segunda-feira, 25 de agosto de 2025

O alívio térmico e a incompetência perene

 

Esta semana promete um alívio das temperaturas, descendo finalmente abaixo dos 30 graus. É uma boa notícia para os bombeiros, verdadeiros heróis nacionais cujos esforços sobre-humanos, e por vezes o sacrifício final, têm sido a única barreira entre a tragédia e a população. Enquanto o país respira aliviado com a meteorologia, outro tipo de alívio, bem mais questionável, será certamente sentido em certos círculos do poder.

Para Luís Montenegro e a sua equipa, o arrefecimento do tempo é uma bênção disfarçada. Os dias que se seguiram à festa no Pontal revelaram, num ricochete de consequências amargas, a ligeireza e a incompetência com que exercem esta (des)governação. Afastado o espectro dos incêndios, o governo pode agora regressar à estratégia preferida: a manipulação da opinião pública, na esperança de conseguir um resultado auspicioso nas próximas autárquicas. Contudo, a prova final está marcada no calendário: as chuvas de finais de setembro. Se forem copiosas, exporão de forma crua a irresponsabilidade de um executivo que nada fará para acautelar as enxurradas, deixando encostas rapadas de vegetação à mercê da força das águas. Em São Bento, multiplicar-se-ão as rezas aos santinhos, na esperança de que a sorte não lhes escape e esta frágil perspetiva de sucesso não se estrague de vez.

Para quem anseia pela mais do que previsível queda em desgraça deste elenco governativo, e pelo regresso de uma esquerda capaz de fazer um trabalho melhor, importa não alimentar ilusões. A história recente ensina-nos que a permanência no poder não é só decidida pela competência. António Costa resistiu à tragédia de Pedrógão Grande em 2017, apesar da contínua sabotagem de Marcelo Rebelo de Sousa, da ação de setores do Ministério Público e de uma imprensa conluiada no seu derrube.

Agora, Montenegro beneficia de um cenário radicalmente oposto. Tem um inquilino de Belém pródigo em elogios tão injustificados quanto eram ferinas as críticas aos governos socialistas. Tem um Procurador-Geral da República, o "amigo Amadeu", a refrear a curiosidade dos magistrados mais diligentes sobre as Spinumvidas e outros dossiês sensíveis. E conta com uma imprensa maioritariamente alinhada com a sua causa. Com este colete salva-vidas de instituições, o Primeiro-Ministro pode iludir-se com uma sensação de estabilidade.

Engana-se, claro. A questão de fundo permanece: ele e os que arregimentou são de uma falta de qualidade lastimável. A sua gestão é tão pobre, tão desprovida de visão e preparação, que a estratégia mais sensata é simplesmente deixá-los pousar. Os casos, as falhas, as tragédias decorrentes da sua incompetência irão, mais cedo ou mais tarde, emergir. E serão esses episódios, e não a oposição, sobretudo a mansinha da atual liderança socialista, que confrontarão os que neles votaram com a insensatez da sua opção. O alívio térmico é passageiro; o calor da sua incompetência é perene e acabará por os consumir. 

sábado, 23 de agosto de 2025

Os equívocos dos “safáris ecológicos”

 

Uma reportagem do canal Arte foi bastante esclarecedora: muitos dos parques africanos perderam a inocência de estarem vocacionados para a preservação da vida selvagem e converteram-se em operações comerciais focadas, sobretudo, no lucro proporcionado pelos turistas vindos do Hemisfério Norte para os supostos safáris ecológicos. Se há a vantagem de dissuadirem os caçadores furtivos, que dizimaram elefantes ou rinocerontes por causa do marfim dos dentes ou das equívocas propriedades afrodisíacas dos cornos, é um facto que esses parques nada trazem às populações circundantes, que até os veem com o rancor equivalente à sua crescente pobreza.

Esta é uma das contradições mais complexas da conservação moderna em África, onde a proteção da vida selvagem entrelaça-se com dinâmicas económicas e sociais profundamente desiguais.

Os parques naturais africanos nasceram, em grande parte, durante o período colonial, quando as autoridades europeias estabeleceram áreas protegidas seguindo modelos ocidentais que raramente consideravam as necessidades e tradições das comunidades locais. Décadas depois da independência, muitos destes espaços mantêm uma estrutura que privilegia os visitantes estrangeiros, perpetuando um modelo de "conservação de fortaleza" que exclui as populações autóctones.

O turismo de safáris, embora gere receitas significativas, cria frequentemente um sistema económico paralelo onde os benefícios fluem principalmente para operadores internacionais, hotéis de luxo e guias especializados, enquanto as comunidades rurais adjacentes permanecem marginalizadas. Esta situação é particularmente perversa porque muitas destas comunidades foram historicamente deslocadas das suas terras ancestrais para darem lugar aos parques.

