da extrema-direita contemporânea: corrupção disfarçada de moralismo, hipocrisia elevada a sistema, e a tentação recorrente de procurar explicações biológicas para aquilo que é, simplesmente, uma escolha política.

Comecemos pela TAP. O Ministério Público investiga suspeitas de que os empresários David Neeleman e Humberto Pedrosa compraram a companhia em 2015 com o dinheiro da própria empresa. O consórcio Atlantic Gateway adquiriu 61% da TAP por apenas 10 milhões de euros, seguindo-se uma capitalização de 226,75 milhões de dólares com suspeitas de que os fundos vieram da Airbus. A compra de 53 aviões está ligada à privatização e é alvo de investigação por possíveis preços inflacionados.

A operação de buscas incluiu três grandes sociedades de advogados: PLMJ, Vieira de Almeida e Cuatrecasas. Uma auditoria da Inspeção-Geral de Finanças revelou pagamentos de 4,3 milhões de euros a administradores sem evidências de critérios claros. Humberto Pedrosa e David Neeleman foram constituídos arguidos, suspeitos de fraude fiscal qualificada e fraude à Segurança Social.

Detalhe relevante: a família Pedrosa, dona da Barraqueiro, é conhecida como financiadora do Chega. O partido que se diz contra a corrupção é financiado por quem está a ser investigado por ter comprado uma empresa pública com o dinheiro dessa mesma empresa.

E a inépcia junta-se à velhacaria: o deputado do Chega Manuel Magno Alves pediu reembolso de viagem nas mesmas datas em que faltou por doença. O presidente da Assembleia recusou o pagamento porque, pela segunda vez, o deputado atrasou-se a pedir autorização prévia para as deslocações ao Brasil. Pequenas fraudes quotidianas que revelam o carácter de quem as pratica.

Enquanto isto acontece, uma terceira notícia completa o quadro: há 15 anos, o Rendimento Mínimo Garantido concedia um apoio entre 60% e 80% do limiar da pobreza. Em 2023, já rebatizado como Rendimento Social de Inclusão, garante apenas 40% daquele valor. Um estudo apresentado ontem demonstra a "deterioração do RSI em relação ao limiar da pobreza". O dinheiro existe. Está é nas mãos erradas.

Do outro lado do Atlântico, os admiradores do trumpismo também enfrentam embaraços. O Congresso dos EUA aprovou, com quase unanimidade, uma lei que obriga o Departamento de Justiça a publicar todos os documentos relacionados com Jeffrey Epstein, o financeiro acusado de exploração sexual de menores e morto na prisão em 2019.

Trump, inicialmente contrário à divulgação, acabou por apoiar a medida após forte pressão da sua própria base republicana. O episódio revela uma perda de controlo sobre o seu partido desde o regresso à Casa Branca. Para parte do movimento MAGA e adeptos da teoria conspirativa QAnon, o caso Epstein simboliza um suposto "Estado profundo" envolvido em redes de pedocriminalidade. Trump, que alimentou estas narrativas em campanha, tenta agora desvalorizá-las como "embuste democrata", mas vê-se ultrapassado pelos seus apoiantes.

Sobreviventes de Epstein manifestaram-se diante do Congresso, exigindo justiça e denunciando a politização do seu sofrimento. Algumas acusaram Trump de proteger aliados e doadores ao resistir à publicação dos documentos. E apesar de negar qualquer ligação direta a Epstein, emails divulgados pelos democratas sugerem que Trump tinha conhecimento de certos abusos.

A ironia é cristalina: o líder populista que alimentou teorias conspiratórias sobre pedofilia nas elites vê-se agora encurralado pela própria base, que exige transparência sobre as suas ligações a um predador sexual. Tal como os financiadores do Chega em Portugal, que estão a ser investigados por fraude fiscal qualificada.

Perante tanta podridão moral, poderíamos ser tentados a procurar explicações biológicas. Seria o ADN dos apoiantes do Chega semelhante ao dos nazis? A propósito de um documentário do Channel 4, o médico-legista francês Philippe Charlier repudia essa tentação.

O documentário britânico "Hitler's DNA: Blueprint of a Dictator" fundamenta-se nos trabalhos de quem sequenciou o ADN de Adolf Hitler, sugerindo predisposições genéticas para autismo, esquizofrenia, bipolaridade.

