sexta-feira, 31 de março de 2017

Uma questão de vírus

Desde que o derrube do muro de Berlim significou uma viragem significativa no panorama político europeu, os partidos socialistas foram acometidos de forte vírus que muito os enfraqueceu. Se estavam em condições de governar (Schroeder na Alemanha, Blair em Inglaterra, Venizelos na Grécia, Zapatero em Espanha ou Hollande em França) teimaram em tomar das direitas as políticas a aplicar na governação. Se eram secundarizados nas eleições (Alemanha, Holanda, Grécia) cuidavam de manter cargos governativos, ainda que para cumprirem o que as maioritárias direitas lhe ditassem.
O resultado tem sido óbvio: o Pasok quase desapareceu do mapa, o PSOE mal chega aos 20%, os trabalhistas holandeses foi o que recentemente se viu). Há, pois, razões para crer que o vírus, como todos quantos costumam afetar a humanidade, tenderá a perder nocividade. Ao apoiar Emmanuel Macron, contra aquilo com que se comprometera antes das primárias, que perdeu para Hamon, Manuel Valls será daqueles que rapidamente desaparecerá do mapa. Como aconteceu aos que, ainda há três anos comandavam o Partido Socialista cá do burgo.
A vacina aqui aplicada foi muito eficaz e aos poucos vírus que restam (Assis e poucos mais!) condena-os a profunda solidão dos derrotados.

O caminho retomado

O Relatório do Banco de Portugal, que prevê em alta o crescimento da economia portuguesa em 2017, chegando a 1,8% do PIB, e uma redução do desemprego para baixo dos 10%, confirma a viragem das várias instituições, inicialmente muito céticas em relação aos resultados da governação socialista, e agora obrigadas a reconhecer os seus méritos. A própria UTAO já começa a indiciar esta mesma viragem e, um destes dias, até nem será de espantar se a drª Teodora também vier juntar-se ao cada vez mais afinado coro.
Faltarão algumas entidades internacionais, que ainda insistem no seu preconceito, nomeadamente as agências de notação financeira, mas também elas tenderão a ser vencidas por aquela que tem sido uma das grandes qualidades de António Costa em todo este processo de viragem da economia nacional: a paciência.
Não se confunda, porém, essa característica com uma qualquer forma de subserviência. Pelo contrário: enquanto Passos Coelho entrava nos Conselhos Europeus a medo, como se interiorizasse a possibilidade de lhe pedirem para imitar Durão Barroso na condição de mordomo da festa, Costa irrompe confiante por ali adentro, ciente de nada dever a ninguém e apostado em se fazer ouvir.
Sabe bem ter um líder assim: ousado nas negociações, mas prudente na consciência dos passos que pode dar para o atual tamanho da perna.
Não admira que os portugueses estejam mais e mais confiantes no seu futuro: os índices definidores desse estado de alma  equiparam-se aos de 2001, quando António Guterres ainda liderava um governo, que parecia conduzir o país na direção certa depois dos êxitos conseguidos com a Expo  1998, a independência de Timor  e a  incumbência de vir a organizar o Euro de 2004. Agora depois dos hiatos suscitados pela crise dos subprimes e pela vinda da troika, parece retomado o caminho de que lamentavelmente se desviou... 

