segunda-feira, 31 de julho de 2017

Quem disse que o selfieman mudou o seu discurso?

A exemplo de Miguel Sousa Tavares não vi nada de particularmente diferente no discurso de Marcelo Rebelo de Sousa. Que Marques Mendes ou Cristina Figueiredo que, na edição de hoje do «Expresso», busca encontrar dez recados deixados nas entrelinhas a António Costa, tem mais a ver com os respetivos wishful thinkings  do que com as realidades.
Há, porém, uma diferença que distingue a minha perspetiva da de tão arrevesados opinadores: é que, enquanto eles partem do princípio de ter existido até aqui alguma cumplicidade entre Marcelo e António Costa, tenho defendido desde a eleição do primeiro que a sua estratégia passa por não fazer ondas enquanto a situação se mantém adversa para as direitas, atuando de forma radicalmente diferente se encontrar pretexto para as vir a favorecer.
Até agora as esquerdas não lhe deram qualquer hipótese: nem a maioria parlamentar se cindiu nas alturas-chave, nem o diabo apareceu sob a forma de maus resultados económicos. Aguentar o barco com  mais ou menos selfies trabalhando arduamente para a renovação do mandato - onde já vai a promessa de só fazer um quinquénio? - constitui a sua meta imediata. Sempre a espreitar o momento em que as duas condições essenciais para o seu objetivo - a instabilidade política ou uma viragem dos indicadores no sentido negativo - se verifiquem.
As notícias dos últimos dias deixaram, igualmente, perspetivar uma outra vertente do seu plano: ao pré-anunciar-se como putativo candidato à sucessão de Passos Coelho, Pedro Duarte deu o sinal que, qualquer observador atento há muito esperaria: tendo sido o seu mais fiel e aplicado colaborador na campanha eleitoral para as presidenciais, o antigo líder da juventude laranja é o marcelista genuíno, aquele que o tutor ambicionará ver à frente do partido para assenhorear-se das rédeas da governação.
A ameaça marcelista ao governo das esquerdas parlamentares está aí bem desenhada: um aguenta-se em Belém resguardando-se para o momento em que possa acionar a tal «bomba atómica» - as suas palavras a respeito de a não gostar de utilizar valem tanto quanto as que se referiam a querer um só mandato na presidência - e o outro vai fazendo o seu percurso próprio de conquistar o partido por dentro a partir das fidelidades garantidas quando estava na jota.
Não se pode, pois, dizer que Marcelo tenha mudado uma vírgula sequer ao seu discurso habitual. Porque sabe ainda não ser tempo para o fazer. Daí que valha a pena lembrar às esquerdas que se cuidem e garantam atempadamente um bom candidato presidencial para o quinquénio, que se seguirá. Porque, com Cavaco bem se viu como a direita em Belém se porta quando alcança um segundo mandato: age em roda livre sempre a fazer os possíveis para prejudicar tanto quanto possível quem dela diverge quanto aos objetivos e aos métodos de os alcançar.