Charlier é demolidor na crítica. Primeiro, não há garantia de que o material genético seja realmente de Hitler. Segundo, os resultados são apenas probabilidades estatísticas aplicáveis a populações, não a indivíduos. Terceiro, e mais grave, este tipo de abordagem pode levar a justificar ou relativizar os crimes como consequência de doenças genéticas, o que é cientificamente errado e moralmente perigoso.

O ADN é apenas uma parte mínima da equação. O ambiente, a experiência individual e o contexto histórico são determinantes. O documentário recorre ao sensacionalismo sem rigor científico, caindo paradoxalmente na mesma lógica da obsessão nazista pela "pureza genética".

Hitler foi um monstro pelas suas ações, não pelos seus genes. E os apoiantes do Chega que financiam o partido enquanto roubam empresas públicas, ou que pedem reembolsos fraudulentos, não o fazem por determinismo genético. Fazem-no por escolha, por ganância, por cumplicidade com um projeto político que normaliza a corrupção enquanto acusa os outros dela.

O ADN não é destino. A hipocrisia não tem limites. Mas a velhacaria é sempre uma opção consciente. E deve ser tratada como tal. 

terça-feira, 18 de novembro de 2025

As narrativas que nos vendem

 


Há dias em que a leitura da imprensa revela um padrão comum: a construção de narrativas falsas que servem interesses específicos ou alimentam preconceitos confortáveis. Hoje é um desses dias.

No «Público», Amílcar Correia estabelece o paralelo histórico que desmascara o Governo de Montenegro. Há 12 anos, Passos Coelho alterou o Código do Trabalho sob pressão da troika, com o desemprego nos 17,7%. A greve geral desse período levou ao célebre episódio do "irrevogável" de Paulo Portas. Agora, em 2025, as duas centrais sindicais voltam a unir-se motivadas por uma nova reforma laboral.

Montenegro considera a greve "incompreensível" e acusa PCP e PS de instrumentalização, ignorando convenientemente que a UGT tem ligações históricas ao próprio PSD. O contraste entre as duas agendas laborais dos mais recentes governos não podia ser mais claro: a Agenda do Trabalho Digno do PS reforçava direitos, combatia a precariedade, ampliava licenças; a Agenda Trabalho XXI da AD retira direitos, favorece empregadores, facilita despedimentos, penaliza sobretudo mulheres com filhos menores.

Como afirma Mário Mourão da UGT: "os patrões nunca tiveram uma coisa tão boa para eles". E surge num contexto de quase pleno emprego, mas com mais de metade dos trabalhadores a ganhar menos de 1000 euros. Ademais, não só a alteração não constava do programa eleitoral como a designação "Trabalho XXI" é enganadora por não representar progresso, mas retrocesso deliberado sem uma crise financeira como desculpa.

Do outro lado do Atlântico, na COP30 de Belém, assiste-se a uma narrativa igualmente fraudulenta. O Libération expõe como os lobbies da captura e armazenamento de CO₂ marcaram forte presença com 531 representantes, promovendo estas tecnologias como solução inevitável para limitar o aquecimento global. Argumentam que, dado o fracasso na redução de emissões, será preciso retirar carbono da atmosfera e armazená-lo, prometendo inovação, empregos e "crescimento verde".

Mas os cientistas mantêm sérias reservas. Reconhecem que tais técnicas podem ser necessárias como complemento, mas alertam para grandes incertezas quanto aos seus efeitos e eficácia. Não se sabe se o planeta arrefecerá da mesma forma que aqueceu, nem se o armazenamento será seguro a longo prazo. E há impactos irreversíveis - degelo dos glaciares, extinção de espécies - que não podem ser revertidos por engenharia. O objetivo prioritário continua a ser a redução das emissões, não a fé em soluções tecnológicas milagrosas.

O paralelo é evidente: em ambos os casos, vendem-nos promessas que servem interesses privados enquanto adiam ou impedem as verdadeiras respostas. Na COP30, os lobbies petrolíferos querem continuar a emitir prometendo capturar depois. Em Portugal, o patronato quer continuar a precarizar prometendo "modernização". É a mesma mentira: tecnologia mágica e mercado livre resolverão tudo, não é preciso mudar nada de fundamental.

