quarta-feira, 31 de maio de 2017

Esquecidos os números ficam as «parole»

Não surpreende que, nas Jornadas Parlamentares organizadas no Algarve, o PSD tenha decidido abandonar o discurso baseado nos números: eles têm-lhe sido tão madrastos que mantê-los na propaganda só significava demonstração de masoquismo. Mas avançou com outra proposta não despicienda de significado: a redução de deputados.
Nada como cavalgar uma boa onda populista, que tanto costuma animar as conversas dos leitores do pasquim da Cofina. Mas também aí as alaranjadas cabeças poderão estar a apostar em cavalo errado: ao contrário do que com eles sucedia, este Governo tem valorizado a importância dos políticos, mostrando quão grande é a diferença entre os competentes e honestos em comparação com os ineptos e os corruptos.
Como alguém comentava nas redes sociais o PSD até nem precisa de se preocupar com o assunto: se ambiciona ter menos deputados, nas próximas eleições o povo satisfar-lhe-á a vontade.
No entretanto, e  a um ritmo quase quotidiano, vão-se somando as boas notícias: o emprego no setor da construção civil está a conhecer crescimento como já não se via há cinco anos, a confiança dos consumidores nunca atingiu índice tão alto desde que passou a ser medido (Novembro de 1997) e o comissário europeu Pierre Moscovici apelou às agências de rating para que atentem bem no quanto de positivo está a passar-se em Portugal.
Adicionalmente até as Nações Unidas veem Portugal como um notável exemplo de eficácia na luta contra a Sida, tendo-se alcançado em 2016 os objetivos apontados para 2020 quanto à redução de novos casos com VIH.
Para além do problema da dívida, que uns consideram insolúvel sem uma renegociação e outros vão silenciando à espera de melhor oportunidade para colocar a questão onde ela deve ser considerada, temos iminente um constrangimento importante: a possibilidade de virmos a ter de assimilar muitos refugiados provenientes da Venezuela onde o caos inferniza as perspetivas de futuro do meio milhão de portugueses.
Depois do sucesso conseguido com a integração de mais de meio milhão de retornados no pós-25 de abril, o país pode deparar com desafio semelhante. O que para as esquerdas trará um problema, que convirá considerar atempadamente: tal como os retornados de 1975 vieram dar apoio eleitoral ao PSD e ao CDS,  com a maioria a diabolizar os socialistas e os comunistas, que apontaram como «culpados» de todos os seus males, os milhares de refugiados vindos de Caracas terão muitas razões para desconfiarem de quem se assemelha no vocabulário ao chavismo. Apoiá-los desde a primeira hora, contactá-los, demonstrar-lhes serem as esquerdas as forças políticas mais solidárias com o seu momento presente constituirá uma tarefa que não se poderá adiar para demasiado tarde…
Uma referência final para o cantinho Trump: os apertos em que se encontra Jared Kushner, genro e conselheiro do ainda presidente, confirma como o mandato tende a polarizar-se entre a farsa e a tragédia, entre os que riem para não chorar e os que irão obrigatoriamente carpir as perdas que sofrerão, quando a Administração recorrer à receita do costume, quando está acossada: uns mísseis tomahawk para aqui, uns drones artilhados para acolá, e um discurso patriótico que só enganará os mentalmente mais indigentes. Que são muitos, infelizmente...