domingo, 30 de julho de 2017

As lágrimas de crocodilo dos que lamentam a triste sina do jornalismo

O regresso do futebol tende a reduzir a importância conferida aos fogos, que foram  o preguiçoso pretexto das redações dos telejornais para preencherem o vazio típico do verão. Semanas a fio os responsáveis editoriais mandaram os repórteres para as aldeias do interior com o propósito de arranjarem coloridos testemunhos do sofrimento das vítimas julgando-se assim capazes de corresponderem à compita pelas audiências.
A tragédia de Pedrógão Grande foi-lhes uma bênção. Que importavam os mortos se proporcionavam peças informativas tão recheadas do que as escolas de comunicação social lhes enchera a cabeça como imprescindíveis a uma certa definição de «bom jornalismo»?
Drama! Horror! - quantas vezes nos lembrámos de um seu pioneiro, que acabaria por levar a megalomania a estampar-se violentamente em suspeitos negócios?
Porque o que é demais enjoa, as câmaras já se andam a deslocar noutras direções. E os primeiros jogos da época aí estão para proporcionar infindáveis horas de discussão sobre se o treinador A deveria optar por esta ou aquela tática, ou se deveria meter o jogador B numa qualquer posição do terreno em vez de outra onde seria supostamente mais competente.
Na verdade o que daria muito jeito a tal gente era uma outra tragédia com vítimas inocentes à mistura: outro desabamento de arribas no Algarve, um descarrilamento, uma aterragem dramática num aeroporto por causa de um drone. Algo que servisse para reerguer a lengalenga sobre a inépcia do governo, que nada faz para prevenir novas tragédias. Algo que, suculentamente, dê a Passos Coelho o ensejo de exigir novas comissões de inquérito e a Assunção Cristas o pretexto para pedir mais demissões de ministros.
Se há conclusão a retirar do sucedido nestas últimas semanas é a do grau zero de credibilidade dos jornais, das rádios e televisões, mesmo das tidas como de referência.
Bem podem alguns jornalistas clamar pelo ódio público à sua classe, que muito andaram a fazer para que tal sucedesse. Porque tão ciosos foram a querer servir de vozes dos seus donos, que a contínua intenção de desgastarem o governo, saiu-lhes pela culatra.
Se as tiragens dos jornais descem e os canais temáticos ou de filmes do cabo ganham espaço aos das notícias é por leitores e espectadores estarem fartos de ver judites a falar com cadáveres como cenário ou a entrevistar vigaristas como se tivessem a mínima credibilidade para lançarem anátemas contra quem nos vai assegurando crescimento na economia, redução do número de desempregados e uma vida menos complicada para reformados e pensionistas.
Por esta altura não deve ser só nos quartéis das direitas - na Lapa ou no Largo do Caldas - que haverá quem dê tratos à cabeça para perceber os labirintos intrincados em que se enclausurou e se reflete nas sondagens. Se existir alguma lucidez nas redações das televisões e dos jornais talvez haja quem pondere se a salvação do ameaçado jornalismo não está precisamente em devolver-lhe os critérios deontológicos ultimamente sujeitos a tão violentos tratos de polé.

sábado, 29 de julho de 2017

Quando se quer designar de «livre» um jornalismo que o não é

As redes sociais andam há muito a reclamar sobre a distorção da informação mediatizada pelas televisões, pelas rádios e pelos jornais relativamente à percetível pela opinião pública no dia-a-dia.
Não se podem ter ilusões sobre a razão porque uns quantos poderes económicos decidiram tomar conta da comunicação social, mesmo sabendo que ali afundam dinheiro sem conseguirem o lógico retorno se os motivasse uma mera lógica de negócio. Mas, mesmo procurando veicular as mensagens do seu interesse, com que possam ir buscar esses lucros de forma indireta às demais atividades económicas, poderiam fazer de conta que os moveria algum esforço de objetividade. Assim não tem sido e o que se vem verificando progressivamente é uma catadupa de denúncias quanto a manipulações grosseiras da realidade de forma a apresenta-la em aparências sem qualquer coincidência com a realidade.
Para conseguirem levar por diante esse esforço de manipulação os patrões dos media  conseguem arranjar uns mercenários disfarçados de jornalistas, que adotam poses de virgens ofendidas quando veem desmascaradas as suas grosseiras mentiras. Foi o que sucedeu com um dos lugares-tenentes desses interesses económicos - Filipe Santos Costa - que publicou uma diatribe na edição de sexta-feira do «Expresso», intitulada «O Ódio ao jornalismo livre».
Em causa esteve a histeria criada em torno das vítimas de Pedrógão Grande, que o «i» suscitou graças à «colaboração» de uma personagem conhecida por não pagar os serviços de tradução e legendagem dos programas que a SIC lhe atribuía, e o «Expresso» logo agarrou na esperança de encontrar matéria para alastrar o fogo das florestas à credibilidade do governo.
O que se passou durante dias a fio nos noticiários das televisões - com realce para a referida SIC! - e nas páginas do «Expresso», quer na edição diária digital, quer na versão semanal em papel, foi uma vergonha indesculpável. Qualquer jornalista com uma pontinha que fosse de consciência profissional não permitiria associar o nome a peças ignóbeis, feitas para escavar ao máximo nas sepulturas dos mortos para delas trazer a suspeição de encobrimentos, que se revelaram redondamente falsos.
As justificações de Christiana Martins num dos noticiários da SIC vieram demonstrar que, face ao clamor público contra o que o «Expresso» vinha fazendo,  só restava agitar a bandeira de haver «orgulho» nos jornalistas do semanário quanto à necrofagia que vinham praticando. Depois, com a veemente condenação de António Costa na conferência de imprensa na sede da Proteção Civil e com as palavras, mesmo que ambíguas, de Marcelo Rebelo de Sousa, o mal-estar na redação do jornal deve ter crescido significativamente, até pelos efeitos sísmicos da opinião de Lobo Xavier na «Quadratura do Círculo».
Para Filipe Santos Costa, que se percebe ter sido um dos «cérebros» da operação restou o lamento no texto em causa: na censura de milhares de leitores vê um ataque ao «jornalismo livre» como se já não soubéssemos há muito o que a expressão costuma significar: nas atividades da CIA para derrubar regimes inimigos ela está sempre presente. E não é por de tal se arrogarem que esses veículos de desinformação praticam um jornalismo digno desse nome. O de Filipe Santos Costa, há muito que sabemos colado aos argumentos da direita por muito que ela viva o vazio existencial, que a tornam confrangedoramente néscia.

