sábado, 17 de junho de 2017

A próxima conquista civilizacional: a de decidirmos quando queremos morrer!

Há fenómenos sociológicos, que custam a impor-se como «nova normalidade», mas cujos sinais prenunciadores se constatam com frequente veemência desde muito antes de se converterem no cânone. A eutanásia é um deles. Há anos que defendo a regra de se permitir a morte assistida a alguém, que a deseje concretizar mesmo sem padecer de uma doença incurável. Tendo em conta, que viver sempre também cansa - como o disse o poeta José Gomes Ferreira -, a possibilidade de abreviar o tormento a quem não antevê outra forma de existir constitui uma liberdade fundamental para quem a deseja para si. Nesse sentido coloco a questão nos mesmos termos com que apoiei o aborto, quando ele foi duas vezes referendado: qual o direito de impor a alguém uma gravidez indesejada? A arrogância de quem, por razões ideológicas ou religiosas, quer impor os seus preconceitos a quem neles não acredita, tem um nome e ele só pode ser: fascismo!
Da mesma forma, que direito existe de alguém interferir com o momento em que eu pretenda morrer? Não terei o direito de, havendo quem se disponha a facultar-mo, encontrar com que pôr um definitivo final na minha biografia sem desnecessário sofrimento?
Todos conhecemos exemplos de suicídios famosos, quase sempre por meios tão violentos quanto dolorosos: um tiro na garganta ou nos miolos, um laço pendurado no teto, uma asfixia com gás metendo a cabeça bem dentro do fogão, um afogamento num lago. Teria sido necessário que, de Mishima a Sylvia Plath, de Primo Levi a Virginia Woolf, de Stefan Zweig a Mário de Sá Carneiro esses desesperados tenham optado por tão sofrido desenlace?
«Mel», filme de Valeria Golino, datado de há quatro anos, aborda estas questões, colocando-se na perspetiva do «anjo da morte» eivado de contradição insanável entre a vontade de ajudar os outros, mas só aceitar se se tratarem de doentes terminais. Quando descobre ter cedido o material letal a um velho engenheiro apenas deprimido, criam-se-lhe difíceis questões de consciência.
A não aceitação do  pressuposto imposto por Irene a si mesma leva-me a desvalorizar o filme, que apenas merece uma referência simpática.  Mas ele serve para lançar um debate, que acabará, mais cedo ou mais tarde, levantar as proibições ainda existentes nesta matéria.
Confio que, daqui a dez, vinte, quiçá trinta anos, quando sentir já se me terem esgotado as forças e a lucidez, poderei usufruir do merecido direito de querer morrer no dia e hora que entender. Limitando-me a adormecer pela última vez… 

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