terça-feira, 30 de maio de 2017

O otimismo perante quem antevê tempestades

A propósito do texto "As favas que ainda estão afinal por contar" Jaime Santos contesta o entusiasmo ali explicito pela possibilidade de Jeremy Corbyn conseguir um resultado eleitoral muito acima do que lhe profetizavam os comentadores, que dominam o nosso espaço mediático.
Diz aquele nosso leitor:
“Sim, mas mesmo a pasokização dos Partidos de Esquerda Social-Democrata, muitos deles convertidos ao neoliberalismo, não altera o essencial, que é, ou você governa com o que tem, ou tarde ou cedo vai de mão estendida ao FMI, como já aconteceu antes entre nós, aliás.
Pode prometer-se tudo a toda a gente, mas para entradas de leão com saídas de Syriza, prefiro a minha 'Esquerda' moderada e pasokizada, ou mesmo a Direita Liberal, a todos aqueles que querem transformar os diferentes Países Europeus em diferentes versões da Venezuela sem o petróleo.
Como disse acima, o programa de Corbyn tem um pequeno problema. Ao revelar-se incapaz de recolher os recursos que necessita para fazer o que pretende, ou vai acabar a defraudar os eleitores, ou o 'Socialismo' acaba, como dizia Thatcher, quando acabar o dinheiro dos outros (dos credores). Podem ganhar-se mil eleições recorrendo à demagogia, que o resultado final é sempre o mesmo... A não ser que, claro, como Maduro, depois se queira acabar com as eleições…”
Como quase sempre acontece discordo completamente da crítica, porque assenta neste pressuposto: ou aceitamos a TINA, também ela uma tese de Margaret Thatcher, ou caímos no caos venezuelano.
A realidade é bem mais rica do que este tudo ou nada em que Jaime Santos fundamenta a antipatia pelas propostas de Jeremy Corbyn. Tanto mais que esquece um dado importante: o atual líder trabalhista britânico tem uma formação política, que os militares venezuelanos não possuíam, quando secundaram Chavez e se apossaram dos lugares-chave do regime. E que nunca quiseram vir a ter, porque se contentaram em encontrar a forma de segurar o poder e dele colher as mordomias subsequentes.
Tratar-se-ia, à data do 25 de abril, de equiparar os conhecimentos e a preparação para a governação entre Mário Soares e Otelo Saraiva de Carvalho. Uma comparação, que não fazia qualquer sentido, por muito que o autor de «Alvorada em Abril» pudesse sonhar-se como réplica potencial do seu admirado Fidel. Daí que os efeitos da governação de uns e de outros nunca possam ser postos nos pratos da mesma balança.
Jaime Santos contesta as propostas económicas dos trabalhistas ingleses, nomeadamente no que têm a ver com as renacionalizações que tanto andam a incomodar as lideranças europeias. Imagine-se que elas vêm a revelar-se bem sucedidas, com Corbyn a imitar Centeno na lista dos governantes por quem poucos se dispunham a apostar um tostão furado. Seria a hecatombe de mais uma máxima de entre as muitas que têm caído nos últimos anos a propósito das vantagens da propriedade privada sobre o setor público da economia.
O que me tem sempre surpreendido nas contestações de Jaime Santos é a sua posição de princípio em como se algo corre mal - mormente todas as falhadas experiências socialistas até aqui rastreadas! - assim sempre ocorrerá. E continuando a apostar em cavalos completamente esgotados - a social-democracia ou a direita liberal - que fizeram sentido em fase recuada do capitalismo, mas não têm qualquer cabimento no atual, financeirizado, plutocrático, impeditivo de manter expectativas quanto ao funcionamento eficiente do elevador social - tenta diminuir o corpo teórico, que fundamenta a única alternativa justa para gerir um planeta onde resta pouco tempo para o manter habitável. As exageradas desigualdades na distribuição de rendimentos,  o esgotamento avassalador dos recursos naturais e assustadora degradação dos ecossistemas em  que vivemos não aconselham a perdurabilidade do laissez faire, laissez passer - que é fórmula ainda atual para as intenções desreguladoras dos mercados.
E que o nosso crítico descanse: a sociedade socialista pela qual muitos almejam nada tem a ver com as que gosta de citar como exemplos fracassados das tentativas para a alcançar. Será que desconhece a capacidade inesgotável de aprendizagem da sociedade humana com os seus erros? Veja como as próprias esquerdas portuguesas conseguiram, enfim, dissociar-se do tradicional fratricídio com que costumavam abrir as portas de par em par, para que as direitas desgovernassem!
A nossa espécie ainda será muito bem capaz de o surpreender quanto à sua capacidade de renegar as tentações bárbaras e tornar-se em algo de muito decente. Eis uma Utopia, que ainda espero poder testemunhar, senão enquanto realidade sustentada, pelo menos enquanto expetativa iminentemente concretizável.