sexta-feira, 28 de julho de 2017

Os incêndios como travão ao excessivo otimismo à esquerda

Não é pelas declarações de Lobo Xavier, que trago à colação a ultima emissão de «Quadratura do Círculo» antes das férias: por muito que ele tenha dito - e ainda bem! - que os partidos das direitas deveriam pedir desculpa aos portugueses pela utilização necrófaga dos mortos de Pedrógão, também deu ferroada no governo considerando que, de igual modo, também este se deveria entregar a penitência similar.
O que me interessa focar é a obsessão dos «moderadores» quanto a justificar-se uma crise política, com ou sem moção de censura. A ideia que se pretende transmitir é a de uma liderança desnorteada do governo, que exibiria assim as suas supostas fragilidades.
Será tanto assim? Como sempre intentei ao longo da vida, há sempre um lado positivo a retirar do que, momentaneamente, nos possa parecer mais questionável.
Semanas atrás, quando as boas notícias sobre a economia e as consequentes reações europeias surgiam a ritmo diário, senti o perigo de uma euforia acima do desejável. Tanto otimismo geraria tentações megalómanas e com elas as respetivas ressacas. Apesar da dimensão trágica, a sucessão de incêndios no interior do país vem-nos confrontar com a dura realidade: a excelência do governo e da sua maioria parlamentar não bastariam para domar todas as contrariedades criadas pelas circunstâncias mais desfavoráveis. A secura extrema de todo o território, a excessiva carga de combustível acumulada em florestas e baldios e as temperaturas elevadas associadas ao vento forte, criaram as condições para ver, aqui e além, demonstrada a justeza da Lei de Murphy.
Vale às esquerdas o grau rasteiro de inteligência, que as direitas vêm demonstrando. Quando Marcelo ou Lobo Xavier condenam o aproveitamento dos mortos de Pedrógão na última semana, fazem-no com a inteligência de inspiradores dessa área política, de que nunca quererão, nem saberão dissociar-se, mas adivinham fronteiras de decência a nunca serem atravessadas. O problema com as cortes de Passos Coelho ou de Assunção Cristas é sentirem-se, dia-a-dia, mais frustrados com a inconsequência das suas táticas. É que nem sequer chegam a ter estratégias com algum alcance: navegando com terra à vista vão desejando encontrar uma baía amena, uma pequena enseada que seja!, capaz de aliviar os enjoos do alto mar. O resultado é, quando se aproximam, arriscarem calamitosos naufrágios em escolhos, que lhes são adversos.
Para as esquerdas este estado moribundo das direitas acaba por ser inesperada benesse: os comunistas consolidam ainda mais a imagem de coerência, que costuma ser sempre a sua; os bloquistas arriscam conselhos à manifesta imaturidade da liderança do PSD a quem crismam, com bastante oportunidade, de «Partido Significativamente Desesperado»!
É, porém, o governo quem vai acumulando maiores ganhos com as lamentáveis atitudes das direitas, até por saber que os indicadores económicos e sociais mantêm a evolução positiva. Ainda hoje a dívida a dez anos estava a descer com o INE a confirmar em alta os valores de confiança dos consumidores e o desemprego a descer abaixo do previsto. Não tivessem os incêndios como leitmotiv para quase todas as suas emissões e as televisões teriam de dar disto notícia em mais do que notas de rodapé.
Subsistem, pois, as razões para os portugueses prosseguirem na tendência eleitoral de se orientarem para a esquerda, esvaziando, mais e mais, a influência das direitas. Mas cientes de que os sucessos podem ser a qualquer momento postos em causa pelas forças naturais - ou, noutra dimensão, pelos condicionalismos internacionais - poupam-se a ambições muito acima do atualmente realizável. O que vale para as reivindicações dos partidos mais à esquerda, que desejariam ver concretizado muito do que decerto António Costa subscreveria, mas ainda sabe demasiado cedo para lá chegar.

