terça-feira, 11 de outubro de 2016

Diálogos com o Jaime Santos (I): do Socialismo e da Social-democracia

Estou convencido que as reações do Jaime Santos em relação a alguns textos aqui publicados, podem ser muito interessantes de acompanhar por expressarem posições bastante distintas em quem, ideologicamente, não estão assim tão distantes quanto parecem. Mas, se ele se afirma social-democrata e aposta na pertinência desse modelo para as atuais circunstâncias, eu entendo-o completamente desfasado batendo-me pela afirmação firme e decidida do receituário socialista, de uma vez por todas tirado da mítica gaveta.
A respeito do texto «Viveremos de facto num tempo de incertezas» ele comentou (uma vez mais a divisão em parágrafos é da minha responsabilidade para facilitar a leitura!):
“Não vale a pena assustar alguém dizendo-lhe que vamos buscar-lhe o dinheiro onde ele está.
Por cada ação haverá naturalmente uma reação e não vale a pena justificar tal comportamento com a 'falsa consciência' ou lá o que é.
É bem simples, as pessoas são capazes de ser generosas, mas velam sobretudo primeiro pelos seus interesses e os dos que lhe estão próximos. Se lhes dissermos que mais vale gastar dinheiro com escolas do que com prisões, elas aceitam tal sem problemas, assim como são capazes de pagar mais impostos. É também isto a social-democracia. Não apaga a luta de classes, mas gere-a.
Claro, se a Esquerda insistir no Socialismo num mundo globalizado em que Portugal está dependente do investimento externo como de pão para a boca (vide a viagem de Costa à China), vai ver a velocidade com que ficamos reduzidos a uma espécie de Venezuela ou Angola sem petróleo. E diga-me sinceramente qual a dignidade que se alcança em reduzir todos à posição dos pobres da margem Sul? Em que isso os ajuda? Trata-se de puro revanchismo social, é o que é. Parece-me mesmo que às vezes a Esquerda sofre de uma pulsão de morte, como bem dizia o Ricardo Alves.
De novo, é a questão da defesa da ética das responsabilidades perante a das convicções... “
Relativamente a estas palavras redarguo o seguinte: andámos tantos anos a “envergonharmo-nos” de ser socialistas, que será muito positiva a afirmação orgulhosa dessa condição e de como ela tem respostas alternativas eficientes para as situações que nos queriam convencer só darem espaço para o «calar e comer» tudo quanto viesse dos gurus entroikados.
É, aliás, curioso notar como até nos EUA o Bernie Sanders teve os resultados excelentes nas primárias democratas apesar de nunca hesitar em proclamar-se socialista. Se já nem na terra do tio Sam a palavra mete medo, porque temos de nos disfarçar em “fofinhos” sociais-democratas?
Fugirão os tais investidores daqui por nos julgarem perigosos esquerdistas? Não foi isso que aconteceu com a China apesar de se dizer (embora saibamos quanto isso é falso!) «comunista»! Pelo contrário poucos serão os capitalistas mais importantes da lista da Forbes, que não cuidaram de ir buscar mais uns trocos no grande país oriental.
Da mesma forma não será por saberem que a atual maioria parlamentar conta com o apoio da esquerda “mais radical” (!?) que os investidores chineses evitarão cá pôr o seu dinheiro. O que quererão é retorno rápido de quanto aqui investirem.
Ora é aí que a porca torce o rabo: mais do que investimento a qualquer preço (bem podemos imaginar como os do Império do Meio arranjaram os seus milhões!), importa saber até que ponto ele corresponde ou não às necessidades do país. Traz, por exemplo, conhecimentos inovadores a quem for contratado para os implementar entre nós? Vem numa perspetiva de ganhos mútuos ou apenas para satisfazer a consabida ganância da maioria dos que andam a aplicar o dinheiro nesta altura de juros quase nulos, por todo o lado, mas que logo com ele daqui sairão quando eles começarem a subir?
Depois vem sempre o argumento intelectualmente pouco sério de associar o Socialismo ao que se passa na Venezuela ou em Angola. Ou em qualquer outro lado!