segunda-feira, 29 de maio de 2017

A esperança que os jovens representam

Numa entrevista o realizador e produtor Rodrigo Areias confessou que ao concluir não contar com dinheiro suficiente para a rodagem da curta-metragem «Estrada de Palha» decidiu … transformá-la num projeto de longa-metragem!
Essa paradoxal reação ao obstáculo diz muito do valor notável das nossas gerações mais jovens. A ideia inicial de Areias era uma rodagem em película, com um maior número de atores e irrepreensível guarda-roupa de época (a do período imediatamente posterior à implantação da República). A alternativa passou pela filmagem em suporte digital e com maior contenção nos meios de produção. Foi assim possível concretizar o primeiro western da cinematografia nacional.
Essa capacidade de não desistir, de encontrar formas de concretizar as aspirações diz muito de gerações bem mais novas do que a minha, que se tolhia na concretização dos impossíveis, conformando-se com formatações menos ambiciosas do que as circunstâncias pareciam limitar como possíveis.
Ainda neste fim-de-semana o Daniel Oliveira dava outro sinal da diferença das novas gerações em relação às anteriores: os alunos da Escola de Vagos, que se manifestaram ruidosamente contra a pressão homofóbica exercida para com duas colegas apanhadas a beijarem-se diz bem do quão mal vistos tendem a ser recebidos os preconceitos relativamente às opções amorosas de cada um. Doravante, e em função do clamor público criado com o caso, quem apostar em reagir da mesma forma saberá o que poderá ter como ricochete.
Mas já na última campanha eleitoral para a presidência da República, Sampaio da Nóvoa alertava para o quanto poderíamos estar enganados com o aparente alheamento dos jovens em relação à política. Em Viseu, numa das ações de propaganda, indagara alguns deles, que pareciam distanciados do grupo, então empenhado em contactar a população, e  constatara o quanto eles estavam bem informados do que se passava, embora dissessem ainda não ser a sua hora.
Pelo que se vai constatando noutros países, onde o eleitorado jovem tem sido determinante nos resultados significativos de candidatos mais à esquerda, eles estão a demonstrar a vontade de se chegarem à frente, de considerarem oportuna a sua intervenção. E isso só pode dar substância ao otimismo de quem acredita nos valores das esquerdas. É que, quando eles despertam e agitam a realidade, o mundo volta a pular e a avançar.


