domingo, 19 de novembro de 2017

Um crime ecológico a agravar-se à nossa porta

Sempre que se pretende exemplificar um crime ecológico suscitado pela forma irracional como as sociedades humanas abusam dos recursos naturais, as imagens do árido leito do outrora riquíssimo mar Aral vêm-nos amiúde à mente.
O que uma reportagem elucidativa de Luciano Alvarez dá a ver no «Público» de hoje é algo que se encaminha para tal cenário e tem o Tejo como vítima. A culpa é do projeto de engenharia Tejo-Segura, que desde 1981, anda a desviar as águas do rio para trezentos quilómetros a sul, onde a região de Múrcia foi transformada na «horta de Espanha» e garante anualmente mais de 2,6 milhões de euros ao PIB do país vizinho. A quantidade de água retirada do curso normal do rio leva alguns a dizerem que ele nasce em Albarracim e desagua, não em Lisboa, mas na região murciana. E para que a comparação seja mais explicita basta dizer que essa quantidade equivale ao consumo anual de duas vezes o da capital portuguesa.
Nesta altura muitos dos municípios a jusante do transvase estão a queixar-se com a falta de água de que padecem e está a contribuir para a respetiva desertificação. Aranjuez, por exemplo, é uma das cidades mais afetadas, levando os autarcas socialistas a juntarem-se ao movimento, que exige o fim dessa situação. Há quem diga ao jornalista que “eles estão a matar o rio e sabem que o estão a fazer, mas enquanto houver água no Tejo vão suga-la, transformá-la em euros e têm poder suficiente para mandar abaixo todos os que se atravessarem no caminho”. E, de facto, a reportagem encontrou quem falasse, sob anonimato, porque as represálias dos que classificam como «mafia da água» já prejudicou a vida a muita gente.
No futuro próximo adivinha-se um conflito tenso entre Portugal e a Espanha a este respeito até porque, ao chegar à fronteira portuguesa, o rio vem extremamente poluído por a ele virem calhar todos os detritos que o contaminado Jarama traz de Madrid, onde o tratamento de esgotos dos seus 6,5 milhões de habitantes deixa muito a desejar. A que se soma a gestão economicista das centrais hidroelétricas que, em vez de respeitarem as dinâmicas do rio, atuam exclusivamente na lógica dos seus interesses, ora retendo o máximo de água nas suas represas, ora abrindo-as inopinadamente sem atenderem às consequências de tais decisões nas populações perigosamente afetadas por súbitas cheias.
O que o texto de Luciano Alvarez denuncia é o exemplo lapidar do que é a utilização dos recursos hídricos , que cabem quer a portugueses e a espanhóis, mas que o governo de Rajoy utiliza como se só dissessem respeito aos restritos, mas poderosos interesses, dos industriais e agricultores, que lhe servem de base eleitoral...

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