quinta-feira, 27 de julho de 2017

Os pirómanos e os seus inspiradores

É esta a história: a mulher estava zangada com tudo e todos à sua volta. Tinha uma venda de peixe, que falira, seja porque lhe tinham cancelado a autorização, seja porque os detestados vizinhos nada lhe comprarem, preferindo abastecerem-se no hipermercado.
Naquela tarde, sentada em frente à televisão, sentia-se acossada, e profundamente infeliz. As reportagens sucediam-se aqui e acolá, invariavelmente feitas de colunas de fumo, bombeiros a estenderem mangueiras, pessoas intimidadas com os perigos iminentes. De repente, num impulso sem controle, questionou-se: porque não? A duzentos metros de casa havia muito restolho seco e uma breve faísca de isqueiro logo cuidaria de atear vistoso fogo. E foi isso que fez.
Azar o seu: à distância, quem estava num posto de vigilância, não se deixou distrair. Viu-a sair de casa, aproximar-se do campo ao lado e o fogo logo a surgir por sua manifesta intervenção. Daí a chamar a guarda para a irem prender foi um curto lapso de tempo. Assim se explicou um dos muitos incêndios destes dias, no caso específico um dos que irrompeu em Vila Velha do Ródão. Sobre esse não sobraria dúvida quanto à responsabilidade de mão humana.
Embora saibamos quão difícil está a meteorologia e como o abandonado interior acumula, ano após ano, sempre maior carga de combustível nos seus campos e florestas, desconfiamos da amplitude de tanta destruição. Haverá inspiração política em muitos dos sinistros? Nunca o poderemos confirmar. Mas sabemos como existe este efeito de mimetização do comportamento dos pirómanos. Por isso faria todo o sentido limitar o mais possível o espetáculo permanente de queimações um pouco por todo o lado. A exemplo do que acontece com os suicídios, sobre os quais, excetuando a ignóbil referência de Passos Coelho, vigora prudente silenciamento pela comunicação social, ciente da sua responsabilidade em evitar que se tornem numa epidemia.
No caso da mulher de Vila Velha do Ródão a questão põe-se sobre a sua culpa: é ela a mais criticável por ter ateado o fogo ou as televisões que a induziram a tal fazer como resposta às suas patológicas frustrações?

