quarta-feira, 12 de abril de 2017

Não! Não sou social-democrata! Sou socialista!

Há muito tempo, que o Jaime Santos tem sido leitor atento dos meus textos e, ao mesmo tempo, seu crítico persistente. A nossa discordância é puramente ideológica, muito embora ambos nos filiemos no apoio às políticas da atual maioria parlamentar. No meu caso, porque integra de facto o apoio do Bloco de Esquerda, do PCP e dos Verdes, ele mais na lógica do «apesar de…»
A propósito do meu texto de ontem sobre o voto de apoio a Jean Luc Mélanchon, acaso pudesse votar nas eleições francesas de 23 de abril, ele reagiu com algum destempero, porque sugere a minha saída do Partido em que estou filiado há mais de trinta anos para imitar, por exemplo, Alfredo Barroso:
De facto, os eleitores de Esquerda do PSF preferem o original à cópia. Basta olhar para o programa de Mélanchon para se perceber quais as suas bandeiras (que estão a milhas de António Costa, sinceramente não percebo por que o meu caro não adere antes ao BE, se realmente o que deseja é a Esquerda Marxista e Estatista no poder). Agora, se acha que essa Esquerda consegue ganhar eleições sem o eleitorado centrista, o tal que prefere acreditar que a social-democracia ainda é a forma mais justa de governar os homens (também porque viu os disparates que o Marxismo consegue fazer), desengane-se. Digo-lhe mesmo, antes votar num candidato de Direita moderado como Macron a votar em alguém que salvo a ausência de xenofobia não se distingue de Le Pen em muito. Gosto muito de sociedades abertas e da Economia de Mercado...
Arriscando repetir-me respondo a Jaime Santos confrontando-o com três erros básicos em que incorre na sua análise.
O primeiro tem a ver com a natureza do nosso Partido Socialista.  Repare-se que, logo no nome, ele assume-se como isso mesmo - «socialista» e não «social-democrata». Ora, grande parte dos fundadores do Partido no encontro de Bad Münstereifel em 19 de abril de 1973 queria um partido efetivamente socialista e seguindo a matriz marxista. O leninismo era, obviamente rejeitado, mas acreditava-se na possibilidade de se encaminhar o país para uma sociedade sem classes onde a justiça, a igualdade e as demais liberdades fundamentais se tornassem efetivas.
Esse é o «meu» partido Socialista e, acredito que o da maioria dos seus militantes e simpatizantes. Por isso mesmo as primárias que conduziram à derrota de António José Seguro por António Costa em setembro de 2014  demonstraram-no. O que, nesse dia se definiu foi o desvio do Partido Socialista do rumo dos seus congéneres europeus, rendidos à ilusão social-democrata a ponto de o diluírem no austeritarismo neoliberal, e por isso condenados, desde a Grécia a Espanha, da Holanda a França, a uma irrelevância que, nalguns casos, significa mesmo grupusculização.
Nas últimas convocações dos militantes e simpatizantes da esquerda socialista a manifestarem a sua vontade - aconteceu com Corbyn em Inglaterra, com Hamon em França, com a própria derrota de Renzi no seu referendo em Itália - os votantes foram bem claros na sua mensagem: querem um partido,  que não tenha vergonha em ser o que deve ser.
Se durante anos o logro da Terceira Via iludiu os que pensavam assim abocanhar o poder executivo - mas podemos perguntar-nos para que nos serviria ele se não significaria a implementação das genuínas políticas de esquerda? - a sua herança tem sido a que vamos constatando, eleição a eleição, em que os «sociais-democratas» perdem votos para a direita e para a extrema-direita, e menos mal, para os Syrizas ou os Podemos.
Não faz, pois, sentido que quem acredita nas políticas de raiz marxista e orientadas para a tal igualdade, a tal justiça e as tais liberdades, tenha de sair do partido com que sempre se identificou. Trata-se, sim,  de apostar em eleger-lhe dirigentes sintonizados com o efetivo querer dos seus militantes e simpatizantes.
Mas o Jaime Santos esquece mais duas evidências: por um lado a social-democracia, sobretudo se parametrizada em função das propostas de Kautsky ou de Bernstein - cujo ideário Lenine aliás desmascarara - poderia ter feito algum sentido nos Trinta Gloriosos Anos em que existia um forte crescimento da economia ocidental e condições para subidas significativas dos rendimentos de quem trabalhava e a atribuição de regalias até então ignoradas.
A social-democracia ao estilo nórdico, ou mesmo holandês, deixou de fazer sentido quando o crescimento dos PIBs se tornaram irrelevantes, a globalização acentuou a pressão sobre os custos de produção e os direitos de quem trabalha passaram a ser cortados ou reduzidos. Falar hoje de social-democracia faz tanto sentido como dizer que, a curto ou médio prazo, se pode expandir o mercado global para a Lua ou para Marte para assim garantir o tal crescimento contínuo sem a qual o capitalismo emperra.
Mas o Jaime Santos também se diz um cultor do mercado. Ainda mantém a ilusão, que é da concorrência dos preços e da livre circulação das  mercadorias, que adviria maior crescimento económico, mais empregos, mais liberdades e melhor qualidade de vida. Trata-se, é claro, de um logro.  Se Adam Smith viesse ver como evoluíram as suas propostas sobre a tal mão invisível que cuidaria de aumentar a riqueza dos povos, vê-la-ia espoliada pela avidez dos grupos financeiros e as demais oligarquias multinacionais, que, ano após ano, vêm assegurando uma distribuição cada vez mais desigual entre quem possui a riqueza e quem apenas dela acede a exíguas migalhas.
Não se trata, pois, de transigir nas ideias e nos princípios fundamentais para alcançar o poder por si mesmo. Importa, sim, incrementar a importância  das ideias de esquerda  - as genuínas, não as que delas são toscas imitações –para tornar possível o tal mundo mais justo e menos desigual, em que ansiamos viver. Ou que, mesmo já demasiado avançados na idade para tal - como começo a ser enquanto sexagenário! - se torne exequível para as minhas netas... 

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