segunda-feira, 10 de novembro de 2025

Destruição a duas velocidades

 

Há dias em que as notícias nacionais e internacionais convergem num mesmo diagnóstico sombrio: a aceleração da barbárie. Hoje é um desses dias.

A nível nacional, Ana Sá Lopes desmonta no «Público» a fraude eleitoral da AD: "Fica claro: a AD vendeu gato por lebre nas eleições. E foram só precisos meia-dúzia de dias para que no programa do Governo já estivessem inscritas as alterações às leis laborais. Só se pode concluir que já estava tudo pensado – mas não foi revelado aos eleitores por medo de represálias nas urnas."

A análise é demolidora. Montenegro e a AD esconderam deliberadamente dos eleitores o que pretendiam fazer. Mentiram por omissão, sabendo que se revelassem as suas verdadeiras intenções perderiam votos. É fraude eleitoral pura e simples.

"A liberalização dos despedimentos que vai acontecer por desaparecer a obrigação de reintegração do trabalhador em caso de despedimento ilegal manda uma mensagem a todo o mundo laboral: a segurança no emprego passa a ser facultativa. A mensagem é reforçada com o aumento do tempo em que um trabalhador pode estar em contrato a prazo."

E conclui: "Quando se iniciou a fase de governos PS em 2015 e o salário mínimo começou a ser sucessivamente aumentado, o PSD durante muito tempo esteve contra. Preferia indexar o aumento do salário mínimo 'à produtividade'. Depois, eventualmente porque durante algum tempo os governos PS foram populares, rendeu-se aos aumentos do salário mínimo. Agora, inverte a marcha em relação aos direitos dos trabalhadores – porque acha que pode e não é penalizado."

É precisamente aqui que reside o perigo. O PSD sente-se impune. Acredita que pode destruir décadas de conquistas laborais sem consequências políticas. A destruição dos direitos dos trabalhadores avança a toda a velocidade, enquanto o país assiste passivamente.

Mas esta destruição não é exclusivamente portuguesa. É global. E tem na questão climática a sua face mais aterradora.

O editorial do Libération sobre a COP 30 que se abre em Belém, no Brasil, é devastador no seu realismo. Longe vai o tempo em que se esperava que uma COP resultasse em avanços, mesmo que simbólicos. Longe vai também 2017, quando a retirada dos EUA do Acordo de Paris provocou uma onda de choque e uma união mundial contra Trump.

Hoje, dado o clima geopolítico, resta apenas esperar que a COP 30 se conclua da forma menos devastadora possível para o ambiente. É preciso contar os raros aliados num mundo totalmente desunido, esperando que os amigos de hoje não se transformem em inimigos amanhã.

A situação piorou drasticamente desde 2017. Os americanos já não se contentam em desvincular-se do Acordo de Paris: partem literalmente em guerra contra os cientistas do clima e a realidade das alterações climáticas, que qualificam, sem vergonha, de "embuste". Tentam infiltrar-se nas instâncias encarregadas de avançar no tema, nomeadamente a COP.

O título escolhido pelo Libération para a sua manchete resume tudo: "aCOPalypse NOW". Sobre a imagem da floresta amazónica em fumo, o jogo de palavras – fusão de "COP" com "Apocalypse" e referência ao clássico do cinema – não podia ser mais certeiro. É literalmente o apocalipse climático que se anuncia, enquanto a maior potência mundial declara guerra à ciência.

Mas nem tudo está perdido, sublinha o jornal. "Os Estados Unidos não se resumem à Casa Branca". E esta adversidade pode – ou deve – forçar a Europa a ser mais combativa e unida. É literalmente uma questão de vida ou de morte.

Aqui reside o paralelo entre as duas destruições. Tanto na frente laboral nacional como na frente climática global, o projeto é o mesmo: liquidar conquistas civilizacionais em nome de interesses privados, mentindo descaradamente sobre as intenções, contando com a passividade dos povos.

Em Portugal, destroem-se direitos laborais que custaram décadas a conquistar. No mundo, destrói-se o planeta que é o único que temos. Em ambos os casos, a estratégia é idêntica: negar a realidade (o PSD nega que está a precarizar; Trump nega as alterações climáticas), atacar quem denuncia (os sindicatos; os cientistas), e avançar o mais depressa possível antes que a resistência se organize.

Mas a resistência começa a dar sinais. A greve geral que UGT e CGTP preparam juntas pela primeira vez desde 2013 mostra que o movimento laboral acorda. E a consciência ambiental, como prova o título proposto por um leitor do Libération durante um debate público, está presente e ativa.

A questão, tanto no plano nacional como no global, é a mesma: chegaremos a tempo? Conseguiremos travar a barbárie antes que seja irreversível?

As próximas semanas e meses dir-nos-ão. Mas uma coisa é certa: a passividade já não é opção. Ou resistimos agora, ou depois será tarde demais. Quer para os direitos dos trabalhadores, quer para o planeta que habitamos. 

sábado, 8 de novembro de 2025

Papalvices e outras mistificações

 

António José Seguro veio agora fazer o papel de Madalena arrependida, dizendo-se de esquerda na entrevista à RTP. Poderá enganar quem vá no logro. Para mim é isso mesmo: um logro para papalvos. Algo que pretendo não ser.