Similitudes, que fazem todo o sentido

Se dermos trato à cabeça para situarmos em Portugal um político com tão escassas virtudes e tão grandes defeitos quanto Donald Trump só podemos citar Cavaco Silva. Embora com características diferentes em muitos aspetos há uma em que ambos se têm mostrado ímpares irmãos: no elevado conceito, que alimentam de si mesmos. O algarvio espantou todos quantos lhe ouviram a improbabilidade de se encontrar alguém mais «honesto» do que ele, apesar de ser pública a vantajosa ligação com os criadores do universo BPN. O trapaceiro americano continua a julgar-se o mais esperto habitante de um planeta, que não hesita em sujeitar a tratos de polé. Agora há outro fator a denotar as semelhanças entre ambos: a forma como tratam os seus mais próximos colaboradores.
Voltemos, então, a setembro de 1995, quando Cavaco Silva se encarregou de enterrar politicamente o seu sucessor designado á frente do PSD, Fernando Nogueira, a quem sabotou ativamente a estratégia, que o levaria a ter uma derrota histórica face a António Guterres. Se o antigo advogado matosinhense julgava ter um amigo de irrepreensível lealdade no primeiro-ministro de que fora esforçado ajudante em três governos, a súbita falta de tapete debaixo dos pés, tê-lo-á confrontado com a sua verdadeira natureza. Por muito que continuasse no futuro a enganar muita gente - obrigando-nos a suportá-lo durante dez anos em Belém! - Cavaco mostrara nesse episódio quem estava verdadeiramente na sua exclusiva preocupação: o próprio umbigo.
O atual procurador-geral norte-americano, Jeff Sessions, está a colher uma lição semelhante. Enquanto senador do Alabama, foi o primeiro político de renome a apoiar Trump na intenção de chegar à Casa Branca. O que a ninguém espantou dadas as credenciais racistas, sentidas na pele por quem a tendo negra se via por ele tratado de «boy», como acontecia há dois séculos pelos antepassados nas plantações de algodão dos seus patrões esclavagistas. Só que, se ambicionava a candidatura enquanto vice-presidente, Sessions viu Pence ultrapassá-lo, ficando remetido para cargo importante na estrutura da Administração, mas menor do que alimentara intimamente.
No entretanto não só se viu impossibilitado de aliviar o nó górdio, que as investigações oficiais estão a apertar em torno do pescoço de Trump a propósito das equívocas influências putinianas no resultado eleitoral de novembro, como é publicamente destratado por quem o nomeara na expetativa de lhe servir de biombo a qualquer acusação.
Se Sessions representava o que de pior poderíamos suspeitar no ideário de um político norte-americano, Trump consegue superá-lo ao demonstrar tanta vontade em o empurrar borda fora e substitui-lo por quem ainda se ilude a imaginar, que possa livrá-lo da provável impugnação. A palavra para designar um tal comportamento para com um amigo não é bonita de aqui aplicar, porque sujeita a censório e prolongado pi. A mesma, afinal, que a associação de ideias nos traz inevitavelmente, quando nos lembramos do tal Aníbal...

quarta-feira, 26 de julho de 2017

Vampiros e não só por quererem comer tudo sem nada deixarem

Na próxima semana - precisamente de hoje a oito dias - comemoraremos o 88º aniversário de Zeca Afonso. Muitos de nós, fá-lo-emos em encontros de amigos com as canções a serem cantadas pelos que têm mais jeito nas cantorias. E uma delas, «Os Vampiros», terá sempre presença obrigatória em tais ocasiões. Mas ela justifica-se, igualmente, a propósito do que têm sido estes últimos dias na comunicação social e no discurso político dos partidos das direitas. Porque os vampiros não são apenas os que comem tudo e não deixam nada como na canção do Zeca. São também os monstros que, desde o romance de Bram Stocker, ganharam espaço no cinema e assombraram plateias com os pescoços tenros de vítimas capitosas. Olhando para vidas palpitantes, querem-nas sangrar até as definhar.
A nossa Democracia melhorou enormemente de qualidade no último ano e meio com os portugueses a contarem com um governo e uma maioria parlamentar, que colocam a melhoria da sua qualidade de vida como seus objetivos prioritários. Tanto basta para que os vampiros os tomem como sua ementa gourmet. Se há ameaça de fogo e o sangue pulsa de medo nas veias, aí estão os repórteres das televisões a sugar-lhes as expressões de sofrimento, cientes de, em cada uma delas, suscitarem a oportunidade de opinadores encontrarem matéria para proclamarem a falência do Estado, que é para eles a do governo atual.
Os mortos de Pedrógão ainda estão por ver concluídos o nojo do seu luto e já se arranjam vedetas mediáticas, que inventam vítimas inexistentes ou se põem a exigir responsabilidades a quem nunca as enjeitou.
Há eleições à vista e votos por conquistar e eis outros chupistas com capas laranjas de autarcas ou mal as disfarçando na de chefes de bombeiros, a quererem defenestrar pescoços a propósito de meios insuficientes, que manifestamente não faltam, mas estão incapazes de operar, como é o caso de aviões impossibilitados de romperem os véus opacos dos fumos.
E que dizer do novel líder parlamentar com tanta gula no olhar que, num breve ultimato, deu provas da sua notória inépcia? Ou da senhora que assinou a resolução de um banco enquanto estava de férias e agora peleja por valores a que a sabemos completamente alheia? E o que pensar do irmão do primeiro-ministro - mas verdadeiro caim como se o despeito fraternal lhe prevalecesse sobre os afetos! - que nada faz para aliviar a redação de tanta demonstração de aviltantes violações deontológicas nos seus noticiários?
Nestas semanas de sucessivas aflições é a escuridão das cinzas, que dá azo ao voo dos vampiros. Mas sabemos como eles costumam morrer: basta um raio de luz e eles transformam-se em pó. E, como os resultados da governação continuarão a irradiar o seu brilho, adivinha-se-lhes um fim incontornável. A menos que abandonem o espaço mediático como o mesmo líder parlamentar laranja, com o rabo entre as pernas, acaba de fazer. 