domingo, 28 de maio de 2017

Onde faço voto de contrição perante tanta clarividência de Passos Coelho

Pedro Passos Coelho que me desculpe, por afinal ter lavrado em erro a respeito do seu mérito em ter ajudado o país a sair do Procedimento por Défice Excessivo. Quis tanto dar os parabéns a António Costa, a Mário Centeno e a toda a maioria parlamentar, que perdi de vista o contributo  - modesto, mas prenhe de significado - que o anterior primeiro-ministro protagonizou.
A evidência veio nos jornais desta manhã: as remessas dos emigrantes para Portugal atingiram máximos históricos dos últimos quinze anos. Quer isto dizer que Passos Coelho tinha razão, na sua perspetiva de liderar o país: ao incentivar os desempregados, e  sobretudo os jovens a emigrarem, já antevia este boom de dinheiro a fluir de outras latitudes para o nosso cantinho à beira-mar plantado. Mais: se continuasse a ser Governo e mantivesse a mesma política dinâmica de enviar os compatriotas para outras latitudes, poderia até chegar mais longe. Imagine-se que cinco milhões saíam de cá e só ficavam outros tantos a viverem do que os familiares lhes mandassem. Passos poderia levar os cortes nas pensões dos reformados até aos cem por cento, reduzindo drasticamente os custos do Estado. Com uns impostos agravados nesses muitos euros importados era vê-lo a bater records no saldo primário entre as receitas e as despesas.
Temos de reconhecer que somos uns meninos comparados com a sua clarividência. Schauble ficaria todo contente porque a sua querida austeridade demonstraria ter resultados inequívocos, poupando-se aos enxovalhos que a presente sucessão de bons indicadores económicos, financeiros e sociais do pais lhe estão intimamente a causar. E Maria Luís Albuquerque, esse poço de sabedoria, até poderia aspirar ao Nobel da Economia por ter conseguido resultados fantásticos pelos menos ortodoxos dos meios ao seu alcance.
Nós, os simpatizantes das esquerdas é que andamos sem perceber que a TINA faria todo o sentido ao contrário do que julgamos mais do que demonstrado. Somos tão míopes no nosso fanatismo esquerdista, que nos escusamos a ver aquilo que para qualquer deputado das direitas é mais do que axiomático...

O precariado,que substituiu o proletariado

Num programa do canal ARTE vejo uma alemã de esquerda comentar que o presente impasse em que se situa a sua área ideológica é não ter compreendido já não existir o proletariado, mas sim «precariado».
Na época em que as pessoas sentiam um vínculo relativamente estável na situação laboral, criavam sinergias, estabeleciam elos de grande solidariedade, organizavam-se sindicalmente. E, porque as economias do pós-guerra cresciam significativamente tornou-se possível a ascensão social desses antigos operários até patamares da pequena e média burguesia.
O capitalismo foi hábil em criar as condições para tornar cada vez mais difícil essa antiga sensação de segurança. As grandes empresas foram sendo desmanteladas com as privatizações, gerando sucessivos despedimentos coletivos e as pressões para afastar os empregados das suas organizações de classe, transformaram o movimento sindical numa pálida amostra do que chegara a ser.
O precariado tornou-se numa útil ferramenta de dinamitação das solidariedades coletivas. Não foi por acaso que o universo mediático fomentou o individualismo como algo de positivo, empolando a importância de todos sermos únicos, completamente distintos de todos os mais. Entre as falácias mais divulgadas por alguns gurus vigorava a ideia de deixarmos de sermos pessoas mas mercas, que deveríamos gerir como se constituíssemos CEO’s das nossas próprias «carreiras».
Porque se fragilizou essa empatia, baseada nos valores comuns, interiorizou-se a ideia de vivermos numa sociedade em que vigora o princípio de sermos cada um por si e Deus contra todos.
Neste momento histórico faz todo o sentido ver as esquerdas tomarem por objeto fundamental da sua estratégia a cativação dos precários, dando-lhes esperança quanto à possibilidade de virem a conquistar maior segurança quanto ao futuro e demonstrando-lhes como serão mais fortes se se juntarem em plataformas de defesa das respetivas aspirações. É que o futuro das esquerdas reside nos jovens graças aos quais Bernie Sanders, Jeremy Corbyn, Jean-Luc Mélanchon ou Pedro Sanchez conseguiram resultados eleitorais muito apreciáveis nos meses mais recentes. Merecida, ou imerecidamente, todos eles ganharam com a assumpção deste problema como pilar fundamental das suas propostas políticas.
Será bom que as esquerdas em geral não esqueçam tais evidências.