Num e noutro caso terão existido em tempos veleidades progressistas, mas que nunca se podem confundir com o Socialismo.
Lenine asseverou um dia que o comunismo seria o capitalismo mais a eletricidade. No estado de evolução da sociedade russa de então ele não podia imaginar que o capitalismo ainda encontraria forma de superar os seus momentâneos impasses - que tinham por essa altura suscitado essa terrível carnificina que foi a I Guerra Mundial! - com soluções expeditas para alargar o âmbito dos seus mercados e pô-los sempre a crescer. Primeiro com a exploração colonial, depois com o imperialismo e mais recentemente com a globalização.
Azar do sistema chegámos agora à economia digital, com toda a cultura de gratuitidade a si associada e que não consegue dar aos mercados a mesma exponencialidade no seu crescimento. E esse «cadáver esquisito tem um problema sério: quando não cresce, tende a definhar, a apodrecer, a morrer.
Mas a citada frase de Lenine expõe um dos princípios básicos do marxismo: a forma de organização social e económica das sociedades reflete o estado da respetiva evolução tecnológica. Ou, por outras palavras, meios de produção mais avançados tendem a exigir sistemas políticos, sociais e económicos em conformidade com essa transformação.
É por isso que Lenine não podia imaginar a falência da sua interpretação dos acontecimentos na Rússia de então - embora o tivesse intuído em 1905! - e que resulta nesta constatação: o marxismo previa que o socialismo só poderia advir de uma alteração qualitativa das circunstâncias em que o capitalismo deixaria de ter respostas para a estagnação e agravamento das desigualdades da sua fase terminal, e em que uma nova realidade tecnológica (o equivalente à “eletricidade”  referida pelo bolchevique!) precipitaria a mudança.
Por isso, quando os meus amigos sociais-democratas vêm com o falhanço da aplicação do marxismo na Rússia pós-czarista, na China de Mao ou na Cuba dos Castros esquecem-se que essas tentativas ignoraram a lógica definida por Marx: seria necessário superar a fase da economia rural com a industrialização e a formação de uma classe proletária para que existisse alguma viabilidade em serem bem sucedidas. Ora as derivas totalitárias mais não foram do que formas de tentar fazer dos sonhos realidades, quando estas não se compadeciam com os que as pretendiam acelerar. Qualquer dessas sociedades nunca tingiu a fase de capitalismo avançado e de produção industrial tecnologicamente avançada, que poderiam garantir o sucesso das respetivas revoluções.
Quanto à solução social-democrata ela fez todo o sentido numa altura em que o capitalismo passava por crises passageiras, mas superáveis e em que o crescimento das economias propiciava as condições para a mais fácil redistribuição de rendimentos. Por isso fez todo o sentido que as esquerdas enveredassem por tal modelo no pós-guerra de 1945, durante os míticos trinta anos dourados.
O problema é que acabaram as condições para ser possível o regresso a essa Sociedade de Bem Estar em que a democracia seja facilmente aceite como o melhor dos regimes para a pujante classe média. Numa sociedade cada vez mais desigual, a classe média ganha a classificação de espécie em perigo de extinção e agudizam-se as diferenças entre os que ficam com a maior fatia dos rendimentos disponíveis e a grande maioria apenas com acesso a algumas migalhas.
Daí que dê razão á Sandra Monteiro quando diz que este não é decerto um tempo de incertezas. Nós sabemos bem o estado das coisas e o que é preciso fazer para o orientar de acordo com os objetivos, que nos norteiam: os de uma sociedade mais livre,  fraterna e solidária, onde a igualdade volte a ser uma Utopia mais próxima de se concretizar.
(Diego Rivera, «Recreation of Man at Croassroads»)

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