segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

Desmascarar e reconstruir

 

Três textos no «Público» de hoje traçam o mapa da batalha política que se avizinha: desmascarar a extrema-direita e a sua agenda destrutiva, desmontar as falácias económicas que a sustentam, e reconstruir uma esquerda capaz de lhe fazer frente.

Apesar de alguns "comentadeiros" insistirem em ter sido Ventura o vencedor dos debates para as presidenciais, só o facciosismo pró-Chega de tais protagonistas mediáticos pode validar-lhes os argumentos. Como se viu com Catarina Martins, o candidato que mais repulsa suscita numa maioria de portugueses é um poço sem fundo de mentiras e contradições.

Ana Sá Lopes expõe-no com precisão. No debate da TVI, Ventura mostrou embaraço quando José Alberto Carvalho o confrontou sobre a operação da PJ que deteve polícias envolvidos em tráfico e exploração de imigrantes no Alentejo. Ventura, que normalmente comenta qualquer caso de imigração, evitou sistematicamente pronunciar-se sobre o escândalo e tentou desviar o tema para imagens de imigrantes sem documentos.

A insistência do moderador obrigou-o a reconhecer que os agentes deviam ser punidos, mas apressou-se a culpar as leis de imigração do governo anterior numa fuga evidente ao tema e na tentativa de proteger forças de segurança corruptas.

A gravidade do caso não pode ser minimizada: envolve condições próximas da escravatura e abuso de poder policial contra pessoas vulneráveis. O desconforto de Ventura sugere o receio de que parte do eleitorado do Chega simpatize com estes agentes corruptos. E talvez tenha razão para recear: é precisamente esse eleitorado que alimenta.

Ana Sá Lopes conclui alertando que a proposta de Ventura para reforçar os poderes presidenciais seria perigosa para a democracia. Estas são, diz, eleições presidenciais decisivas. E tem razão: entre candidatos com limitações e contradições várias, há um que representa uma ameaça direta às instituições democráticas. E esse não pode, em circunstância alguma, vencer.

Mas desmascarar Ventura não chega. É preciso também demolir as falácias económicas que sustentam o projeto da direita. A semana e meia da greve geral, Ricardo Paes Mamede fá-lo com rigor.

Mamede critica a narrativa recorrente de que flexibilizar a legislação laboral cria emprego. Argumenta que, na verdade, essas propostas visam enfraquecer a negociação coletiva - e isso não apenas prejudica a justiça social, como também compromete o desenvolvimento económico do país.

A negociação coletiva corrige a desigualdade de poder entre trabalhadores e empregadores, reduz conflitos laborais criando regras claras e diálogo institucional, e impede concorrência desleal entre empresas baseada na exploração laboral. Sistemas robustos de contratação coletiva reduzem desigualdades salariais e reforçam a parte do rendimento que vai para o trabalho, como confirmado por estudos do FMI. Estabilizam a economia ao evitar ajustamentos bruscos e facilitar o planeamento empresarial.

Mais importante, defende Mamede, a negociação coletiva é uma política de desenvolvimento económico, essencial para elevar a produtividade nacional. Desincentiva modelos empresariais baseados em baixos salários, estimula inovação, qualificação e investimento, promove relações laborais estáveis e ambientes propícios ao conhecimento, favorece coordenação sectorial em formação e carreiras, reforçando a competitividade.

Portanto, enfraquecer sindicatos e facilitar a caducidade de acordos - como pretende a proposta de reforma laboral do Governo com o apoio do Chega - prende Portugal numa economia de baixo valor acrescentado, prejudicando trabalhadores e o futuro económico do país. É exatamente o oposto do que o governo e os "comentadeiros" vendem: a destruição da negociação coletiva não moderniza a economia, condena-a ao atraso permanente. E a greve geral de daqui a semana e meia é a resposta necessária a esta tentativa de nos empurrar para trás décadas.

Mas para travar a direita não basta denunciar. É preciso reconstruir alternativas. E aqui São José Almeida traz notícias da XIV Convenção do Bloco de Esquerda.

Sempiterno defensor das estratégias frentistas das esquerdas, e fundamentado no tanto que a Geringonça prometeu e António Costa não quis potenciar, só me resta desejar sucesso a José Manuel Pureza à frente do Bloco de Esquerda na mesma medida em que desejo o mesmo a Rui Tavares no Livre ou a Paulo Raimundo no PCP. Para dar a volta a este contraciclo de direita, o PS não poderá prescindir deles quando mudar de líder e de modelos de comunicação com o eleitorado.

A convenção decorreu num ambiente de grande preocupação com o crescimento da direita radical e com a perda de influência do partido, atualmente reduzido a um só deputado. O encontro ficou marcado por forte autocrítica: dirigentes e militantes reconheceram que o BE está no "limiar da irrelevância" e que se afastou da sociedade e das lutas sociais.

Foram apontadas falhas estruturais acumuladas ao longo da história do partido - falta de implantação territorial, fraca presença autárquica e fragilidade organizacional. A tarefa agora é reconstruir as ligações com trabalhadores, desfavorecidos e movimentos sociais, estando presente nas empresas, sindicatos, bairros populares, escolas e em causas como feminismo, imigrantes e minorias de género. Fernando Rosas defendeu mesmo uma "revolução cultural" na organização interna.

No plano político externo, o BE pretende ajudar a reconstruir a esquerda e formar alianças estratégicas, criando um "polo à esquerda" para enfrentar a extrema-direita. Para liderar este processo foi escolhido José Manuel Pureza, uma figura histórica e consensual.

A honestidade da autocrítica contrasta violentamente com a postura de José Luís Carneiro no PS. Enquanto o Bloco reconhece que trocar rostos não basta e que há um partido inteiro para reconstruir, Carneiro limita-se a facilitar a vida a Montenegro em nome de uma moderação estéril. A diferença entre quem quer aprender com os erros para fazer melhor e quem apenas gere a derrota é abismal.

O caminho está traçado: desmascarar Ventura e a extrema-direita, demolir as falácias económicas que sustentam a destruição de direitos, e reconstruir uma esquerda plural e combativa capaz de oferecer alternativa credível. A greve geral de daqui a semana e meia será um momento decisivo. Mas é apenas o começo de uma luta mais longa.