segunda-feira, 24 de julho de 2017

Um bom exemplo de comunicação a ser replicado

Foi muito oportuna a alteração promovida pela Proteção Civil quanto à comunicação diária sobre o estado dos fogos por todo o país. A centralização da informação pela sede da instituição, limitando os relatos dos chefes dos bombeiros a nível local - embora condenada por quem os estava perversamente a utilizar como arma de arremesso ao governo! - priva uns quantos caciques locais do PSD de exagerarem na dimensão dos problemas e assim arrebanharem mais uns votos de quem os possa não ver com bons olhos para as próximas autárquicas.
Não ignoramos como funciona esse caciquismo: os arrivistas, que ambicionam protagonismo local optam por chefiar os bombeiros, as misericórdias ou os clubes, servindo-se desses pequenos poderes para alcançarem o pretendido. Daí que recorram a todas as habilidades para ganharem protagonismo e silenciarem os argumentos dos opositores.
A nova orientação comunicacional fez, pois, todo o sentido e poderia até servir de exemplo para outro patamar mais importante, que é o da necessária resposta do governo às mentiras das direitas. Peguemos num exemplo concreto: quando Cristas falseou a verdade e deu o ministro dos Negócios Estrangeiros como tendo faltado a cinco de sete reuniões com os seus congéneres europeus, uma nota oficial pretendeu esclarecer que essa ausência verificara-se em três das oito reuniões, e que, mesmo nessas, fora representado pela secretária de Estado ou pelo embaixador em Bruxelas. Mas que impacto teve tal documento escrito para servir de informação às pouco simpáticas televisões em comparação com o que significaria alguém com peso político vir desmascarar as fake news da líder populista?

O governo de Passos Coelho fracassou totalmente, quando nomeou Pedro Lomba como seu porta-voz para conferências de imprensa e briefings com jornalistas, porque, logo às primeiras ocasiões, ele meteu os pés pelas mãos e passou à clandestinidade devido à sua incompetência. Mas não quer dizer que o modelo, replicado da Casa Branca, não faça todo o sentido: permitiria ao governo marcar posição mais visível contra todas as atoardas sobre ele disseminadas pelas oposições de direita e pelos meios de (des)informação. Teria de ser alguém com a capacidade negocial, a importância política de um Pedro Nuno Santos e a verve de um João Galamba. Mas, se cada provocação tivesse resposta a dia e hora certa, com direito e perguntas, mesmo que incómodas, os telejornais não encontrariam tanta facilidade em preencherem longos minutos com os ataques à governação e menos às do governo.
É que, como se constata nos programas com opinadores quase todos críticos da atual formula governativa, mantém-se uma incapacidade preocupante em comunicar as posições, que retirariam argumentos a quem se esforça por convencer os eleitores da existência de «desnorte» e outras falácias, correspondentes a um silêncio, que se não for ocupado com palavras próprias acaba por ser ocupado pelas dos que não enjeitam a oportunidade de dele se servirem para as suas mil vezes repetidas inverdades.