Ainda no Libération, um terceiro exemplo de narrativa fabricada: o mito dos jôhatsu, os supostos desaparecimentos voluntários em massa no Japão. O sociólogo Hiroki Nakamori desmonta os números exagerados pela imprensa ocidental. Há 80-90 mil casos de desaparecimento reportados anualmente, mas metade é resolvida no próprio dia, 70% em menos de uma semana. Muitos envolvem idosos com doenças cognitivas. A ideia de que os japoneses desaparecem por vergonha é um estereótipo ocidental alimentado por casos mediáticos mal compreendidos.

É um exemplo perfeito de como construímos narrativas exóticas sobre outros, ignorando dados concretos. Preferimos o mistério oriental à realidade banal. Tal como preferimos acreditar nas promessas da captura de carbono em vez de reduzir emissões, ou nas virtudes da flexibilização laboral em vez de garantir direitos.

O padrão é claro: em todos os casos, a narrativa falsa serve um propósito. Disfarça interesses económicos de progresso tecnológico. Transforma destruição de direitos em modernização. Alimenta exotismo em vez de compreender realidades. A ilusão é sempre mais confortável que a realidade que exige mudanças difíceis.

Mas tanto no trabalho como no clima, a realidade não negoceia. E o tempo esgota-se para quem insiste em viver de ilusões vendidas como soluções. 

quinta-feira, 13 de novembro de 2025

Quando a resistência funciona

 

Montenegro já sente manifesto temor perante a contestação popular. Ainda não é o clima criado contra Passos Coelho aquando da tentativa de implementação da TSU, mas o primeiro-ministro começa a verse desmascarado por ter vendido gato por lebre nas eleições.

A greve geral anunciada pelas duas centrais sindicais demonstra forte mobilização popular. A manifestação em Lisboa atraiu mais de 100.000 trabalhadores, evidenciando a profunda insatisfação com políticas que priorizam interesses empresariais em detrimento dos direitos laborais. A CGTP e a UGT uniram-se pela primeira vez desde 2013 contra o pacote laboral que precariza o trabalho e desregula horários. Como afirma Tiago Oliveira, líder da CGTP, a greve já é um sucesso ao trazer visibilidade ao tema e forçar o debate público. A fatura está a chegar.

Enquanto isto, António José Seguro recusa-se a envolver-se no debate sobre a reforma laboral, precisamente quando cresce esse protesto. É uma renúncia cívica e política que Manuel Carvalho resume com precisão: "O que quer afinal Seguro? Que os portugueses escolham uma esfinge?" Seguro quer os votos da esquerda sem se comprometer com causas de esquerda. Quer parecer moderado sem ofender a direita. O resultado é a irrelevância política travestida de prudência presidencial. É por isso que merece o desprezo dos socialistas dignos desse nome.

A degradação do SNS prossegue ao ritmo planeado. Houve uma queda abrupta de 16% nas cirurgias oncológicas no último trimestre de 2023, deixando doentes com cancro à espera enquanto o sistema colapsa. Mas há quem lucre com o caos: o dermatologista Miguel Alpalhão faturou mais de 714 mil euros em três anos, auto-aprovando as suas próprias cirurgias 356 vezes e classificando indevidamente 47 como malignas para beneficiar de incentivos financeiros mais elevados. Ana Paula Martins, então administradora do Hospital de Santa Maria, continua no cargo enquanto o colapso avança conforme o desenho deliberado.

No plano internacional, o dinheiro que falta à saúde e à habitação despeja-se na Ucrânia de Zelenski, tão corrupto quanto Putin, mas custando-nos milhares de milhões desviados para contas privadas e para a indústria bélica. Enquanto em Portugal se cortam cirurgias oncológicas e os salários não chegam ao fim do mês, os governos europeus continuam a alimentar a máquina de guerra.

Mas há uma boa notícia que ilumina este quadro sombrio: a libertação do escritor argelino Boualem Sansal, detido em novembro de 2024 e condenado a cinco anos de prisão por exercer a liberdade de expressão. O indulto foi arrancado pela pressão internacional, incluindo pedidos de escritores e líderes políticos de todo o mundo. É prova de que a resistência organizada funciona, de que a solidariedade não é vã. Seja nas ruas de Lisboa contra a precarização, seja na mobilização internacional contra o autoritarismo, a luta compensa e deve continuar.