quinta-feira, 30 de março de 2017

A falácia sobre o quase pleno emprego no Reino Unido ou na Alemanha



 No Reino Unido e na Alemanha a taxa de desemprego é inferior a 6%, quase se podendo dizer próxima do pleno emprego. Ao contrário, em Portugal, França ou Itália ela é de 10%, chegando-se a 20% aqui ao lado, em Espanha. A diferença tem, porém, um preço: o “pleno emprego” rima quase sempre com flexibilidade e pauperização de quem trabalha, sinónimos de precarização e perda de produtividade.
Na Inglaterra a opção dos mais pobres pelo brexit resultou da crença de ser a União Europeia a culpada por, desde 2008, 75% dos empregos criados terem sido a termo certo e o rendimento médio decrescer 12%. Trabalhar deixou de significar a pertença ao antigo estatuto de classe média, mesmo que baixa.
Há, porém, quem comece a questionar-se se é necessária tanta flexibilidade: vendo que os seus melhores colaboradores saíam com a mesma facilidade com que eram contratados, algumas empresas começam a sentir a necessidade de os aumentar. Os resultados não demoram a constatar-se: melhor produtividade e assiduidade, resultados mais interessantes na gestão operacional ao final do ano. Mas seis milhões de pessoas ainda são pagas abaixo do “living wage”, ou seja do mínimo expectável para conseguirem satisfazer as suas necessidades básicas.
Stewart Lansley, professor da Universidade de Bristol, defende que a excessiva flexibilidade no mercado do trabalho foi responsável pelo enfraquecimento da economia inglesa nos anos mais recentes, com a descida da produtividade (nunca foi tão baixa desde 1991!) e do número de novas empresas criadas num mercado supostamente favorável ao seu florescimento. A redução dos rendimentos de quem trabalha também teve efeito nocivo no consumo interno com o que isso contribuiu para arrefecer a economia.
Na Alemanha muitos dos que trabalham em empregos mal pagos, têm de recorrer aos bancos alimentares. Também aí se explica a emergência de uma extrema-direita com apoio suficiente para conquistar assentos parlamentares. Razão para que um defensor da economia de mercado como Marcel Fratzscher, presidente de um dos principais think tanks de Berlim, condene a opção tomada pelos governos alemães nos anos mais recentes. Porque se o setor da economia dedicado à exportação funciona bem, com salários elevados e estáveis, o dos serviços caracteriza-se pelo contrário: produtividade baixa e remunerações irrisórias. Dessa polarização resulta que só uma parte da população beneficie com a aparente saúde financeira do país.
Infelizmente foi um “socialista”, Gerhard Schroeder, o arquiteto da mudança, que permitiu passar a taxa de desemprego de 12 para 6%, mas à custa de baixos salários e de precarização dos empregos. Que prejudicam, como de costume, as mulheres, que são as maiores vítimas desse estado das coisas.
Os chamados minijobs não só inibem, os que a eles são obrigados, de não reivindicarem melhores condições para os trabalhos executados, como nem sequer permitem descontos para se vir a ter futuramente uma pensão de reforma.
Marcel Fratzscher considera que os empregadores têm dificuldade em conseguir colaboradores qualificados e motivados se não lhes pagarem o suficiente para que se sintam com perspetivas de futuro e ao abrigo das dificuldades nele percetíveis. Por isso mesmo é um defensor do aumento significativo do salário mínimo, que desmente serem causa de perda de empregos: na realidade as empresas acumulam lucros excessivos, que tendem a não querer redistribuir por quem as integra. Por isso mesmo defende, igualmente, um escrutínio público aos administradores das empresas privadas, consoante atuam no sentido de uma maior ou menor diminuição das desigualdades sociais.
As conclusões a retirar deste retrato são evidentes:  é redondamente falsa a argumentação dos neoliberais segundo os quais os baixos salários criariam mais riqueza e empregos. E que obrigar quem trabalha a deveres exagerados para quase nenhuns direitos só poderá conduzir a péssimas consequências.

Má sina ser seropositivo na República Checa

Os países do Leste europeu não cessam de nos surpreender pela negativa. É a ditadura de Orban na Hungria. É a estigmatização das mulheres que abortam na Polónia. É a caça às bruxas de que são alvo os seropositivos na República Checa. Neste último caso eles são convocados a interrogatórios policiais, que visam acusá-los de transmissão voluntária do vírus da Sida. Por isso vivem na clandestinidade, sem sequer consultarem médicos pelo medo de se verem denunciados. Tratam-se por si mesmos com antibióticos, nem sequer indicados para os seus problemas, ou buscam solução no estrangeiro se forem suficientemente abonados para tal.
Em janeiro de 2016 os organismos oficiais da saúde pública fizeram uma queixa judicial contra 31 seropositivos, acusados de relações sexuais não protegidas e de porem em perigo vidas alheias. Incorriam em penas até 10 anos de prisão. A identificação dos suspeitos foi feita a partir de uma listagem de pacientes, elaborada pelos médicos a nível nacional, tendo como objetivo a análise da progressão da difusão do vírus.
A acusação feita aos indiciados foi feita sem qualquer prova. Daí que o dossier tenha sido encerrado um ano depois por nada de ilegal se lhes poder apontar. Tratou-se apenas da instigação irresponsável de uma atmosfera de medo fundamentada em preconceitos em grande parte homofóbicos e inflamada pelos tabloides. Mas, hoje em dia certos médicos, como os dentistas, recusam-lhes tratamento e os patrões nãose coíbem de os despedir.
Depois de terem estado na vanguarda de muitos direitos fundamentais para os seus cidadãos, a maioria dos países do Leste Europeu recuaram décadas em tal consideração.

