Uma reportagem do canal Arte foi bastante esclarecedora: muitos dos parques africanos perderam a inocência de estarem vocacionados para a preservação da vida selvagem e converteram-se em operações comerciais focadas, sobretudo, no lucro proporcionado pelos turistas vindos do Hemisfério Norte para os supostos safáris ecológicos. Se há a vantagem de dissuadirem os caçadores furtivos, que dizimaram elefantes ou rinocerontes por causa do marfim dos dentes ou das equívocas propriedades afrodisíacas dos cornos, é um facto que esses parques nada trazem às populações circundantes, que até os veem com o rancor equivalente à sua crescente pobreza.
Esta é uma das contradições mais complexas da conservação moderna em África, onde a proteção da vida selvagem entrelaça-se com dinâmicas económicas e sociais profundamente desiguais.
Os parques naturais africanos nasceram, em grande parte, durante o período colonial, quando as autoridades europeias estabeleceram áreas protegidas seguindo modelos ocidentais que raramente consideravam as necessidades e tradições das comunidades locais. Décadas depois da independência, muitos destes espaços mantêm uma estrutura que privilegia os visitantes estrangeiros, perpetuando um modelo de "conservação de fortaleza" que exclui as populações autóctones.
O turismo de safáris, embora gere receitas significativas, cria frequentemente um sistema económico paralelo onde os benefícios fluem principalmente para operadores internacionais, hotéis de luxo e guias especializados, enquanto as comunidades rurais adjacentes permanecem marginalizadas. Esta situação é particularmente perversa porque muitas destas comunidades foram historicamente deslocadas das suas terras ancestrais para darem lugar aos parques.
A questão da caça furtiva ilustra bem esta complexidade. Enquanto os turistas pagam milhares de euros para fotografarem um elefante, um jovem local pode ver no marfim desse mesmo animal uma oportunidade de escapar à pobreza extrema. As redes internacionais de tráfico exploram esta vulnerabilidade, oferecendo quantias que, embora insignificantes no mercado final, representam fortunas para quem não tem alternativas económicas viáveis.
Alguns países tentaram implementar modelos mais inclusivos, onde as comunidades locais tornam-se parceiras na conservação através de programas de partilha de receitas ou gestão comunitária de recursos naturais. No Quénia, por exemplo, algumas entidades privadas trabalham diretamente com as comunidades masai, enquanto na Namíbia deram-se às populações locais direitos de gestão sobre a vida selvagem das suas terras.
Contudo, estes modelos alternativos enfrentam desafios enormes: pressão demográfica crescente, alterações climáticas que afetam tanto a vida selvagem como a agricultura de subsistência, e a necessidade de equilibrar a conservação com o desenvolvimento económico sustentável.
A verdadeira sustentabilidade da conservação africana passaria por repensar estes modelos, garantindo que a proteção da biodiversidade se tornasse não apenas compatível, mas fundamental para a melhoria das condições de vida das populações locais. Só assim se poderia quebrar o ciclo de ressentimento e exclusão que, paradoxalmente, ameaça a própria conservação que se pretende alcançar.
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