quinta-feira, 22 de junho de 2017

O jornalismo ignóbil de outras paragens

Nestes dias temo-nos queixado do mau jornalismo, do quanto ele consegue ser tendencioso, mas trata-se de fenómeno que não é exclusivo do nosso cantinho à beira mar plantado. Em Inglaterra grassa uma intensa campanha por Jeremy Corbyn não se ter curvado perante a rainha.
Nós, os republicanos, reagimos com a nossa lógica: «Era só o que faltava!». Identificamo-nos, pois - e plenamente! -, com os sentimentos antimonárquicos do líder trabalhista. Mas a tal imprensa, que anda furibunda com o seu resultado eleitoral tudo faz para o defenestrar, agora com tortuosidade ainda maior do que já o fazia antes de 8 de junho. Procura desqualificá-lo junto dos britânicos que ainda associam a sua identidade à instituição real.
E, no entanto, Gordon Brown, enquanto primeiro-ministro, também se eximiu de curvar a cerviz e, espante-se!, até David Cameron agiu do mesmo modo. Então sem o escândalo que os tabloides londrinos andam a pretender alastrar.
Outro bom exemplo de um tipo de comunicação social facciosa passou-se em Espanha, onde o «El Mundo» se atreveu a classificar de caos o que se passou no combate ao fogo em Pedrógão Grande e aventou a possibilidade de o governo de António Costa ficar preso pelos arames.
É claro que, perante interpretação tão soez da tragédia, as direitas exultaram, publicitando a manchete do jornal espanhol. Mas, porque não somos ingénuos, devemos compreender o que levou aquela publicação a avançar com tão despudorada caricatura do que se passou entre nós.
Recordemos que o «El Mundo» foi um jornal criado pela direita espanhola para combater o sucesso do «El Pais», mais afeto aos socialistas. Toda a sua agenda tem por causa a tentativa de evitar o derrube do PP de Rajoy pelos socialistas de Pedro Sánchez. Por isso mesmo destratam este último com tanta ferocidade, quanto a manifestada pelos tabloides ingleses relativamente a Corbyn, tendo falhado estrondosamente no apoio velado a Susana Diaz para tornar-se na nova secretária-geral do PSOE e nele impor-lhe uma estratégia de coligação tácita com a direita.
Para o «El Mundo», e quem o patrocina, o horror será uma coligação de toda a esquerda espanhola a exemplo do que se está a verificar em Portugal. Daí a intenção de manchar o mais possível a ação do governo de António Costa desinformando os espanhóis das virtualidades do que aqui se vai passando. Por isso mesmo poderemos contar com manchetes de primeira página do «El Mundo», sempre que encontrar pretextos para maldizer as esquerdas lusas, mas nele não se encontrará sequer uma nota de rodapé a informar que, por exemplo, Portugal conseguirá em 2017 o maior crescimento do século e em tendência convergente com a média europeia.
Mas, porque o post de hoje versa sobre o que se passa além-fronteiras, importa sublinhar os primeiros sinais da degenerescência do movimento político lançado por Emmanuel Macron para destruir os socialistas franceses. Os primeiros ministros indiciados por corrupção já se afastaram e os próximos tempos adivinham-se muito interessantes de acompanhar. Porque a inconsistência ideológica dos novos deputados far-se-á sentir facilmente nos próximos meses, sobretudo quando as ruas se incendiarem com as lutas contra o pacote de medidas anti-laborais pronto para ser apresentado.  Muitos dos que se deixaram iludir pela suposta competência do ponta-de-lança da banca financeira sentirão na pele as consequências do austericídio thatcheriano aí em marcha e cuidarão de se realinhar com quem sempre compreendeu o que estava em causa.
É claro que haverá quem venha agitar o papão da extrema-direita, como se a alternativa a Macron fosse Marine Le Pen. Mera falácia: nas lutas laborais estarão os sindicatos comunistas e socialistas e é com eles que se garantirá a oposição às políticas pretendidas pela nova coqueluche das direitas europeias. E nós temos um bom exemplo de algo de semelhante nos anos 80:o PRD de Eanes foi constituído  para acabar com o Partido Socialista de Mário Soares e, de facto, nas eleições seguintes, conseguiu ter suficiente sucesso para que este último tivesse o pior resultado eleitoral de sempre. Depois veio a desagregação: apodrecendo rapidamente o PRD acabou por ver a sua sigla comprada pela extrema-direita desejosa de se apossar de uma marca, que julgava de valor potencial superior ao que então tinha. Quanto ao  Partido Socialista, o seu revigoramento, permitiu-lhe voltar a crescer a aceder à governação com maioria absoluta (com Sócrates) ou quase (com Guterres).
Quem deu por morto  o Partido de Jean Jaurés terá pecado por manifesto exagero!

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