terça-feira, 29 de novembro de 2016

Teoria da Conspiração II: regresso a Macondo

Muitos anos depois, quando o escândalo o obrigou a escrever o seu pedido de demissão, o procurador Rosário lembrou o dia em que o pai o levou a ver a chegada do primeiro circo a Macondo. Havia palhaços, acrobatas, malabaristas e domadores de animais. Mas havia também uma imitação da história da Branca de Neve com uma bruxa particularmente assustadora.
Miúdo ainda, encontrara em tal figura uma das mais terríveis, que lhe iriam assombrar a vida. Nessa mesma noite, depois de a ex-procuradora-geral Joana o acusar de incompetente, havia-a tido a visitá-lo nos pesadelos noturnos, precisamente na figura dessa bruxa má oriunda da sua infância.
Joana e, sobretudo, o pai, que continuava a ser para ela uma referência, tinham há décadas um ódio de estimação por José. Fora ela a instigar o investigador Paulo a vasculhar toda a documentação fiscal de José e dos amigos mais próximos para detetar algo que levasse o inimigo por muitos anos para a prisão pondo-lhe fim à ainda prometedora carreira política. Fora ela quem trouxera esse mesmo Paulo ao gabinete de Rosário, incumbindo os dois de trabalharem em conjunto e descobrirem o que fosse possível para satisfazer os seus objetivos.
Anos a fio o procurador dedicara todo os seus tempos de trabalho e a maioria dos de descanso a seguir dezenas de pistas que justificassem o episódio para ele mais comprometedor: a decisão de Joana e de um juiz despeitado pela forma desvalorizada como os colegas o viam de prenderem o cosmopolita e garboso José numa noite em que vinha de Bogotá. Televisões convocadas para o efeito e jornalistas da confiança de ambos, tinham criado aquilo a que José sempre se viria a referir como uma narrativa sem pés nem cabeça.
Agora que o escândalo ganhava força de ricochete, o procurador Rosário sentia o chão a fugir-lhe aceleradamente debaixo dos pés. O jornal da manhã, em que tinha publicação garantida tudo quanto conviesse à investigação, acabava de fechar porque os donos não tinham conseguido satisfazer a enorme dívida fiscal cujo pagamento fora adiado pelo governo anterior.
Rosário adivinhava o que os colegas diziam nas suas costas: que pegava em processos, gastava milhões nas respetivas investigações e nada conseguia apurar.
Com José tinham falhado todas as teorias, desde o suposto dinheiro escondido nas contas do amigo, às comissões recebidas por obras atribuídas a uma construtora, ou pela aprovação do plano de ordenamento que possibilitara uma urbanização de luxo no sul da região. E até nada se encontrara sobre as faladas verbas oriundas da Venezuela, pagas pelo amigo Chavez.
A última tentativa, já patética no conteúdo, tinha sido fundamentada na hipótese de José estar envolvido na compra de uma televisão em que pretendia difundir notícias mais a seu gosto.
Todas as hipóteses tinham falhado. Nenhuma pista tinha conduzido onde ele imaginara possível satisfazer a vontade a Joana.
Num momento breve julgara possível arquivar tudo sem ninguém dar por isso, assim de fininho, esperançado em que as atenções se concentrassem noutros assuntos mais candentes.
Isso seria desconhecer a determinação de José Buendia. Quem o teria conseguido calar, mais ao conjunto dos seus ruidosos apoiantes?
Nessa manhã, o novo procurador chamara-o ao gabinete. Demissão era o mínimo que se lhe exigia, mas já um clamor enorme crescia na praça central a exigir que ele, Joana, Paulo e o juiz de primeira instância fossem julgados.
É que, se no tempo de Aureliano Buendia se fuzilavam os autores dos atentados contra quem era poder, no do seu tetraneto a justiça acabava por exigir contas a quem intentara outra forma de assassinato. O político.

Mikheil Arbolishvili

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