Haverá razão para ter tanto medo de distopias?

As esquerdas atuais andam esquecidas dos acontecimentos históricos em que se afirmaram como protagonistas. E do pensamento dos seus inspiradores. Tolheram-se com o fracasso de sucessivas tentativas de passarem à prática o que tanto seduzia na teoria, pondo-a em questão como se fosse ela a responsável pelos crimes que as direitas tanto enfatizam terem sido cometidos em nome daquelas. Falta-lhes a veemência de recusarem qualquer semelhança entre Hitler e Estaline, ou entre Salazar e Cunhal - confusões gratas a quem impede o advento de sociedades mais justas, porque menos desiguais nos direitos e rendimentos. Uns pretendiam o usufruto das riquezas só para poucos, os outros, mesmo que incompetentes na forma de o conseguirem, sonhavam para todos uma distribuição justa de quanto se produziria. Pode haver alguma semelhança entre o carácter de uns e de outros?
Não podemos igualmente esquecer que, mesmo não se tendo, nem por sombras, assemelhado ao que deveria ser uma sociedade comunista, o bloco soviético serviu de dissuasor, décadas a fio, da aceleração das desigualdades. Foi pelo medo de verem os trabalhadores ocidentais ambicionarem o que julgavam ser a utopia do outro lado do muro de Berlim, que o patronato tolerou, na medida das suas conveniências, a ilusão social-democrata. Por isso mesmo, se quisermos estabelecer uma fronteira histórica para o momento em que os direitos e os rendimentos de quem trabalha começaram a sofrer sucessivos cortes ele é indubitavelmente o da queda do muro. Porque desmistificou de vez os falsos sucessos do que acontecia do lado de lá e trouxe milhões de desiludidos com as ideias progressistas para o campo dos alienados consumidores ocidentais.
Falta às esquerdas a assumpção de um discurso, que consista tão só nisto: não há futuro para uma sociedade em que um número reduzido de privilegiados usufrui de obscenas regalias enquanto aos demais está prometida a pobreza e a precariedade. E um outro mundo é possível de acordo com uma ética redistributiva e respeitadora dos limites impostos pela assustadora degradação do enorme ecossistema, que é a Terra.´
Se Marx previu que a evolução dos sistemas económicos e sociais acompanhariam os progressos tecnológicos - a célebre fórmula de Lenine para quem o comunismo resultaria do somatório do capitalismo com a eletricidade - a automação e a robótica, rapidamente a imporem-se no nosso quotidiano, propiciarão condições para grandes mudanças na sempiterna luta de classes.
Aceitarão milhões de pessoas sem acesso a emprego entregarem-se ao sacrifício como  cordeiros à degola? Na lógica de produzir, vender e ganhar mais-valias com mercadorias poderá o capitalismo sobreviver com a inevitável diminuição do número de consumidores? Ou será pela direita, que se cria a ilusória redistribuição da riqueza através do rendimento universal já em vias de ser ensaiado nalgumas sociedades nórdicas? E por quanto tempo se tolerarão os crimes ambientais das indústrias do petróleo e do gás natural tendo em conta os sucessivos «desastres naturais» potenciados pela sua atividade?
Nos séculos anteriores o tempo passava com outro ritmo. Agora tudo se acelera, se torna mais premente. Os cenários distópicos ou utópicos eram concebidos para futuros longínquos. O que deixou de assim ser: o amanhã é já hoje, e cabe às esquerdas conceptualizá-lo, concretizá-lo. E não precisa de inventar novas teorias, porque elas já estão mais do que estruturadas. Bastará tão-só adaptá-las às novas circunstâncias.
É isso que as várias esquerdas ainda não têm sabido fazer: uns prendem-se a ilusões de ser possível retroceder às condições específicas de espaço e tempo em que o seu ideário social-democrata foi possível (a ideia de mercados não voltará a ser a mesma desde que eles foram abocanhados pela lógica financeira dos especuladores!);  outros cristalizaram-se nas aplicações falhadas das teorias, que supostamente defendem, e para os quais olham com míope saudade.
As esquerdas deverão recuperar o orgulho de se afirmarem marxistas no que isso significa indignarmo-nos. Com especuladores a acautelarem em offshores o produto do esbulho conseguido pela sua rapacidade. Com a existência de gestores a receberem rendimentos equivalentes a dezenas, ou mesmo centenas de quem para eles trabalha. Com a negação da esperança de milhões de jovens, que não veem como emanciparem-se dos constrangimentos de não garantirem a curto, a médio, e muito menos, a longo prazo, a sua sobrevivência e a dos filhos, que gostariam de ter. Com a voracidade dos que destroem paraísos naturais porque nos seus solos adivinham os restos dos recursos naturais ainda não transformados em dióxido de carbono.
Nos dias que correm as esquerdas parecem atarantadas, incapazes de encontrarem a coerência e consistência, que as tornem incontornáveis na definição dos tempos vindouros. Mas a necessidade aguçará o engenho e elas encontrarão o seu caminho. Ou já o estão a encontrar aqui e acolá, onde emergem novos líderes e renovadas propostas de atualização dos seus valores éticos, republicanos. Como sucede entre nós, por muito que nos inquietem algumas das infantilidades dos que integram a atual maioria parlamentar. 