A questão da caça furtiva ilustra bem esta complexidade. Enquanto os turistas pagam milhares de euros para fotografarem um elefante, um jovem local pode ver no marfim desse mesmo animal uma oportunidade de escapar à pobreza extrema. As redes internacionais de tráfico exploram esta vulnerabilidade, oferecendo quantias que, embora insignificantes no mercado final, representam fortunas para quem não tem alternativas económicas viáveis.

Alguns países tentaram implementar modelos mais inclusivos, onde as comunidades locais tornam-se parceiras na conservação através de programas de partilha de receitas ou gestão comunitária de recursos naturais. No Quénia, por exemplo, algumas entidades privadas trabalham diretamente com as comunidades masai, enquanto na Namíbia deram-se às populações locais direitos de gestão sobre a vida selvagem das suas terras.

Contudo, estes modelos alternativos enfrentam desafios enormes: pressão demográfica crescente, alterações climáticas que afetam tanto a vida selvagem como a agricultura de subsistência, e a necessidade de equilibrar a conservação com o desenvolvimento económico sustentável.

A verdadeira sustentabilidade da conservação africana passaria por repensar estes modelos, garantindo que a proteção da biodiversidade se tornasse não apenas compatível, mas fundamental para a melhoria das condições de vida das populações locais. Só assim se poderia quebrar o ciclo de ressentimento e exclusão que, paradoxalmente, ameaça a própria conservação que se pretende alcançar. 

domingo, 17 de agosto de 2025

A luta entre o velho e o novo

 

Em 1932, Walter Benjamin chegou a Ibiza em busca de refúgio. Fugia da Berlim sombria, onde a crise económica e o avanço do nazismo anunciavam tempos de catástrofe. Naquela ilha, longe do turbilhão alemão, Benjamin refletiu sobre a luta entre o antigo e o moderno, entre o capitalismo decadente e o socialismo ainda frágil, mas portador de uma promessa de futuro. A sua análise, enraizada no materialismo histórico, via naquele embate não apenas uma disputa económica, mas uma guerra de temporalidades: o passado que se agarra ao poder e o futuro que insiste em nascer, mesmo sob os escombros da crise.

Quase um século depois, Portugal (e o mundo) vive um conflito semelhante. O capitalismo global, envelhecido e disfuncional, recusa-se a morrer, financiando extremas-direitas que prometem restaurar uma ordem que já não existe — ou que só existiu para uns poucos. O espectro do fascismo reaparece, não como novidade, mas como último recurso de um sistema que vê as suas bases a desmoronarem-se. A habitação inacessível, a saúde privatizada, a educação precarizada e o emprego inseguro são sintomas de uma crise que não é apenas económica, mas civilizacional.

Benjamin alertou para o perigo de uma modernidade que, em vez de emancipar, reproduz as mesmas opressões sob novas roupagens. Hoje, assistimos a uma falsa modernidade: a dos governantes que fazem festas enquanto o país arde, a dos demagogos que vendem soluções autoritárias para problemas que eles próprios aprofundaram. O "novo" que eles oferecem não passa do velho disfarçado — mais violência, mais desigualdade, mais desespero.

Mas se o passado insiste em persistir, onde está o verdadeiro novo? Para Benjamin, a esperança estava nos oprimidos que, ao tomarem consciência da sua condição, poderiam romper o continuum da história. Em Portugal, essa força só pode vir dos jovens — não dos conformados, mas daqueles que, como os seus avós em 1974, perceberem que a liberdade não se conquista com promessas vazias ou com a brutalidade fascista. Quando entenderem que a solução não está nem nos que os asfixiam com falsos liberalismos nem nos que lhes prometem ordem à custa da democracia, talvez então o novo possa emergir.

O socialismo — não como dogma, mas como projeto de justiça e dignidade — continua a ser a única alternativa capaz de responder às crises do presente. Benjamin sabia que a história não é linear: há avanços e recuos, mas a luta nunca cessa. Se o velho mundo insiste em arrastar-nos para o abismo, caberá às novas gerações empurrá-lo, de vez, para as catacumbas da História. Para que, como diria Benjamin, os "amanhãs que cantem" deixem de ser uma utopia e se tornem, finalmente, uma possibilidade tangível.

O futuro não está garantido — terá de ser conquistado. 

quinta-feira, 14 de agosto de 2025

Quando a incompetência é rotina

 

No mesmo dia em que uma jovem grávida dava à luz na via pública, abandonada pelo 112, também enfrentei o desespero de um sistema de saúde que já não responde. Enquanto aquela família improvisava um parto na rua, eu estava do outro lado do telefone, à espera que a Linha Saúde 24 decidisse atender a minha chamada. Quinze minutos de mensagens automáticas, repetidas como uma zombaria, enquanto a Elza sofria com uma infeção urinária que exigia ação imediata.