 

terça-feira, 11 de novembro de 2025

A visibilidade como forma de resistência

 

O cinema, pelo menos o que me interessa!, tem tido muitas abordagens da forma como os humilhados por sociedades onde se sujeitam a privações económicas ou reconhecimentos pessoais, procuram dar a volta às suas frustrações. Na maior parte das vezes sem sucesso.

Em "Uma Noite com Adela" (2024), de Hugo Ruiz, Laura Galán interpreta uma trabalhadora da recolha de lixo do turno da noite em Madrid que se sente vazia, infeliz e perturbada. Filmado em plano-sequência, o filme acompanha a sua noite de vingança contra todos os que julga responsáveis por ela ser o que é: um desastre. É um thriller que, noutras épocas, teria apreciado pelas suas qualidades cinéfilas - que existem - mas que agora me causa incómodo pessoal ao vê-lo. Talvez porque a vingança, por mais competente que seja a interpretação de Galán (premiada com o Goya de Melhor Atriz Revelação em "Porquinha"), raramente restitui dignidade aos humilhados. Apenas perpetua o ciclo de violência numa sociedade que continua a não ver os invisíveis - aqueles que limpam as ruas enquanto outros dormem. O filme ganhou o prémio de Melhor Novo Realizador no Festival de Tribeca, mas deixa-nos com a amarga certeza de que a raiva, mesmo justificada, dificilmente constrói futuros melhores.

Bem diferente é a abordagem de Ousmane Sembène, o primeiro realizador africano, cuja obra constitui uma denúncia sistemática dos crimes do colonialismo francês. Em "Camp de Thiaroye" (1988), co-realizado com Thierno Faty Sow, Sembène aborda o massacre perpetrado pelos franceses contra soldados africanos que tinham lutado ao lado da França na Segunda Guerra Mundial e, no regresso, se revoltaram contra os impostos elevados e os direitos inferiores que lhes eram concedidos.

O filme ganhou o Grande Prémio Especial do Júri no Festival de Veneza, mas foi proibido de distribuição em França durante dez anos - prova eloquente de que a verdade histórica incomoda quem prefere esquecer os seus crimes. Sembène não filmava vinganças individuais, mas restituições coletivas de dignidade. Os seus humilhados não estão sozinhos: são povos inteiros a quem foi roubada a humanidade, e o cinema torna-se, nas suas mãos, arma de memória e resistência.

Depois há "Umberto D" (1952), de Vittorio De Sica, que mostra o sofrimento de um velho professor caído na mais extrema miséria. É dramaticamente um dos filmes mais fortes da filmografia de De Sica - o que causa perplexidade, considerando que o realizador se tornaria depois mais vocacionado para comédias ligeiras, mesmo que com Mastroianni e Loren.

Umberto Domenico Ferrari, interpretado pelo não-ator Carlo Battisti (um professor universitário de Florença), é um reformado que luta para pagar a renda atrasada à senhoria impiedosa. Só tem dois apoios: a criada grávida Maria e o cão Flike.

De Sica dedica o filme ao pai, mas a homenagem estende-se a todos os trabalhadores que o sistema transforma em números e depois descarta. O filme, uma das obras-primas do neorrealismo italiano, foi acusado pelo jovem Giulio Andreotti de dar "uma má imagem do país". De Sica respondeu que apenas contava a realidade.

Como em Sembène, como em Adela: os humilhados procuram dar a volta às frustrações, quase sempre sem sucesso. Mas o cinema, ao torná-los visíveis, já é uma forma de resistência. 



 



segunda-feira, 10 de novembro de 2025

Destruição a duas velocidades

 

Há dias em que as notícias nacionais e internacionais convergem num mesmo diagnóstico sombrio: a aceleração da barbárie. Hoje é um desses dias.

A nível nacional, Ana Sá Lopes desmonta no «Público» a fraude eleitoral da AD: "Fica claro: a AD vendeu gato por lebre nas eleições. E foram só precisos meia-dúzia de dias para que no programa do Governo já estivessem inscritas as alterações às leis laborais. Só se pode concluir que já estava tudo pensado – mas não foi revelado aos eleitores por medo de represálias nas urnas."