terça-feira, 28 de março de 2017

Uma boa juíza que por si se julga

Com alguma frequência costumo olhar para os dirigentes políticos e ponho-me a imaginar que tipo de crianças terão sido. A vida ensinou-me que, após muitas voltas  dadas, acabamos por não nos diferenciar muito de quem fomos na infância. A rebeldia, a timidez, a generosidade, o egoísmo, a  ousadia, a cobardia - estas e outras características estão lá todas evidenciadas e irão ser mais ou menos apuradas na vida adulta.
Olhando para Assunção Cristas não custa acreditar na sua condição de embirrenta, aquele tipo de criança antipática em que a psicologia aplicada (mesmo que hoje não seja muito politicamente correto defendê-la! ) faria todo o sentido.

Nas turmas da escola primária deveria ser o tipo de miúda disposta a tudo para captar a atenção dos professores. Tentando encontrar soluções para os problemas que, mesmo erradas, teimaria em serem as corretas (como concluir que a álgebra lhe convirá mais com 3,7% do que com 2,06!)  ou dando caneladas debaixo da mesa a alguma colega rival (dizendo, por exemplo, não vir a dar tantas faltas no futuro quanto ela!).
Obcecada pela mentira em que terá sido costumeira, aprazar-lhe-ia assim invetivar os outros. Integrada numa família particularmente vocacionada para os negócios ambíguos (submarinos, listas VIP, offshores, etc) afivelaria o seu mais escandalizado fácies para denunciar as que imagina cometidas pelos demais.
Há só uma qualidade que, ontem ou hoje, lhe poderemos reconhecer: a de excelente juiz.  É que, se o ditado popular defende ser bom julgador aquele que por si julga, Assunção Cristas revela indubitavelmente o âmago da sua personalidade quando aparece nas televisões a perorar contra as esquerdas. Altura em que volto a ponderar nas virtualidades da tal psicologia aplicada se precocemente implementada. Pelo menos para moderar-lhe os ímpetos denunciadores de tão detestável carácter.