Felizmente, consegui ajuda fora do sistema – amigos médicos que resolveram em minutos o que o Estado, com os seus serviços falhados, não foi capaz de fazer. Mas e quem não tem essa sorte? E aquela jovem que pariu no asfalto, sem um profissional por perto?

O que mais revolta não é apenas a incompetência, mas a hipocrisia de quem hoje governa. Quando estavam na oposição os mesmos, que hoje calam-se perante o colapso da Saúde eram especialistas em escândalos mediáticos. Nos tempos do PS qualquer falha mínima era motivo para exigências de demissões, protestos estridentes e manchetes inflamadas.

Agora? Silêncio. A ministra da Saúde, invisível e inoperante, agarra-se ao cargo como quem teme perder as mordomias e os tachos para os amigos. Enquanto isso, os portugueses sofrem: esperam horas nas urgências, desistem de chamadas que nunca são atendidas, e veem-se obrigados a resolver sozinhos crises que deveriam ser assistidas pelo Estado.

O mais triste é a resignação. O povo que os colocou no poder aguenta e cala, mesmo quando a revolta seria mais do que justificada. Onde estão os protestos? Onde está a indignação coletiva que antes se via aos primeiros sinais de falha?

Enquanto não houver consequências reais para quem desgoverna, nada mudará. Continuaremos a ver jovens a parir na rua, doentes a esperar eternamente por uma resposta, e um Ministério da Saúde que funciona como um fantasma – presente nos orçamentos, ausente na vida das pessoas.

Até quando? 

segunda-feira, 11 de agosto de 2025

O Silêncio Depois da Tempestade

 

Nas últimas semanas, mantive-me em silêncio. Não por indiferença ou resignação, mas numa espécie de exercício contemplativo – deixar a poeira assentar depois da recente eleição que penalizou aquele que seria o mais competente líder para a governação do país.

Quando olho para a mediocridade manifesta de Luís Montenegro e a comparo com as inequívocas qualidades de Pedro Nuno Santos, é genuinamente penoso constatar como o eleitorado seguiu, mais uma vez, aquela regra perversa que também vigora noutras geografias: escolher invariavelmente o mais rasca, desde que seja mais manhoso na habilidade ancestral de enganar os incautos.

Não estou sozinho nesta leitura. Rodrigo Sousa Castro, capitão de Abril e figura incontornável da nossa democracia, não hesita em classificar o atual executivo como um "governo de trogloditas sociais a reboque dos fachos do Chega". Do mesmo modo, o professor Nobre Correia vê neste elenco governativo um conjunto de figuras que, se tivessem vivido noutro tempo, teriam sido "dedicados lambe-botas do salazarismo". Palavras duras, mas que espelham uma realidade que muitos preferem ignorar.

O próprio Marcelo, que tanto conspirou nos bastidores para erradicar os socialistas do poder, deve estar agora a dar tratos à cabeça perante a constatação de como o almejado governo da "sua gente" pode revelar-se tão manifestamente mau. Porque a verdade crua é esta: em todas as áreas, absolutamente todas, tudo piorou. Na saúde, na educação, na habitação. E o mais inquietante é não se sentir ainda a vaga de fundo de um protesto coletivo que dê uma noção clara de que se sentem enganados aqueles que optaram por aquilo que agora vigora.

Todos os dias, sistematicamente, surgem notícias que evidenciam como as políticas de extrema-direita agora em implementação só tendem a agravar o que já era manifestamente mau. No Público de hoje, Ulisses Garrido insurge-se, muito justamente, contra um dos aspetos menos divulgados da celerada reforma laboral: a redução do dever das entidades patronais em proporcionarem formação profissional aos seus trabalhadores, de forma a capacitá-los com maiores competências. Em vez de apostar na melhoria da produtividade de quem trabalha, este (des)governo prefere remetê-los à condenação perpétua de nunca passarem da cepa torta.

E há exemplos ainda mais eloquentes desta incompetência criminosa. No dia imediato a morrerem 350 animais no incêndio de uma pecuária em Santarém, o governo elimina a obrigatoriedade legal de existirem sistemas de deteção de incêndio nessas explorações. A ironia macabra desta decisão dispensa comentários.

Infelizmente – e digo-o como socialista de há quatro décadas com as quotas em dia – temos hoje uma direção que não desejaria ter. Precisamente quando mais necessitaríamos de uma liderança forte, destemida, sem medo de chamar os bois pelos nomes, cabe-nos uma liderança "moderada", desejosa de conciliábulos com quem não os quer, nem tão pouco os merece.

Esta é a nossa realidade: um país entregue à mediocridade governativa, enquanto a principal força de oposição se debate com liderança tíbia que confunde moderação com capitulação. Resta-nos a esperança de que o povo, mais cedo ou mais tarde, desperte desta letargia coletiva e exija o que mais precisa: competência, seriedade e verdadeiro compromisso com o interesse público.

Até lá, o silêncio já não é opção. É tempo de falar alto e de dar o devido troco a quem o merece.