sábado, 27 de maio de 2017

Elucubrações quando escasseiam as notícias

Não deixa de ser elucidativa a frequência com que, mesmo a contragosto, haja quem comece a ajuizar a possibilidade de ver o governo atual prosseguir para além desta legislatura. Ainda os quatro anos de mandato parlamentar não chegaram a meio e é ver jornalistas a preencherem o vazio de notícias com elucubrações  académicas em torno das diversas hipóteses: irão os parceiros para o governo ou manterão o estatuto atual? Se houver maioria absoluta continuarão a ter acordos com o PS ou passarão para a Oposição?
É mais ou menos isso que São José Almeida assina logo nas primeiras páginas da edição de hoje do «Público», mas há algo em que temos de lhe dar razão: a resiliência do Bloco e do PCP nas sondagens explica-se pelo facto de se ter tornado desnecessário o «voto útil» no PS, que vai sobretudo captando progressivo apoio nos descontentes com Passos Coelho e em muitos antigos abstencionistas, subitamente convencidos das vantagens de contarem com um bom Governo. E é isso, que fundamenta a confiança de o vermos prolongar-se por mais do que os oito anos sugeridos pela jornalista. É que as direitas revelam-se tão míopes e incompetentes, que devem manter lugar cativo na oposição...

As favas que ainda estão afinal por contar

De súbito a nossa imprensa calou-se sobre o que se irá passar nas eleições inglesas do dia 8 de junho. Enquanto as sondagens apontavam para o sucesso retumbante da jogada oportunista de Theresa May, que estaria à beira de dar histórica vitória aos conservadores, não faltavam artigos e comentários televisivos a escarnecerem do líder trabalhista, apontado quase como personalidade do tempo das cavernas.
Essa gente já salivava de prazer perante a expetativa de, através da esquerda inglesa, atacar a que serve de apoio parlamentar ao governo socialista.
Afinal parece terem ditado a «morte» politica de Corbyn demasiado cedo. Não o escutaram, quando ele reagiu à antecipação das eleições com a afirmação de estar preparado para disputá-las, nem se recordaram como os ainda súbditos de Sua Majestade são dados a tais imprevisibilidades como o bem sentiu Churchill, que, de celebrado vencedor da Segunda Guerra Mundial, se converteu no humilhado perdedor das eleições vencidas por Atlee.
As previsões desta semana - mesmo condicionadas pelas emoções do atentado de Manchester - confirmam uma dinâmica de aproximação progressiva dos trabalhistas em relação aos conservadores, dando a estes uma maioria relativa muito apertada.
Apoiado sobretudo nos jovens, que lhe admiram a fibra republicana de se recusar a alinhar no coro do «God Save the Queen», Corbyn está a seduzir quem concorda com as suas propostas de renacionalização dos correios e do transporte rodoviário, começando a reverter os crimes políticos cometidos pela sinistra Margaret Thatcher.
Os sindicatos têm nele um vigoroso defensor do regresso às negociações coletivas de trabalho e os estudantes esperam o fim ou a redução das elevadíssimas propinas. E a City, já abanada com a votação no Brexit, ainda mais se apavora com a prometida regulação e o controle financeiro sobre o Banco Central.
Compreende-se bem o quanto devem andar inquietas as almas, que já davam a vitória de May como favas contadas.

sexta-feira, 26 de maio de 2017

Centeno e os que querem sentar-se como seus «penduras»