Nuvens negras nos céus do Médio Oriente

O problema com o regime dos aiatolas iranianos é termo-nos tantas vezes iludido com a ideia de pouco faltar para o regime cair cumprindo as esperanças dos que sonharam num país laico e progressista, que olhamos para cada reportagem sobre a insatisfação da juventude e já não cremos na possibilidade de ser esta a que cumprirá aquele desígnio.
A reportagem que Mylène Massé foi agora rodar a Teerão reatualiza o que víramos noutras ocasiões: raparigas e tirarem o véu para se deixarem fotografar e, depois, revelarem-se de cabelos ao vento nas redes sociais; a compra de álcool no mercado negro; noitadas de dança desenfreada em apartamentos da classe média ou mais abastada; a instalação de antenas parabólicas nos terraços e telhados.
Os jovens desafiam as proibições do regime com ousadia crescente. O problema é a existência da milícia religiosa, os Basidjis, quatro milhões de fanáticos com o poder legal de a todos aprisionar nos cárceres do regime. Que continua a ser impiedoso com quem prevarica, contando-se mil execuções por ano, a maior parte por tráfico de droga, mas 15% delas por sodomia, que atesta a sanha muito particular do regime contra a homossexualidade.
Embora meteorologicamente o Irão esteja novamente na primavera, a nível político ainda mantém rigoroso inverno, levando os que podem a dele emigrar.
Ali ao lado, no Iraque, os repórteres ocidentais vão dando conta do alívio de muitos dos que fogem de Mossul em terem-se livrado do Daesh, mas lamentando que o seu país tivesse deixado de ser bem governado desde que Saddam Hussein foi derrubado. E, para além dos riscos inerentes aos bombardeamentos, aos snipers e às minas, os sobreviventes enfrentam outra ameaça não menos perigosa: a poluição suscitada pelos dezanove poços de petróleo, que o Daesh incendiou antes de os abandonar às forças do regime iraquiano.
Nos anos mais recentes a Turquia de Erdogan beneficiou da extração de petróleo de tais poços, pois era para ali que centenas de camiões carregados se dirigiam diariamente.  Uma das razões para se perspetivarem dificuldades crescentes ao «sultão» de Ancara será a de não dispor de hidrocarbonetos tão baratos quanto os propiciados pelos seus aliados jihadistas.
Atualmente os bombeiros não conseguem controlar as chamas, que estendem uma negra nuvem de fumo sobre Qayyarah e arredores. Os recursos hídricos estão a ficar contaminados, os pastos e os terrenos de cultura destruídos por muitos anos, e as populações, especialmente as crianças, veem afetadas as vias respiratórias.
As consequências sanitárias e económicas dessa sabotagem ainda estão por contabilizar, tornando incerta a sobrevivência de quem ali viveu até agora.
Quinze anos depois de George W. Bush ter mandado invadir o país com o ámen de Blair, Aznar e Barroso, os custos de tal crime continuam a subir. 

segunda-feira, 27 de março de 2017

Não gosto da solução mas continuo a confiar

Como socialista tenho dificuldade em engolir a imposição europeia de impedir qualquer influência do Estado português no Novo Banco apesar de ficar com 25% do seu capital. Obviamente consideraria mais asizada a assumpção da sua nacionalização - já efetiva desde que Passos Coelho e Carlos Costa optaram pela sua resolução! - em vez de proporcionar um bom negócio ao fundo-abutre disposto a «comprá-lo».
Há ainda assim dois problemas a obstar a tal posição que, por princípio, deveria mobilizar toda a esquerda: por um lado a Caixa Geral de Depósitos poderá ser o grande banco público, não só regulador de todo o sistema bancário, como com desejável potencial de crescimento  face aos concorrentes privados. Ter mais um concorrente público para quê?
A outra questão tem a ver com a fragilidade ainda evidente do governo português em relação às instituições europeias, sejam elas a Comissão, por via da sua Direção da Concorrência, ou o Banco Central Europeu, que ainda nos anda a financiar até ao final deste ano.
Até que a relação de forças se altere e o Partido Popular Europeu veja o seu domínio contrabalançado pelos socialistas e progressistas, o governo de António Costa continuará a confrontar-se com a má-vontade dos Schäubles e dos Djesselbloems de serviço ao ideário austeritários.
Daí que, mesmo engolindo em seco, terei de apoiar a decisão de quem governa sobre todo este imbróglio. Costa e Centeno já nos deram provas bastantes para percebermos, que baterão o pé sempre que sentirem possibilidade de sucesso contra quem nos tenta cingir ao falso estereotipo dos «povos do Sul», cedendo no acessório sempre que não for possível colher vitória imediata no essencial.
No fundo António Costa segue o exemplo dos melhores generais que, nos teatros de guerra, avançam confiantemente quando a vitória está ao alcance, mas preferem retirar para melhor posição estratégica, quando o sucesso é mais do que improvável.
É claro que Passos e Maria Luís aparecerão reivindicativos como se fossem virgens virtuosas sem culpas no cartório, tendo garantido o coro dos jornais e televisões, que arranjam todos os pretextos para desvalorizar a determinação do governo em resolver tudo quanto anteriormente tinha sido escondido debaixo do tapete ou mascarado. Mas será que uns e outros convencem de facto a maioria dos portugueses, que sente a confiança de ter ao leme quem melhora efetivamente a sua qualidade de vida e revela competência para devolver a esperança negada nos quatro anos anteriores?

domingo, 26 de março de 2017

Só neste país?

