sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

À espera de um Godot, que não lhes virá garantir a salvação

A votação para líder parlamentar do PSD, que correspondeu a uma verdadeira humilhação para o eleito e para o novo presidente do partido, vem ao encontro da tese relativa a uma expetável quebra nas legislativas de 2019, que tornem transitória a atual liderança. Mas a crise no PSD promete ser duradoura e prolongar-se pela próxima década adentro, se é que não implicará o seu fracionamento, já que Santana Lopes poderá sempre resgatar do sótão a velha ideia de um Partido dito Liberal apenas feito para satisfação do seu ego.
Compare-se a situação atual com a de há dez anos atrás, quando a crise financeira começava a dar sinais de vir a ocorrer , embora sem se julgar possível a dimensão verificada a partir de 15 de setembro desse ano, quando a Lehman Brothers abriu falência.
Na altura os grandes empresários já se tinham desafeiçoado de José Sócrates, que haviam louvaminhado como sendo o governante ideal para o país, quando lhes parecera permeável às suas pretensões. Bastou que muitos deles vissem frustrados os seus projetos de avultados negócios (e ainda mais lautos lucros) para que o transformassem no inimigo de estimação pronto a abater, como ocorreu com Belmiro de Azevedo, frustrado na ambição de monopolizar as telecomunicações e desde logo com o «Público» a servir-lhe de veículo de denegrimento constante do então primeiro-ministro.
 Por essa altura essa classe social já estava a promover Passos Coelho como sua almejada marioneta. Sabiam-no cábula enquanto estudou, mas tinha boa figura (o que poderia adoçar o eleitorado feminino, que o rival socialista houvera seduzido!) e tinha umas megalómanas ideias, que eram como o melhoral, não faziam bem, nem mal. O frustrado barítono pretendia mudar a Constituição como se ela fosse problemática para as negociatas do universo BPN & Associados e manifestava uma admiração beatífica pela Singapura do ditador Lee Kuan Yew. Replicar o «sucesso» desse tigre asiático nesta cantinho à beira Atlântico plantado figurava nas intenções do títere, como se as circunstâncias fossem replicáveis.
A conquista do poder por essas direitas políticas e dos negócios também andava bastante bem lançada com a campanha de marketing trapaceiro, que visava meter no imaginário coletivo as ideias, que bem caras viriam as revelar-se aos tontos, que nelas acreditaram como se fossem dogmas papais: que a gestão privada é sempre melhor do que a pública, que desnacionalizando serviços eles ficariam bastante mais baratos e com uma qualidade irrepreensível. E, porque havia que dar cabeças-de-cartaz para a excelência dos gestores privados essa foi a época de ouro de Zeinal Bava, de Paulo Teixeira Pinto, de António Mexia e outros que tais, cujos obscenos salários faziam corar de vergonha os mais talentosos craques do nosso futebol.
Houve até o caso caricato de João Rendeiro, presidente da Administração do BPP que, na semana de lançamento do seu livro encomiástico em que se dava como possuidor de um toque de Midas, foi preso e dado como fraudulento com direito a prisão. Esse exemplo não bastou para que os inocentes abrissem os olhos e evitassem oferecer o pescoço à degola, prosseguindo nesse crescente fervor por Passos Coelho.
Quando chegou o seu momento de glória o mais que tudo dos restaurantes finos de Lisboa não encontrou problema em disfarçar o vazio ideológico, que lhe varria a mente, porque a troika trazia um programa político-económico pronto a aplicar. O entusiasmo foi tanto, que ao grito de mata, logo ele gritou esfola, condenando o pobre do contribuinte a enormes aumentos de impostos, a cortes em ordenados e pensões e ao desaparecimento súbito de milhares de empregos. Convencido de que os portugueses mereciam a punição por serem os madraços do sul da Europa, que os alemães e holandeses zurziam a bel-prazer, Passos Coelho sentiu-se na pele de um pregador a quem o Deus todo poderoso da finança internacional entregava a tarefa de convencer os que teimavam em não lhe serem devotos.
Vem toda esta evocação para lembrar que há dez anos as direitas políticas e dos negócios tinham tudo pelo seu lado: uma crise económico-financeira em que poderiam surfar para defenestrar os socialistas, um político visualmente jeitoso, que ficasse bem nos cartazes eleitorais e nas televisões e todo um programa assente em desregulamentações e privatizações devidamente almofadado numa série de ideias feitas, que se pretendiam irrefutáveis, mas se viriam a revelar trágicas no seu logro.
Dez anos depois o que lhes resta? Onde estão os grandes empresários capazes de causarem admiração aos tolos que os não viam na sua essência de se interessarem exclusivamente pelos seus lucros? Onde andam os gurus, que levavam as revistas do tipo «Exame» a dar-lhes capas e a proclamar-lhes a genialidade? Onde anda a Igreja Católica na época ainda capaz de arregimentar votos de acordo com as instruções dos padres curas? Onde andam os líderes políticos capazes de enunciar uma ideiazinha, mesmo que pequenina, para o melhoramento da vida dos portugueses?
Dirão os mais avisados, que as televisões e os jornais andam a pelar-se por que chegue o Godot, que tire essas direitas das angústias existenciais em que vai vegetando. Mas espera-os o vazio, esse terrível nada, que tanto horror suscita a quem o pressente...

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