1. Porque não podemos permitir que as direitas e os seus apoiantes em Belém, ou nos jornais e televisões, prossigam com a mistificação em torno de quem deve receber o reconhecimento pelo mérito que os sucessivos indicadores económicos, financeiros e sociais vão tendo semana a semana, importa manter a pressão desmistificadora sobre essa “narrativa”, que os suspeitos do costume andam a querer propagar.
Em definitivo o apreço tem de ser dado à atual maioria parlamentar que permitiu reverter a direção funesta para que nos empurrava Passos Coelho e os seus cúmplices.  A António Costa, cuja inteligência e sentido estratégico têm sido imprescindíveis para devolver esperança aos portugueses quanto à possibilidade de virem a viver dias bem melhores. E à equipa de Mário Centeno, que com uma superlativa competência vai tornando possível aquilo que os «especialistas» mediáticos davam como impossível. Agora até é bem possível, que consiga um crescimento do PIB acima dos 3%, calando de vez quem não a poupara nas críticas.
Quanto à tentativa de colagem de Passos & Cª faço minhas as palavras publicadas no blogue «Estátua de Sal», que coincidem totalmente com as que aqui tenho explicitado:
Eu não duvido que Passos, se não tivesse sido apeado da governação, também teria colocado o deficit abaixo dos 3%. O que tenho a certeza é que não o conseguiria subindo salários e pensões, e baixando impostos sobre os rendimentos do trabalho. Venderia mais umas coisas aos chineses, baixava os impostos sobre o capital, mandava os portugueses emagrecer mais uns furos, em suma, continuaria a política de devastação que prosseguiu nos seus quatro anos de mandato. E também tenho a certeza que não teríamos o crescimento económico que já hoje se verifica e as perspetivas de que ainda se vai acelerar no curto prazo.
2. Um amigo, marcelista convicto, costuma discordar da minha reiterada desconfiança em relação ao campeão das selfies, comentando que não perco uma oportunidade para nele zurzir.
Acabada a semana constata-se que Marcelo não corrigiu - nem o que lhe vai realmente na mente o permitiria - a indesculpável atribuição do merecimento da saída do Procedimento por Défice Excessivo a Passos Coelho, mas, sobretudo, se tivesse uma pinga de vergonha o presidente (com p pequeno) deveria pedir desculpa a Mário Centeno - nem que seja em privado! - por o ter achincalhado uns meses atrás a  propósito da novela dos sms. Na altura, e com a colaboração do seu conselheiro e substituto no comentário dominical na TVI andou a lançar combustível para a fogueira na esperança de ver chamuscado quem estava a resolver a crise no setor bancário, que as direitas tinham deixado à beira da rutura total. O calhandreiro-mor até empolou o quanto Marcelo estivera à beira de exigir de Costa a demissão do ministro, como se tivesse legitimidade constitucional para tal.
Nós que a tudo isso assistimos não esquecemos como de Belém se intrigou para enfraquecer o governo em claro prejuízo do interesse da maioria dos portugueses.

quinta-feira, 25 de maio de 2017

As coincidências que o não são

1. Há muito que é um clássico dos regimes em crise: quando manifestantes vêm para a rua exigir a sua demissão depressa pequenos grupos de infiltrados fazem tudo descambar em atos de vandalismo e violência, que sirvam para legitimar o recurso a repressão mais musculada. O recurso ao Exército para conter a indignação dos que protestam legitimamente contra um poder corrupto constitui o salto qualitativo, que pode degenerar em algo de bastante preocupante.
Conseguirá Temer evitar o contragolpe, que centenas de milhares de brasileiros protagonizam nas ruas das maiores cidades? Conseguirá a Globo cavalgar nestes acontecimentos, mais recentes por ela própria despoletados, para impor quem interessa ao clã Marinho, antes que a dinâmica dos protestos devolva o poder a Lula ou a quem ele apoiar?
A situação brasileira está a incendiar-se com tal rapidez, que se aproxima de um de dois desideratos: ou os Balsonaros, apoiados no Exército, impõem uma ditadura fascista, ou o povão perde o medo e impõe uma transformação radical da relação de forças entre a elite endinheirada e a maioria dos que estão condenados à miséria das favelas. Cresce a consciência da necessidade em desarticular a promiscuidade entre os políticos e os interesses privados, que têm justificado as mais descaradas formas de corrupção.
2. Outro clássico costuma acontecer quando a esquerda está a evoluir nas sondagens, ameaçando as previsões apressadas de quem já escolhera que tipo de governo aconteceria após as eleições. Por «acaso» acontece um atentado terrorista capaz de travar uma dinâmica difícil de suster e devolver eleitores atemorizados a quem lhes prometa mais segurança e políticas xenófobas.
Durante meses a fio os opinadores do costume previram a hecatombe para o Partido Trabalhista inglês nas eleições de 8 de junho. Congratulavam-se sobretudo com a «punição», que os eleitores dariam a quem se atrevia a apostar em propostas verdadeiramente de esquerda.
De repente esses opinadores calaram-se, começaram a sentir-se inquietos com as notícias vindas do outro lado do Canal da Mancha: afinal o velho socialista de barbas até estava a aproximar-se aceleradamente da queridinha dos mercados e a ameaçar-lhe a vitória antecipada.
Já víramos este filme em França, quando, em vésperas da primeira volta e com Mélanchon a aproximar-se da possibilidade de disputar a final com Macron ou Le Pen, surgiu oportunamente o atentado dos Campos Elísios.
Apenas coincidências infelizes ou a possibilidade de reimpor os discursos em torno das questões da segurança, secundarizando os do emprego ou os da correção das desigualdades sociais?
Não somos ingénuos para acreditar que, nesta coisas, existam acasos tão tendenciosamente orientados!