A análise é demolidora. Montenegro e a AD esconderam deliberadamente dos eleitores o que pretendiam fazer. Mentiram por omissão, sabendo que se revelassem as suas verdadeiras intenções perderiam votos. É fraude eleitoral pura e simples.

"A liberalização dos despedimentos que vai acontecer por desaparecer a obrigação de reintegração do trabalhador em caso de despedimento ilegal manda uma mensagem a todo o mundo laboral: a segurança no emprego passa a ser facultativa. A mensagem é reforçada com o aumento do tempo em que um trabalhador pode estar em contrato a prazo."

E conclui: "Quando se iniciou a fase de governos PS em 2015 e o salário mínimo começou a ser sucessivamente aumentado, o PSD durante muito tempo esteve contra. Preferia indexar o aumento do salário mínimo 'à produtividade'. Depois, eventualmente porque durante algum tempo os governos PS foram populares, rendeu-se aos aumentos do salário mínimo. Agora, inverte a marcha em relação aos direitos dos trabalhadores – porque acha que pode e não é penalizado."

É precisamente aqui que reside o perigo. O PSD sente-se impune. Acredita que pode destruir décadas de conquistas laborais sem consequências políticas. A destruição dos direitos dos trabalhadores avança a toda a velocidade, enquanto o país assiste passivamente.

Mas esta destruição não é exclusivamente portuguesa. É global. E tem na questão climática a sua face mais aterradora.

O editorial do Libération sobre a COP 30 que se abre em Belém, no Brasil, é devastador no seu realismo. Longe vai o tempo em que se esperava que uma COP resultasse em avanços, mesmo que simbólicos. Longe vai também 2017, quando a retirada dos EUA do Acordo de Paris provocou uma onda de choque e uma união mundial contra Trump.

Hoje, dado o clima geopolítico, resta apenas esperar que a COP 30 se conclua da forma menos devastadora possível para o ambiente. É preciso contar os raros aliados num mundo totalmente desunido, esperando que os amigos de hoje não se transformem em inimigos amanhã.

A situação piorou drasticamente desde 2017. Os americanos já não se contentam em desvincular-se do Acordo de Paris: partem literalmente em guerra contra os cientistas do clima e a realidade das alterações climáticas, que qualificam, sem vergonha, de "embuste". Tentam infiltrar-se nas instâncias encarregadas de avançar no tema, nomeadamente a COP.

O título escolhido pelo Libération para a sua manchete resume tudo: "aCOPalypse NOW". Sobre a imagem da floresta amazónica em fumo, o jogo de palavras – fusão de "COP" com "Apocalypse" e referência ao clássico do cinema – não podia ser mais certeiro. É literalmente o apocalipse climático que se anuncia, enquanto a maior potência mundial declara guerra à ciência.

Mas nem tudo está perdido, sublinha o jornal. "Os Estados Unidos não se resumem à Casa Branca". E esta adversidade pode – ou deve – forçar a Europa a ser mais combativa e unida. É literalmente uma questão de vida ou de morte.

Aqui reside o paralelo entre as duas destruições. Tanto na frente laboral nacional como na frente climática global, o projeto é o mesmo: liquidar conquistas civilizacionais em nome de interesses privados, mentindo descaradamente sobre as intenções, contando com a passividade dos povos.

Em Portugal, destroem-se direitos laborais que custaram décadas a conquistar. No mundo, destrói-se o planeta que é o único que temos. Em ambos os casos, a estratégia é idêntica: negar a realidade (o PSD nega que está a precarizar; Trump nega as alterações climáticas), atacar quem denuncia (os sindicatos; os cientistas), e avançar o mais depressa possível antes que a resistência se organize.

Mas a resistência começa a dar sinais. A greve geral que UGT e CGTP preparam juntas pela primeira vez desde 2013 mostra que o movimento laboral acorda. E a consciência ambiental, como prova o título proposto por um leitor do Libération durante um debate público, está presente e ativa.

A questão, tanto no plano nacional como no global, é a mesma: chegaremos a tempo? Conseguiremos travar a barbárie antes que seja irreversível?

As próximas semanas e meses dir-nos-ão. Mas uma coisa é certa: a passividade já não é opção. Ou resistimos agora, ou depois será tarde demais. Quer para os direitos dos trabalhadores, quer para o planeta que habitamos.