Se há coisa de que fujo como gato da água fria é daquele tipo de programa radiofónico ou televisivo em que se abre a antena para a manifestação das opiniões dos ouvintes ou telespetadores. Das poucas vezes, que aguento o suplício, é para constatar como no mesmo espaço e tempo parecem convergir um selecionado lote de grunhos, cuja imagem associo à daquelas personagens mentecaptas dos Monty Python com lenços a servirem de boné na cabeça. Já me indignei com tais alarvidades, que evitá-las passou a constituir preventivo ato de higiene mental.
Uma das expressões comuns ali escutadas é o só acontecer isto ou aquilo - sempre o pior! - neste país. E muitas vezes argumentam em contraponto como tudo é bem diferente para melhor nos países do norte da Europa.
O que a muitos terá surpreendido durante a semana que passou, foi a unanimidade conseguida pelo pascácio do Eurogrupo, quando nos qualificou, povos do sul, como particularmente atraídos por copos e mulheres. Dias a fio até nesses programas se ouviu ruidoso coro de indignação. E, no entanto, quantos desses  ultrajados de hoje, acenaram com a cabeça quando Passos Coelho e seus acólitos nos quiseram fazer crer que tínhamos vivido acima das nossas possibilidades?
Quem sempre contestou esse tipo de discurso tem legitimidade para contestar com a maior das veemências as barbaridades, que alimentam a inquieta mente de um holandês empurrado para o desemprego. Quanto aos outros mais valeria, que fossem pondo a mão na consciência e entendessem como, com o seu voto e passividade, contribuíram para dar ao resto do país os piores quatro anos vividos desde a Revolução de Abril.


sábado, 25 de março de 2017

Eurodesiludido mas não eurocético

Em dia de aniversário europeu reafirmo a eurodesilusão sem me colocar ao lado dos eurocéticos.
Uma das mais espantosas incongruências, que venho constatando nas esquerdas nacionais, quando se dizem contra o euro e contra a União Europeia, é esquecerem uma das maiores lições que as várias experiências falhadas de implementação do comunismo propiciaram:  por muito bem intencionadas que fossem as intenções primevas dos seus promotores a aplicação do modelo revolucionário a um espaço geográfico limitado só dificulta o seu sucesso e obriga ao recurso de práticas totalitárias. Porque o cerco de que se veem alvo, somado ao apoio exterior a quem se sente prejudicado com a nova realidade, tende a acossar as cúpulas dirigentes aos seus pequenos kremlins, privando-as do contacto com as massas populares com que teriam estado consonantes no início.
Entre Estaline e Trotski era este último quem tinha razão ao defender a impossibilidade de sucesso numa Revolução, que não ocorresse ao mesmo tempo na mais vasta extensão geográfica. As grandes fomes dos anos 20 e as purgas dos anos 30 confirmavam o vaticínio do antigo bolchevique entretanto assassinado no México.
O euroceticismo equivale a defender uma realidade em que seremos pequeninos e fraquinhos, porque incapazes de influenciar as grandes dinâmicas que uma sociedade globalizada irá conhecer, nomeadamente ao nível das ideologias e dos sistemas políticos.
Não é por acaso que os dirigentes progressistas do século passado prezavam tanto o internacionalismo. Por isso existiram organizações que, por um lado, agregavam os Partidos Comunistas, e por outro os Socialistas. Mesmo desavindos, uns e outros compreenderam a necessidade de convergirem com quem, nos demais povos do mundo, partilhava os seus próprios ideais e sonhos de futuro.
Nestes anos recentes lamentamos que a União Europeia tenha promovido os interesses neoliberais em detrimento dos seus cidadãos. Em vez de defender maior justiça e igualdade, tornou-se útil ferramenta dos interesses financeiros graças à ação dos milhares de burocratas sedentarizados em Bruxelas, Estrasburgo ou Frankfurt.
Sem pôr em causa o  projeto europeu vale a pena ser contra este em concreto, que não corresponde aos anseios dos povos. Mas será bem mais fácil apressar o fim do capitalismo e abrir caminho ao que lhe sucederá - aliando o que foram os anseios socialistas com as preocupações ecológicas perante um planeta cada vez mais doente - se a transformação abarcar quase todo o Velho Continente e passar por outro projeto europeu, que resulte da transformação deste ou renasça das suas cinzas.
Ao contrário do que sugeria o antigo secretário da Defesa de Bush filho (um Rumsfeld que também era … Donald!), a Europa possui, graças a toda a sua longa História, a capacidade de assumir a sabedoria ainda inacessível a outras geografias, seja porque ainda longe de atingirem o grau derradeiro da evolução capitalista, seja por terem cultivado idiossincrasias individualistas muito difíceis de se adaptarem a um tipo de sociedade sem emprego para todos e, por isso mesmo, obrigada a pensar-se em novos modelos de solidariedade como forma de escapar às ameaças da violência dos seus deserdados.