domingo, 23 de julho de 2017

As perigosas aproximações entre os extremos ideológicos

Uma das evidências mais óbvias do que tem ocorrido em torno da candidatura de um simpatizante fascista à Câmara de Loures é a tentação da direita laranja em testar a recetividade dos eleitores nacionais a um tipo de discurso politicamente incorreto, mas com apoiantes garantidos nalguns estratos sociais. Tal como nas eleições de 2015 recorreu a um marketeiro brasileiro para utilizar estratégias indignas, mas com resultados quase vitoriosos, o PSD anda a ensaiar novas táticas passíveis de infletirem a tendência sugerida por todas as sondagens.
Que esse discurso consegue garantir simpatias constato-o com pena nalguns dos meus amigos do facebook, que o subscrevem com entusiasmo apesar de se considerarem de esquerda. Como se viu em França, com a passagem de muitos eleitores do Partido Comunista para a Frente Nacional, consegue ser muito ténue a linha de separação entre os valores radicais das esquerdas e das direitas. Não gostaria de o reconhecer, mas os factos vão-me confrontando com a conclusão da proximidade perigosa entre os extremos ideológicos.
Os estudos entretanto invocados por quem rejeita liminarmente as atoardas do referido candidato demonstram nele imperar a lógica das fake news. Não é verdade que a maioria dos ciganos viva à conta do RSI, nem usufruem de direitos negados a outros requerentes, que não os pertencentes à sua etnia. Há, igualmente, a comprovação da relação causa-efeito entre a atribuição desses apoios e a progressiva integração dessa comunidade nos valores e comportamentos da sociedade em que se vão diluindo.
O que espanta nos amigos subitamente afeiçoados a esse tipo de fascismo larvar é a sua distração do que mais os deveria indignar: os esbulhos que os antigos Donos Disto Tudo fizeram, com rombos significativos nas nossas carteiras, sem que a justiça pareça interessada em responsabilizá-los por tais atos. Não é preciso ler Sun Tzu para considerar que nunca deveríamos desfocalizar-nos dos inimigos principais, quando nos tentam atirar para combates secundários. É que perdendo-nos nessas tricas irrelevantes ficamos bem mais frágeis para nos empenharmos a sério nas lutas principais.
O que a direita laranja ensaia com este candidato é lançar areia para os olhos, suscitando injustificada repulsa por quem até é mais humilhado e ofendido do que os demais explorados pelo sistema económico que continuamos a suportar.
Ser inteligente nesta altura equivale a não perdermos o rumo aos nossos objetivos principais - construir uma sociedade mais justa, capaz de aumentar a riqueza nacional e distribui-la mais equitativamente! - para nos deixarmos iludir por raivosos lobos escondidos por baixo de peles de carneiro. 

sábado, 22 de julho de 2017

Entre eurofilias e eurofobias

Há tanta coisa má na União Europeia que, amiúde, justifica-se questionarmo-nos se ela terá algum conserto. Começando por ser eurocético antes de Mário Soares nos ter a ela vinculado, acabei por me render quando constatei a rapidez com que, graças aos apoios generosamente prodigalizados durante o cavaquismo (um logro só mascarado pelos rios de dinheiro então atribuídos para encherem os bolsos das suas clientelas), havia uma aparência de aproximação aos níveis de vida europeus.
Nos anos mais recentes, sobretudo quando se destacaram Schäuble e os seus cortesãos como sádicos apostados em infernizarem a vida dos portugueses, retomei o pendor eurodescrente. Não chegando ainda ao nível dos comunistas, mas já sem os frívolos entusiasmos de Rui Tavares ou Francisco Assis.
Iludi-me uns tempos com a possibilidade de ver os socialistas reconquistarem a perdida importância política dos anos finais do século passado. Mas a experiência portuguesa não dá sinais de ver-se replicada no espaço europeu. Predominam os que se revelaram imperdoáveis traidores, apossados das lideranças para melhor destruir as esperanças mais igualitárias. Se Corbyn surgiu como outra demonstração da melhor estratégia a adotar para pôr cobro ao esgotado receituário neoliberal, abundam os Vernizelos, Renzis, ou Djesselbloems, que grupusculizaram os seus partidos na Grécia, na França ou na Holanda.
Sanchez, aqui ao lado, abre novas expetativas, mas conseguirão a Península Ibérica e o dissociado Reino Unido impor a correção de um rumo há muito perdido?
Por agora vamos assistindo à deriva fascizante da Polónia, sem que Bruxelas reaja com o vigor expetável para quem se diz tão respeitador dos princípios fundamentais de uma democracia. Alemães vão sendo aprisionados na Turquia pelos mais fúteis motivos e não se constata mais do que o encolher de ombros de quem se julga de mãos atadas para tomar medidas concretas de acosso da ditadura de Erdogan. E que dizer do que se passa na Hungria, onde Orban silencia as vozes dissonantes, procurem elas manifestar-se nos jornais, nas artes ou, até mesmo, no espaço público?
Seria necessário que a União se tornasse politicamente mais progressista para deixar de se cingir à lógica mais ultra economicista, ademais segundo os preceitos de gurus desacreditados: os que já viram falhados os efeitos dos seus axiomas fundamentais - a superioridade da liberdade dos mercados na criação da riqueza, a excelência dos gestores privados sobre os do setor público, a redução deste último à sua mínima expressão, etc. - mas continuam a perorar dos seus púlpitos como se continuassem prenhes de razão.
Por tudo isto mantenho-me moderadamente eurocético. Sem ainda apostar nas vantagens de implodir os edifícios de Bruxelas, Frankfurt ou Estrasburgo onde se acoitam os burocratas (ou burrocratas?) para recriar a ideia a partir de um novo princípio, mas não descartando a possibilidade de tal se vir a revelar inevitável… 