quarta-feira, 24 de maio de 2017

O massacre desinformativo continua

Quando já poderíamos supor os portugueses suficientemente vacinados sobre o tipo de estratégia desinformativa que, quase os fez acreditar na bondade da continuação da coligação PSD/CDS à frente do país após as eleições de outubro de 2015, eis que ela retomou o seu fulgor a propósito dos méritos a atribuir a quem conseguiu retirar o país do Procedimento por Défice Excessivo. Terá sucesso? Será repudiada como exemplo lapidar de fake news? Veremos nos próximos dias!
Tendo como ponto de partida  Marcelo Rebelo de Sousa, e logo a rápida subscrição dos partidos das direitas,  essa mistificação prossegue ativamente com sucessivos textos na imprensa escrita e nos comentários televisivos. Veja-se a longa efabulação com que Manuel Carvalho hoje a desenvolve numa página inteira do «Público», como se a recuperação não tenha começado com a declaração de inconstitucionalidade dos cortes promovidos pelo governo anterior e a necessidade por este sentida, por descarado calculismo eleitoral,  de refrear durante uns meses a sua dinâmica austeritária.
Alguém duvida que, se tivesse conseguido suficiente apoio parlamentar para o governo empossado por Cavaco Silva em 30 de outubro de 2015, os reformados teriam reavido o valor justo das suas pensões, entretanto sujeitas a cortes inadmissíveis? Alguma vez os funcionários públicos teriam recuperado os seus salários? Teria a TAP continuado em mãos nacionais? E as empresas de transporte (Carris, Metro, etc.) já não estariam “concessionadas” a tubarões estrangeiros? E quem é que poria Maria Luís Albuquerque a pagar os buracos nos bancos, que tinha andado a esconder debaixo do tapete? Não estaríamos já “resignados” à imprescindibilidade de passarmos a Caixa Geral dos Depósitos para interesses privados?
Não ! Manifestamente NÃO! Os louros deste sucesso só devem ser atribuídos ao Governo, que mostrou haver alternativa mais competente e eficiente ao austericídio promovido pelas direitas e ao povo português, que sofreu as diatribes conhecidas. Mas, ainda assim, teremos de responsabilizar este último por se ter entregue ao masoquismo coletivo e quase ter aceite, que o martírio continuasse.
Quanto  à conhecida reação do sr. Schauble relativamente a Mário Centeno, que o terá elogiado como um Cristiano Ronaldo das Finanças, só podemos desconfiar de tanta «bondade».
Sabemo-lo corresponsável pelas imposições além da troika que as equipas lideradas por Passos Coelho subservientemente acataram. O seu cinismo até poderá iludir uns quantos incautos, e se isso significar juros mais baixos na dívida portuguesa e a revisão em alta do rating da República, só podemos agradecer. Mas adivinhamos que Schauble tenha cruzado os dedos debaixo da mesa, quando proferiu tal enormidade, porque vendo-se ideologicamente derrotado, decerto já estará a pensar no desagravo. O personagem tem revelado ao longo destes anos mais recentes um comportamento, que nos leva a desejar que acompanhe o sr Dijsselbloom - e já agora ambos levem pelo braço o sr. Valdis Dombrovskis - para a reforma. Para muito longe dos centros de decisão europeus para nos não voltarem a atazanar o juízo.