De derrota em derrota ...até ao impeachment fatal

A humilhante derrota de Donald Trump ao fim de apenas dois meses de mandato vem confirmar o que na altura perspetivei: ainda que assustador em quanto mal consegue fazer (basta ter o acesso ao tal botão capaz de deflagrar o Armagedão!), o pato-bravo depressa chegaria à constatação da incapacidade em traduzir os desejos por realidades, dado estas serem sempre bem mais fortes do que o seu incurável narcisismo.
O tão execrado Obamacare perdurará, porque os próprios republicanos não se entendem na forma de o eliminarem e já veem aproximar-se as eleições intercalares do próximo ano nas quais poderão pagar os custos das tolices contínuas do presidente. Por isso mesmo não será de espantar ver a Administração completamente paralisada porque alguns dos seus supostos apoiantes compreenderão que só dela se dissociando poderão ter a esperança de garantir a continuidade do emprego.
Há males que podem vir por bem, como pressupõe conhecido provérbio popular. É que o efeito de vacina é tal, que a viragem ideológica em sentido contrário torna-se bem mais fácil. Assim saibam os democratas ir potenciando estas borlas, que Trump, involuntariamente, lhes vai proporcionando. Nomeadamente não esquecendo de cativar esse eleitorado momentaneamente iludido pelo discurso marketeiro de quem agora lhe vai apresentando fatura tão pesada. Basta olhar para o rascunho do orçamento federal já conhecido: muitos dos programas eliminados - para que das respetivas poupanças se financie o grande crescimento das despesas militares - beneficiava precisamente esse eleitorado dos Estados vermelhos, que não tardam em sentir na carteira o ricochete da estupidez do seu sentido de voto. 

sexta-feira, 24 de março de 2017

Um parêntesis na História

Se me pedissem para escolher uma época em que Nova Iorque teria vivido uma época de rutura com os valores vigentes na sociedade norte-americana do seu tempo, não me lembraria de escolher o ano de 1951. Talvez porque ainda faltariam cinco anos para nascer, remetendo-o para a minha «pré-história». Seria bastante lógica a opção pelo verão de 1969, quando Woodstock simbolizava a revolta dos estudantes universitários contra a guerra do Vietname e a revolução hippie ainda não declinara nas expetativas de redundar num mundo diferente. Tinha então treze anos, andava fascinado pelas viagens das missões Apollo e olhava com estranheza, mas também fascínio, para os acontecimentos vindos de além-Atlântico, mesmo filtrados pela censura do fascismo.
Um documentário inglês dá-me bons exemplos de como, apesar de se viver no macartismo e na segregação racial, Nova Iorque polarizava novos tipos de criatividade, que influenciariam as diversas artes nas décadas seguintes. Jack Kerouac na literatura, Thelonious Monk no jazz, Jackson Pollock na pintura ou Lee Strasberg com o seu Método, atiravam para a condição de obsoletas as formas de escrever, tocar, pintar ou representar apreciadas até então. Perdia sentido um tipo de arte bonitinha e entorpecente ao libertarem-se as emoções, que estilhaçavam aquele pequeno mundo feito de donas-de-casa ainda competentes a conterem o desespero, de chefes de família investidos na condição de operários ou mangas-de-alpaca apenas interessados em terem emprego certo e receberem um relógio de ouro ao fim de trinta ou quarenta anos de subserviência aos patrões sem nada lhes questionarem ou aqueles jovens atoleimados ocupados em imitarem os modelos dos mais velhos.
Não terá sido propriamente uma época de ruturas determinantes, porque a televisão em todos os lares trataria de garantir a uniformização dos gostos e das opiniões, mas esses exemplos de contracultura antes do tempo serviriam de pioneiros para a manutenção em lume brando de uma contestação, que explodiria de tempos a tempos e ainda tarda em manifestar-se no seu definitivo esplendor.
Nos anos setenta Fernando Namora foi visitar o outro lado do Atlântico e trouxe de lá uma opinião, que confirmei, quando por lá andei no final dessa década e lá voltei já neste milénio: nos vastos territórios entre o Canadá e o México coexistem muitas revoluções de sinal contrário. São como bolhas numa panela a ferver, que se digladiam por chegarem à superfície, rebentam em vapor sugado pela chaminé, e dão lugar a outras, suas semelhantes. Por isso é enganador olhar para Trump e encarar-lhe os apoiantes como se representassem toda a América. Mesmo sendo muitos, demasiados!, eles correspondem a uma parcela ínfima dessa realidade em constante mutação.
É essa a razão, porque vejo Trump como um parêntesis sem grande importância, quando analisado daqui a duas ou três décadas. Na sua insignificância ficará na História como eloquente demonstração do erro de se confundir Democracia com a possibilidade dos povos elegerem quem queiram. Ela é muito mais do que isso!

