domingo, 22 de janeiro de 2017

Um ano de marcelismo

1. Um ano depois da vitória nas presidenciais, Marcelo Rebelo de Sousa deu a primeira entrevista na função, confirmando a habilidade para o discurso ambíguo, nele cabendo todas as leituras possíveis consoante a predisposição de quem o ouviu.
Quem apoia Costa fica confortado com o aparente respaldo. Quem está com Passos contenta-se com a legitimação para que se mantenha à frente do PSD até ao fim da legislatura. Quem está nas outras esquerdas parlamentares ficou com a quase explicita convicção quanto à necessidade da reestruturação da dívida. E os entusiastas de Cristas ter-se-ão sentido aliviados com a desaprovação à nacionalização do Novo Banco.
A necessidade de Marcelo em fazer-se-amar continua a ser tal, que ajusta as palavras de forma a tornarem-se empáticas com as diversas opiniões do eleitorado.
Eu continuo a não me marcelizar e não é pelo despeito de não ter tirado nenhuma selfie com ele. Até lhe elogio isso: ao contrário do que aqui previ há alguns meses, ainda não o vi bater-me à porta para tirar esse testemunho fotográfico a pretexto de, entre os 10 milhões de habitantes, ser o único a faltar-lhe na coleção. O que não está excluído, que venha a acontecer!
Em 24 de janeiro de 2016 votei em Sampaio da Nóvoa e teimo em considerar que tratava-se do candidato mais conveniente para os tempos imprevisíveis em que vivemos. Infelizmente não foi esse o veredito dos portugueses que preferiram quem, a seu tempo, demonstrará os verdadeiros intentos do projeto para que se ajeitou com prevenida antecedência.
2. Não tendo particular entusiasmo pela descida da TSU, embora lhe tenha compreendido o propósito, continuo a apontar Passos Coelho como o único culpado da sua provável inviabilização.
Os patrões que, em entrevistas e outras intervenções públicas, andam a atribuir a culpa às esquerdas, estão a confirmar a equiparação ao célebre escorpião da fábula: está-lhes na natureza atacarem os seus fidalgais inimigos. Por isso em vez de confrontarem o seu testa-de-ferro no parlamento com as posições ideologicamente estapafúrdias, alinham com ele no objetivo fundamental: dificultar a governação de António Costa na expetativa de o ver embrulhado em desacordos insanáveis com os demais partidos da esquerda parlamentar. Lá no íntimo continuam à espera do Diabo, que lhes tem trocado as voltas, sem nunca aparecer.
É avaliarem mal - como aliás lhes vem sendo habitual - a capacidade do primeiro-ministro para virar as adversidades a seu favor e transformá-las em oportunidades de maior afirmação dos inesgotáveis dotes de negociador. Como concluía Daniel de Oliveira na crónica no «Expresso»: “Costa tem um problema que obviamente ultrapassará. Passos, aprofunda um problema que o começa a ultrapassar”.
3. Nas primárias socialistas para definir o candidato à eleição da próxima primavera, Benoit Hamon conseguiu ficar à frente de Manuel Valls, desmentindo uma vez mais a previsão das sondagens.
Tratando-se daquele em quem votaria se também o pudesse ter feito, sobram poucas dúvidas, que confirmará a sua liderança na segunda volta. Pode-se lamentar que não vá a tempo de criar a vaga de fundo propícia à vitória final, mas será ele o mais indicado para devolver ao Partido a matriz socialista, que Hollande e Valls quiseram declarar extinta.
Um a um, os patrocinadores da Terceira Via no movimento socialista europeu vão sendo confrontados com a indigência das suas estratégias, conhecendo sucessivas, e esperemos que irreversíveis, derrotas!

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