A greve geral não é apenas legítima - é necessária e urgente. E merece o apoio de todos os que compreendem que o que está em jogo transcende alterações pontuais à legislação laboral: é sobre o modelo de sociedade e de economia que queremos para o futuro.
Montenegro questiona com candura o propósito da greve, afirmando que "não faz sentido" e que se deveria "esperar para saber se vem aí alguma coisa que prejudique os trabalhadores". A resposta é simples: não é preciso esperar. O que está proposto já prejudica, deliberadamente e de forma estrutural, quem trabalha.
Pedro Adão e Silva desmonta a pergunta retórica do primeiro-ministro com a ironia que merece. Que sentido faz esta greve? Bom, se excluirmos a facilitação do despedimento individual, a eliminação do direito à reintegração de trabalhadores ilegalmente despedidos, a substituição de trabalhadores do quadro por outsourcing, o regresso ao banco de horas individual, a descriminalização do trabalho não declarado, a facilitação da caducidade da contratação coletiva, a possibilidade de ter contrato a prazo a vida toda - e a lista continua -, então talvez não fizesse sentido nenhum.
O propósito desta revisão é claro: desequilibrar a lei a favor dos empregadores e diminuir a natureza coletiva das relações de trabalho. A própria ministra do Trabalho o admitiu: a lei atual tem "algum desequilíbrio em favor dos trabalhadores". As propostas do Governo são de tal forma enviesadas que nem nos sonhos mais ambiciosos do patronato se esperava um brinde destes.
Mas há uma dimensão que transcende a mera defesa de direitos: esta greve é também pelo futuro da nossa economia. Daniel Oliveira demonstra-o com clareza: enfraquecer a negociação coletiva é travar o desenvolvimento económico. Quem compete baixando custos de trabalho cada vez mais precário desiste de investir na organização, na tecnologia e na qualificação. Se a lei tira poder negocial aos trabalhadores, favorece as empresas menos inovadoras e pune quem aposta na qualidade.
O reforço da negociação coletiva, que esta contrarreforma contraria, obriga as empresas que vivem da precariedade e de baixos custos laborais a procurarem outros argumentos competitivos. É isso que nos prepara para o futuro. Como escreveu Ricardo Paes Mamede, quando não é possível competir à custa de salários baixos, a competição desloca-se para a inovação, a eficiência, o investimento em processos e em capital humano.
O aumento dos salários não depende apenas do aumento da produtividade. Se assim fosse, os salários teriam acompanhado a produtividade nas últimas duas décadas, e isso não aconteceu. À produtividade temos de acrescentar o poder negocial dos trabalhadores. E esse poder resulta da sua organização, que se faz em torno dos sindicatos. Fragilizar a negociação coletiva é atacar os sindicatos e a capacidade negocial dos trabalhadores na hora de distribuir o bolo do aumento da produtividade.
Manuel Loff contextualiza historicamente esta greve: poucas reuniram tanto apoio na sua convocatória. Esta é uma das raras ocasiões em que CGTP e UGT se juntam, mas é a primeira apoiada também pela União de Sindicatos Independentes. É até apoiada dentro da UGT por dirigentes do PSD que, como se vê, não têm peso na definição da política do seu partido quando está no poder.
As alterações propostas são tão enviesadas a favor dos patrões que Silva Peneda, ministro-estrela do cavaquismo e autor de uma das primeiras machadadas contra os direitos conquistados com o 25 de Abril, classifica a proposta como "muito inclinada para um dos lados". A Bagão Félix, que há 23 anos pôs em causa os direitos à pensão de trabalhadores que começaram na ditadura, faz "impressão" que se faça um despedimento coletivo e se vá buscar depois os mesmos trabalhadores em lógica de trabalho temporário.
Que protagonistas da guerra contra quem depende de um salário se sintam hoje ultrapassados é sinal da radicalização à direita que vivemos. Os gestores deste neoliberalismo crescentemente autoritário, feito de flexibilização - isto é, esmagamento - dos direitos de quem trabalha, vêm dinamitando a democracia tal qual julgávamos conhecê-la. Querem poder negar-se a negociar com os representantes dos trabalhadores, querem impedir a atividade dos sindicatos, num regresso sinistro a 150 anos atrás.
João Fraga de Oliveira detalha as consequências concretas da precariedade nos locais de trabalho: inibição de inscrição sindical, sujeição a sobreintensificação do trabalho, aceitação sem recusa de tarefas insalubres ou perigosas, falta de denúncia de situações de assédio e violência, desqualificação profissional. A precariedade laboral tem um "braço longo" que se projeta na desestruturação familiar, nas condições de habitação e saúde, na vida em geral de quem trabalha e, por esta, na sociedade.
Como lembra Bertolt Brecht: do rio que tudo arrasta, todos dizem que é violento, mas ninguém diz violentas as margens que o oprimem. A ministra do Trabalho valoriza o "impacto social danoso" da greve mas desvaloriza a segurança no emprego, o contrário da precariedade.
Os herdeiros do passismo regressaram ao poder e querem retomar o caminho de intimidação iniciado há 15 anos. Para eles, trabalha melhor quem tem medo, quem obedece e se cala. Quem não exige ser respeitado. Para esta gente, a democracia acaba quando cruzamos a porta dos nossos locais de trabalho.
Por isso importa mostrar que o mundo do trabalho não se rende à abulia. A escolha que fizer dirá tudo sobre o que dele esperar. De um lado, estarão os que não têm medo nem prescindem de direitos e dignidade. Os que sabem que esta greve é pela defesa do trabalho digno, mas também pelo futuro económico do país. Os que compreendem que fortalecer a negociação coletiva não é travar a economia - é prepará-la para o futuro.

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