quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

Mas temos mesmo de os aturar?


Gostava de ser mais novo, mas a idade já me é suficiente para ainda ter passado pelo indesejado «privilégio» de ter assistido a um discurso ao vivo do «venerável» presidente Américo Thomaz. Foi na abertura do ano escolar 1973 na Escola Náutica Infante D. Henrique, com os pides no fundo da sala a espreitar o comportamento dos alunos para impedirem que algum ousasse algo semelhante ao que, anos antes, Alberto Martins tinha pretendido fazer na Universidade de Coimbra.
Os mais sagazes de entre nós aproveitaram a oportunidade para escalpelizar as palavras lidas pelo orador na expetativa de nelas encontrar algum disparate, que se acrescentasse à comprometedora antologia de que ele era autor. O risco de dar a palavra ao último presidente do Estado Novo era que, sem a rede de proteção da que constasse no discurso escrito, ele saísse com uma daquelas involuntárias boutades, que constituíam absurdas anedotas.
Se julgávamos que, com fatias de bolo-rei de permeio, a sucessão de Thomaz tinha sido garantida por Cavaco Silva, o atual titular do cargo tem andado a mostrar-se perigoso concorrente do antecessor, ameaçando ultrapassá-lo pelo número de vezes e pela qualidade das anedotas de que começa a ser repetido criador. Caso para perguntar se, apesar de comprovadamente bom cirurgião, Eduardo Barroso não terá mexido em algo de mental, quando cuidou da hérnia do seu mais dileto paciente.
Se o discurso aos economistas da COTEC pareceu cingir-se a uma miopia política, que o levava a atribuir louros pela atual situação económica a quem, na realidade, os não merecia (Passos & Cª), a ideia peregrina de propor a um sem abrigo, que se abastecesse em pão no balcão em que repetia mais um dos seus números clownescos, raiou o absurdo thomaziano ao aludir-lhe a possibilidade de o poder utilizar na torradeira.
A anedota presidencial é risível, mas tem a ver com a sua desqualificação absoluta para o cargo a que ascendeu à conta de anos e anos de autopropaganda nas televisões privadas. Apesar de ter andado a distribuir beijos, abraços e selfies na campanha presidencial, ele não chegou a conhecer verdadeiramente o país. Porque como interpretar doutra maneira a sua surpresa por existirem muitos mais sem-abrigo do que julgava? Em que país julgava viver? Que efeitos imagina terem sido suscitados pelo governo de Passos Coelho, apesar de lhe continuar a louvaminhar os «méritos»?
Mas os disparates thomazianos não se ficam pela mais alta figura na hierarquia do Estado. Também a da igreja nacional, lhe compete no dislate: a sugestão de abstinência formulada por D. Manuel Clemente para os casais recasados só pode ser explicada pela idiotice de quem a formula. Porque, se não fosse para colherem o melhor da relação conjugal, para que esses casais se consorciavam?
Estamos a viver tempos estranhos em que, a par da inteligência de alguns dos nossos protagonistas políticos - com António Costa a liderá-los - também nos vemos incomodados com a lerdice de uns quantos outros.

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