O homem que propôs a "abstenção violenta" perante Passos Coelho, que disse há dias que teria repetido o acordo com a troika se pudesse voltar atrás, surge agora travestido de progressista a reclamar credenciais de esquerda. É a mesma estratégia que tem seguido José Luís Carneiro: palavras à esquerda, ações à direita. Ou, pior ainda, inação quando a ação se impõe.

Seguro representa tudo aquilo que a Terceira Via trouxe de pior à social-democracia europeia: a capitulação perante o neoliberalismo disfarçada de pragmatismo, o complexo de inferioridade perante a direita, a preguiça da imaginação maquilhada de realismo. Mário Soares tinha-o percebido há décadas. Alguns de nós recusamo-nos a esquecer.

E se Seguro representa a fraude progressista, André Ventura personifica a fraude religiosa. Pacheco Pereira sublinha a incompatibilidade entre o Chega e a suposta filiação cristã do seu líder: "A Igreja Católica e muitas comunidades luteranas e protestantes dão um papel relevante à 'empatia' e à 'compaixão' e já têm falado na defesa dos mais fracos, em particular dos imigrantes, de uma forma que é claramente contra o populismo anti-imigrante do Chega."

A observação é certeira. Ventura invoca constantemente valores cristãos, mas pratica o oposto do que Cristo pregou. Onde está a compaixão no discurso de ódio contra imigrantes? Onde está a empatia na demonização de comunidades inteiras? Onde está o amor ao próximo na defesa de políticas que criminalizam a pobreza?

O cristianismo de Ventura é uma fraude tão grande quanto o progressismo tardio de Seguro. Ambos instrumentalizam valores que não praticam, ambos mentem descaradamente sobre aquilo que são. A diferença é que Ventura nunca escondeu a sua natureza - apenas a veste de religiosidade para a torná-la mais palatável. Seguro, esse, finge agora ser o que sempre combateu.

E por trás destas duas fraudes prepara-se uma terceira, mais perigosa. São José de Almeida manifesta dúvidas quanto à capacidade de Passos Coelho em voltar a liderar o PSD e vê-o como exemplo de um serôdio sebastianismo: "O sebastianismo é uma realidade cultural profunda, até estrutural da política portuguesa. A mitificação de líderes passados como potenciais salvadores no futuro faz parte dos mecanismos de pensamento popular em Portugal. Talvez seja esse o pano de fundo cultural das interpretações que têm sido feitas das intervenções de Pedro Passos Coelho. Ou pode ser que o próprio alimente esse desejo. É legítimo, repito. Mas tenho para mim que as soluções futuras de poder no PSD terão de ser outras."

A análise é pertinente, mas peca por excesso de generosidade. Passos Coelho não é um mito sebastianista surgido espontaneamente da cultura popular portuguesa. É um projeto deliberado de setores do grande capital e da direita mais reacionária, que veem no falhanço anunciado de Montenegro a oportunidade para regressar com um programa ainda mais brutal de destruição do Estado social.

As suas recentes intervenções não são nostálgicas nem inocentes. São preparatórias. Quando fala de "reformas" que não podem ser adiadas, todos sabemos o que significa: o desmantelamento acelerado de direitos, a entrega de serviços públicos ao privado, a precarização total do trabalho. E desta vez, ao contrário de 2011, em coligação explícita com o Chega.

Não se trata de sebastianismo. É fascismo recauchutado.

Mas se Seguro, Ventura e Passos Coelho representam três faces da mesma ameaça, há sinais de que a resistência começa a organizar-se. Intentando desfigurar a legislação laboral, despojando-a de direitos que se julgariam mais do que consolidados, o governo consegue um feito histórico: a UGT e a CGTP preparam a greve geral para o início de dezembro. As centrais sindicais unem-se contra as alterações à legislação laboral apresentadas pelo Governo. É a primeira vez desde 2013 que se juntam para uma greve no setor público e privado.

Quando o governo consegue unir a UGT e a CGTP, é porque ultrapassa todas as linhas vermelhas. A última vez que isso aconteceu foi precisamente contra Passos Coelho, em 2013, no auge da austeridade da troika. Onze anos depois, Montenegro repete a proeza: agredir de tal forma os direitos dos trabalhadores que as duas centrais, historicamente divididas, não têm alternativa senão juntar forças.

É este o caminho das tais "reformas" que Passos Coelho diz não poderem ser adiadas. É isto que o sebastianismo dos poderosos nos reserva: a destruição sistemática de décadas de conquistas laborais, o regresso à precariedade como norma, a liquidação da contratação coletiva.

Mas se o governo pensa que pode passar por cima dos trabalhadores sem resistência, está a cometer o mesmo erro de há onze anos. A greve de dezembro será apenas o começo. O rio começa a extravasar.