terça-feira, 23 de maio de 2017

O egoísmo é incontornável?

Desde que lhe comecei a identificar as virtudes e os defeitos, sempre desejei contribuir para a mudança da sociedade. Por isso mesmo em dois terços dos sessenta anos vividos sempre militei em partidos políticos cujo objetivo final era o de se alcançar uma sociedade mais justa e igualitária, mobilizada o mais possível para os valores impostos pela Revolução Francesa de 1789: a Liberdade, a Igualdade, a Fraternidade.
Se alturas houve em que acreditei tangível o objetivo de ainda me presenciar nesse tipo de viver coletivo, noutras dele me senti demasiado afastado, situando-o num indefinido futuro utópico.
As décadas recentes têm trazido frequentemente essa consciência de o futuro não vir a ser já hoje, dado o veneno destilado pelo neoliberalismo nas mentes das maiorias. Passou-se a privilegiar a competitividade em vez da solidariedade, convertendo-se o egoísmo numa grande vantagem para quem quiser ter sucesso. Para os defensores desta perspetiva continuamos a ser os primitivos primatas apenas motivados pelos instintos. Porque até buscam legitimidade em Nietzsche, que encarava o remorso e a compaixão como obstáculos ao cumprimento do potencial de cada um. Razão para que José  Saramago afirmasse ser o egoísmo a doença mortal do homem.
Para o filósofo alemão terá sido um contrassenso deixarmo-nos convencer pela tradição judaico-cristã, que sempre conotou o egoísmo com um pecado venal. Não incitava São Marcos, que amássemos tanto os outros como a nós mesmos?
Quando usam de maior argúcia tentam até utilizar em seu proveito os argumentos alheios. Por exemplo, tendo em conta os previsíveis benefícios no Além de uma conduta altruísta não seria o seu cultor um indisfarçável egoísta?
Os filósofos que fazem do egoísmo o objeto do seu estudo acabam por dividir-se em dois campos antagónicos: há os que veem o narcisismo como uma característica essencial em cada um de nós por facilitar a criatividade e a relação positiva consigo mesmo, forma indispensável de ver facilitado o relacionamento com os outros. E há os que verberam o narcisismo coletivo, que é exemplarmente representado pela sociedade norte-americana, causa da solidão deprimida de muitos e de tantos problemas sociais a ela ligados.
Estaríamos assim fadados a esquecer a empatia como característica imprescindível para garantirmos a sobrevivência? Ou deveríamos seguir os conselhos do autor de «E Assim Falava Zaratustra», que incentivava a astúcia do egoísta em colocar-se na pele de outrem para melhor compreender a sua essência, elaborando a partir dela a melhor estratégia para a utilizar em seu exclusivo proveito?
O desequilíbrio entre os benefícios dos egoístas em relação aos altruístas manter-se-á, ou agravar-se-á enquanto persistirmos numa sociedade acriticamente normalizada na aceitação da exploração do homem pelo homem? A inflexão dessa inevitabilidade só pode ser conseguida num outro quadro político, que ostracize demagogos e arrivistas em proveito dos que vejam o exercício de cargos públicos como um dever ético na concretização de políticas passíveis de nos reaproximarem dos tais valores associados à Tomada da Bastilha. O que implica acreditar mais na entreajuda, na solidariedade do que no esforço individualista para colocar a cabeça uns centímetros acima dos demais.