A tentação nacionalista no Japão

Há muito que tenho a noção de, a existirem alienígenas entre nós, serem os japoneses os candidatos mais prováveis para como tal virem a ser reconhecidos. Nos contactos com os povos daquela região, quase todos me pareceram bem humanos nos defeitos e virtudes, por muito que se afastassem do nosso modelo caucasiano. Os japoneses, pelo contrário, sempre os senti à parte, não por ter sido por eles destratado - pelo contrário, vi-me prodigalizado com inesperadas mostras de gentileza! - mas por nunca ter sentido a empatia de elos comuns, que estabelecessem uma verdadeira ponte no nosso diálogo.
A comunicação mais complicada aconteceu-me na Ilha de Okonawa onde, apesar - ou se calhar por causa! - da base norte-americana, as autoridades não sabiam (ou fingiam não saber) uma simples palavra em inglês. Isso significou uma reunião divertida com os seus representantes a analisarem os certificados e outros documentos do navio em que estava, questionando-nos ou comentando o que iam achando em japonês, e o nosso lado a procurar responder-lhes em inglês.
À distância arrependo-me de não ter adotado o português para tal «diálogo de surdos». É que terei testemunhado, sem de tal suspeitar, o exemplo prático da afirmação nacionalista nipónica, apesar da sua condição de protetorado norte-americano numa área geográfica, onde os inimigos espreitam por todo o lado.
Com os russos disputam as ilhas Curilhas, Os chineses têm-nos como um dos maiores obstáculos para o controlo mais facilitados dos mares do Pacífico Ocidental e não esquecem o massacre de Nanquim. Os coreanos detestam-nos por causa do meio século em que se viram por eles ocupados, colonizados.
Até Trump chegar à Casa Branca os governos japoneses confiavam no guarda-costas imperialista, por muito que evoluísse a ameaça nuclear de Pyongyang. Mas como acreditar num «aliado» tão instável como o caprichoso presidente norte-americano?
A tentação é grande para que a Constituição seja revista no sentido de lhe extirpar o primado pacifista imposto pelos ocupantes logo após a derrota militar na Segunda Guerra e possibilitar o forte investimento na criação de forças armadas dissuasoras de eventuais tentações alheias. Foi essa a razão porque Shinzo Abe, atual primeiro-ministro, foi eleito com os dois terços dos votos necessários para mudar a Lei Fundamental do país sem recorrer a qualquer aliança com outras forças políticas. Mas há quem veja esse passo em frente como o retorno ao militarismo das primeiras décadas do século passado, que tão graves consequências teve para o conjunto da nação nipónica.
Face à intenção do poder em dissociar-se de Washington e criar as condições para responder por si mesmo aos previsíveis perigos, há a oposição a reclamar quanto isso pode vir a significar o retorno ao abismo sentido em 1945, quando a humilhação da derrota poupou o arquipélago a uma devastação ainda maior destrutiva. Nos próximos meses valerá a pena ir acompanhando como evoluirá essa tentação nacionalista num Japão com razões para se sentir acossado.