quinta-feira, 23 de março de 2017

Provas que se somam a muitas outras já conhecidas

1. As provas são múltiplas e não podemos deixar de as ir recenseando: ao arquivar o dossier da lista VIP sem ouvir os principais dirigentes nele envolvidos, o Ministério Público volta a dar mostras da sua costumada prática: tudo quanto sejam suspeitas sobre políticos socialistas são para levar até ao fim, se possível com fugas seletivas para os jornais a fim de os culpar antes sequer de serem acusados. Mas se as dúvidas envolvem políticos de direita, os casos são apressadamente arquivados por «falta de provas».  Mesmo quando eles são tão chocantemente evidentes, que só cegos voluntários os não querem ver.
Pudera! Se não se quer sequer investigar, como será possível encontrar os factos comprometedores?
2, As provas sobre a incompatibilidade de Carlos Costa para cumprir com  irrepreensível competência o cargo de governador do Banco de Portugal também são muito mais do que as suficientes. Acrescentemos-lhes agora mais uma, na expetativa de não tardar muito a gota de água, que faça extravasar o copo, ou por outras palavras, forçar a sua demissão.
Soube-se agora que, numa reunião realizada nos primeiros dias de dezembro de 2013, os responsáveis do Banco pela supervisão reuniram com a administração propondo que se retirasse a idoneidade a Ricardo Salgado. Numa atmosfera muito tensa, os subscritores da proposta apresentaram argumentos irrebatíveis, mas Carlos Costa opôs-se-lhes conseguindo que o Grupo Espírito Santos levasse as suas guerras internas até ao fim, enganando milhares de clientes e prejudicando sistemicamente todo o sistema bancário nacional.
3. Há dezenas de anos que não vejo o Festival da Eurovisão, nem sequer o que entre nós se organiza para escolher a canção destinada a ali representar a «música» portuguesa.  Mas o boicote ucraniano à participação russa no concurso deste ano, confirma-o como peça de uma estratégia política, que nada tem a ver com as cantorias. 
A atitude ucraniana apenas segue a lógica desesperada de um governo, surgido de mais um daqueles golpes cirúrgicos em que a CIA e outras agências de espionagem ocidental se especializaram nos anos Obama, e que terão agravado, mais do que verdadeiramente beneficiado os povos que supostamente seriam por eles «libertados».

Um tranquilo debate quinzenal

Esta tarde estava preparado para assistir ao debate quinzenal, quando os atentados terroristas em Londres vieram inibir os canais de notícias de darem dele o registo habitual. Como alternativa mudei para o Canal da Assembleia da República para ver respondida a minha curiosidade: tendo vivido duas semanas desastrosas, como iriam as direitas manter a tensão dos debates anteriores? É que estava a verificar-se uma tal escalada no insulto, na mentira, na deturpação da realidade, sempre com o objetivo de provocar a periclitante fleuma de António Costa, que o interesse residia em assistir à estratégia para tornearem a total falta de argumentos e sustentarem uma oposição verbalmente violenta, mesmo sem substância.
As duas horas de debate constituíram um passeio para o primeiro-ministro, mesmo quando Assunção Cristas e Luís Montenegro tentaram colar Djesselbloem à família socialista europeia. Tiros sem pólvora, claro: quer António Costa, quer Augusto Santos Silva já tinham mandado rezar a extrema-unção à carreira política do holandês. E nem mesmo a Caixa Geral de Depósitos lhes avivou o desânimo em que parecem ter caído. Com os indicadores publicados e a publicar pelo INE, que papel resta às direitas senão o de embatucarem e irem bebendo uns chás de tília?
Nunca vislumbrando outra alternativa, que não fosse a receita neoliberal, deve-lhes ser desconcertante encararem com uma realidade capaz de lhes negar os mais arreigados dogmas em que politicamente se formataram.